segunda-feira, outubro 26, 2020

Será possível eliminar a Covid-19?

Continua o debate sobre se a imunidade de grupo será o segredo para erradicar a doença

O uso de máscara, o distanciamento físico e a lavagem das mãos são eficazes a controlar o contágio pelo vírus SARS-CoV-2. Assim como a testagem, o isolamento e o rastreamento dos contactos dos casos positivos. No entanto, estes cuidados não garantem a eliminação da doença.

Será que existem medidas capazes de erradicarem a Covid-19? Aparentemente, a imunidade de grupo poderia ser a resposta a esta questão, mas é preciso cautela na análise, aconselha o professor de Epidemiologia Experimental da Universidade Trinity College, na Irlanda, Kingston Mills.

A recuperação de uma infeção viral está habitualmente associada ao desenvolvimento de imunidade, mas a reação do sistema imunitário à Covid-19 não está totalmente esclarecida pela ciência. Ainda não se sabe, por exemplo, se a infeção pelo SARS-CoV-2 garante proteção, a posteriori, contra uma reinfeção.

A Suécia teve dez vezes mais mortes por milhão de habitantes do que as vizinhas Finlândia e Noruega.

Ao que parece, a maioria das pessoas contagiadas desenvolve anticorpos contra o vírus. E, mesmo no caso dos doentes assintomáticos, que não geram anticorpos, as células T do seu sistema imunitário podem ser ativadas e funcionar como mecanismo de defesa. Assim, tudo parece indicar que a infeção gera imunidade na maioria dos doentes. Durante quanto tempo? Não se sabe.

A hipótese de as pessoas infetadas desenvolverem imunidade tem alimentado a teoria que defende a estratégia de criar imunidade de grupo de forma natural, ou seja, permitindo que a doença alastre pela população, enquanto se protegem os grupos de risco, como os idosos ou os imunodeprimidos.

A imunidade de grupo atinge-se quando um número suficiente de pessoas se tornou imune à doença, quebrando naturalmente as cadeias de transmissão. Acredita-se que no caso do SARS-CoV-2 seja necessário que, pelo menos, metade da população já tenha tido a doença – o consenso mais alargado aponta os 60 a 70%. A investigadora portuguesa Gabriela Gomes acredita que poderá bastar ter tido 10% da população infetada.

Neste momento, a percentagem de pessoas com anticorpos no mundo está muito longe desses valores. Em julho, a imunidade de grupo em Portugal não ultrapassava os 3%. Em Espanha não ia além dos 5%.

Mas o retrato dos locais onde a prevalência da doença foi maior também não é tranquilizador. A cidade de Nova Iorque, por exemplo, registou 23% dos residentes com anticorpos, mas o número de mortos foi muito elevado – mais de 23 mil numa população de cerca de 8 milhões de pessoas (Portugal soma 2 245 óbitos em 10 milhões de habitantes).

A Suécia, o exemplo recorrente de políticas menos restritivas de controlo da epidemia, teve dez vezes mais mortes por milhão de habitantes – 582 – do que as vizinhas Finlândia e Noruega.

Vacina mágica

Talvez o impacto desta segunda onda da pandemia seja menor em locais onde a percentagem da população contaminada foi maior, mas é notório que a estratégia baseada na imunidade de grupo de forma natural é extremamente perigosa, defende o investigador Kingston Mills.

Existe o risco de morrerem muito mais pessoas dos grupos de risco. Além disso, alguns doentes desenvolvem complicações de saúde a longo prazo, mesmo que a infeção inicial não seja muito grave.

“Os riscos associados à obtenção da imunidade de grupo de forma natural tornam essa estratégia inaceitável para suprimir o vírus, quanto mais para eliminá-lo”, afirma o imunologista.

Os riscos associados à obtenção da imunidade de grupo de forma natural tornam essa estratégia inaceitável para suprimir o vírus, quanto mais para eliminá-lo

No entanto, existe outra forma de obter imunidade de grupo: através de uma vacina.

Atualmente, estão a ser desenvolvidas mais de 200 contra o SARS-CoV-2. O objetivo é que tenham uma eficácia de, pelo menos, 50%, ou seja, a eficácia total não está garantida e também pode variar de acordo com as faixas etárias.

Ao mesmo tempo, a vacina terá de ser produzida em quantidade suficiente para inocular quase toda a população do planeta – 7,8 mil milhões de pessoas. A farmacêutica que está a desenvolver uma das vacinas mais promissoras, a AstraZeneca, já revelou ter capacidade para produzir apenas 2 mil milhões de doses até ao final de 2021. A esse ritmo, vacinar o mundo inteiro poderia demorar anos.

O imunologista Kingston Mills aconselha, por isso, que todos sejam realistas: “A eliminação do vírus em grande parte do mundo, embora não seja impensável, pode demorar um número significativo de anos.”

Por isso, o melhor é mesmo cumprir todas as regras para o controlar (Revista Visão)

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