Continua o debate sobre se a imunidade de grupo será o segredo
para erradicar a doença
O uso de máscara,
o distanciamento físico e a lavagem das mãos são eficazes a controlar o
contágio pelo vírus SARS-CoV-2. Assim como a testagem, o isolamento e o
rastreamento dos contactos dos casos positivos. No entanto, estes cuidados não
garantem a eliminação da doença.
Será que existem
medidas capazes de erradicarem a Covid-19? Aparentemente, a imunidade de grupo
poderia ser a resposta a esta questão, mas é preciso cautela na análise,
aconselha o professor de Epidemiologia Experimental da Universidade Trinity
College, na Irlanda, Kingston Mills.
A recuperação de
uma infeção viral está habitualmente associada ao desenvolvimento de imunidade,
mas a reação do sistema imunitário à Covid-19 não está totalmente esclarecida
pela ciência. Ainda não se sabe, por exemplo, se a infeção pelo SARS-CoV-2
garante proteção, a posteriori, contra uma reinfeção.
A Suécia teve dez vezes mais mortes por milhão de habitantes do que as vizinhas Finlândia e Noruega.
Ao que parece, a
maioria das pessoas contagiadas desenvolve anticorpos contra o vírus. E, mesmo
no caso dos doentes assintomáticos, que não geram anticorpos, as células T do
seu sistema imunitário podem ser ativadas e funcionar como mecanismo de defesa.
Assim, tudo parece indicar que a infeção gera imunidade na maioria dos doentes.
Durante quanto tempo? Não se sabe.
A hipótese de as
pessoas infetadas desenvolverem imunidade tem alimentado a teoria que defende a
estratégia de criar imunidade de grupo de forma natural, ou seja, permitindo
que a doença alastre pela população, enquanto se protegem os grupos de risco,
como os idosos ou os imunodeprimidos.
A imunidade de
grupo atinge-se quando um número suficiente de pessoas se tornou imune à
doença, quebrando naturalmente as cadeias de transmissão. Acredita-se que no
caso do SARS-CoV-2 seja necessário que, pelo menos, metade da população já
tenha tido a doença – o consenso mais alargado aponta os 60 a 70%. A
investigadora portuguesa Gabriela Gomes acredita que poderá bastar ter tido 10%
da população infetada.
Neste momento, a
percentagem de pessoas com anticorpos no mundo está muito longe desses valores.
Em julho, a imunidade de grupo em Portugal não ultrapassava os 3%. Em Espanha
não ia além dos 5%.
Mas o retrato dos
locais onde a prevalência da doença foi maior também não é tranquilizador. A
cidade de Nova Iorque, por exemplo, registou 23% dos residentes com anticorpos,
mas o número de mortos foi muito elevado – mais de 23 mil numa população de
cerca de 8 milhões de pessoas (Portugal soma 2 245 óbitos em 10 milhões de
habitantes).
A Suécia, o
exemplo recorrente de políticas menos restritivas de controlo da epidemia, teve
dez vezes mais mortes por milhão de habitantes – 582 – do que as vizinhas
Finlândia e Noruega.
Vacina mágica
Talvez o impacto
desta segunda onda da pandemia seja menor em locais onde a percentagem da
população contaminada foi maior, mas é notório que a estratégia baseada na
imunidade de grupo de forma natural é extremamente perigosa, defende o
investigador Kingston Mills.
Existe o risco de
morrerem muito mais pessoas dos grupos de risco. Além disso, alguns doentes
desenvolvem complicações de saúde a longo prazo, mesmo que a infeção inicial
não seja muito grave.
“Os riscos
associados à obtenção da imunidade de grupo de forma natural tornam essa
estratégia inaceitável para suprimir o vírus, quanto mais para eliminá-lo”,
afirma o imunologista.
Os riscos
associados à obtenção da imunidade de grupo de forma natural tornam essa
estratégia inaceitável para suprimir o vírus, quanto mais para eliminá-lo
No entanto, existe
outra forma de obter imunidade de grupo: através de uma vacina.
Atualmente, estão
a ser desenvolvidas mais de 200 contra o SARS-CoV-2. O objetivo é que tenham
uma eficácia de, pelo menos, 50%, ou seja, a eficácia total não está garantida
e também pode variar de acordo com as faixas etárias.
Ao mesmo tempo, a
vacina terá de ser produzida em quantidade suficiente para inocular quase toda
a população do planeta – 7,8 mil milhões de pessoas. A farmacêutica que está a
desenvolver uma das vacinas mais promissoras, a AstraZeneca, já revelou ter
capacidade para produzir apenas 2 mil milhões de doses até ao final de 2021. A
esse ritmo, vacinar o mundo inteiro poderia demorar anos.
O imunologista
Kingston Mills aconselha, por isso, que todos sejam realistas: “A eliminação do
vírus em grande parte do mundo, embora não seja impensável, pode demorar um
número significativo de anos.”
Por isso, o melhor
é mesmo cumprir todas as regras para o controlar (Revista Visão)
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