sábado, abril 23, 2011

Europa: Merkel é quem manda? Não, é Trichet…

Segundo o Jornal I, do jornalista Nuno Aguiar, "facto: nada é feito na Europa sem a aprovação de Berlim. No entanto, os últimos meses têm mostrado que os jogos de bastidores têm sido dominados por outra entidade: o Banco Central Europeu (BCE). O presidente, Jean-Claude Trichet, a cinco meses de terminar o seu mandato, tem sido responsável por puxar os cordelinhos de forma a conduzir a Europa na direcção que, na sua opinião, a salvará da crise.Ao contrário de alguns responsáveis alemães ou franceses, Trichet não tem feito declarações incendiárias em público. E não o faz por uma única razão: não precisa. O presidente do BCE segue a máxima de Theodore Roosevelt: "Speak softly and carry a big stick." A tradução para português é difícil, mas resume-se a falar calmamente, mas com um grande pau na mão. Exactamente aquilo que Trichet tem feito.É cada vez mais claro que o BCE desempenhou um papel fundamental na decisão de o governo português recorrer ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), através de indicações dadas aos bancos. No dia seguinte ao anúncio de José Sócrates, António de Sousa, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), lançou alguma luz sobre a capacidade de influência do BCE, revelando que o banco deu "instruções claras" aos bancos portugueses para diminuírem a elevada exposição à dívida do Estado e das empresas públicas. Uma afirmação que viria mais tarde a negar, garantindo não terem existido orientações.Curiosamente, e segundo noticiou o "Jornal de Negócios", os maiores bancos portugueses reuniram-se com o governo dois dias antes do pedido de ajuda, ameaçando parar de intervir nos leilões de dívida se Portugal não recorresse ao fundo. Já em conversas com o i, mais do que uma fonte ligada ao sector bancário falaram num "estado de pânico" entre os banqueiros, que temiam a concretização de uma fuga de depósitos.Esta actuação do BCE foi apenas um episódio, numa lista de factos que provam a capacidade de intervenção da instituição desde a explosão da crise da dívida da zona euro. Trichet tem agido de forma eficiente nos bastidores, tentando compensar a lentidão - ou falta de estratégia - com que os responsáveis europeus têm respondido à crise. Aliás, a pressão sobre Portugal não foi a primeira vez que o BCE fez sentir o peso da sua mão sobre um país em dificuldades.No final do ano passado, este banco central foi acusado por alguns analistas de estar a dosear a compra de obrigações em mercado secundário de forma a empurrar a Irlanda para o FEEF."Trichet emergiu nos últimos meses como uma figura absolutamente central no esforço para resolver aquilo que parece ser uma crise quase irresolúvel", explicou David Marsh, presidente da consultora SCCO International, à Reuters. "Ele entrou no centro da gestão da crise por defeito, porque não há mais ninguém interessado, com conhecimento ou força suficiente."Com quase 2 biliões de euros em activos da zona euro e uma capacidade de actuação que lhe permite fazer mexer o mercado em poucas horas, a força do BCE é enorme e Trichet vai mostrando isso mesmo desde que iniciou em Maio o programa de compra de obrigações soberanas em mercado secundário, numa tentativa de minimizar a pressão sobre os países periféricos, como Portugal. O BCE não é um órgão eleito, o que lhe confere a vantagem de não ser condicionado na sua actuação por pressões eleitoralistas como estamos a assistir na Alemanha e na Finlândia. Contudo, é preciso considerar o reverso da medalha. O BCE não pode ser responsabilizado pela sua actuação, seja ela positiva ou negativa. E, na prática, a sua actuação tem tido uma dimensão política muito forte. O BCE está a condicionar fortemente o futuro de Estados soberanos.

A DIFÍCIL SUCESSÃO
O mandato de Trichet termina em Outubro, deixando um vazio difícil de preencher. À medida que a crise foi evoluindo, o BCE deixou de estar ao serviço dos Estados passando a agir independentemente deles, com uma actuação cada vez mais política, afastando-se da matriz com que o banco central da zona euro foi criado."É mau do ponto de vista da governação europeia, porque Trichet deveria servir os governos e não ser o seu mestre", apontou Marsh, que é também autor do livro "O Euro: A política da nova moeda global." Conhecido por Sr. Euro, Trichet tem tomado em mãos a salvação da moeda única, aquela que promete ser a sua última e mais complexa missão. O italiano Mario Draghi é o nome mais provável para o substituir. A Europa já não está a procura apenas de um tecnocrata atento à inflação. É preciso alguém que esteja disposto a lidar com a dimensão política da união monetária. Tal como, bem ou mal, Trichet tem feito".

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