quarta-feira, abril 06, 2011

Empresas de transportes têm 935 milhões de euros para pagar com urgência

Segundo o Publico, num texto das jornalistas Luísa Pinto e Raquel Almeida Correia, “défices crónicos do sector resultam de uma situação "que interessava a todos", pelo menos enquanto era fácil recorrer à banca. Dívida total supera em sete vezes as receitas. São praticamente mil milhões de euros de empréstimos prestes a vencer. E as empresas públicas de transportes desdobram-se em apelos às Finanças, negociações com a banca e reuniões com os sindicatos, para estancar problemas de tesouraria que as colocam sob pressão. A questão é saber como se chegou aqui: a uma situação em que o endividamento supera, em sete vezes, as receitas do sector e apenas uma companhia tem capitais próprios positivos. Até ao terceiro trimestre de 2011, as transportadoras públicas vão ter de amortizar empréstimos de valor elevado. Já em Abril, a Metro do Porto e a Refer têm de pagar, respectivamente, 100 e 300 milhões de euros, sendo que a primeira tem outros 200 milhões para avançar ainda no primeiro semestre. A Carris segue-se em Junho (74,6 milhões) e, depois, o Metro de Lisboa, sabendo-se apenas que se trata de "um grande empréstimo", que vence no mês seguinte. E, por fim, a CP terá de pagar 260 milhões de euros, até ao terceiro trimestre. Contas feitas, e calculando apenas os valores que foram divulgados, pelas próprias empresas ou por agências de rating, há 935 milhões de euros a vencer no curto prazo. Situação que levou, aliás, a Standard & Poor"s a cortar novamente a notação de três destas transportadoras. Na semana passada, o rating da Refer, do Metro de Lisboa e da CP caiu dois níveis, aproximando-se da categoria de "lixo" e passando a ser considerado "altamente especulativo". Outro sinal de que a situação tinha chegado ao limite foi a inclusão de outras três empresas (novamente a Refer e o Metro de Lisboa e, ainda, o do Porto) no perímetro de consolidação do défice, porque, tal como já acontecia, por exemplo, com a Estradas de Portugal, as receitas próprias não chegam a 50 por cento dos custos. Bancos não financiam Desde o início do ano, as transportadoras públicas têm vindo a enviar cartas à tutela com avisos de empréstimos que vão vencer e que não conseguem renegociar. Explica-se que os bancos já não estão interessados em renovar linhas de financiamento, pede-se ao Estado a concessão de avales, na tentativa de garantir os empréstimos. Em simultâneo, sucedem-se greves contra as medidas de austeridade, as agências de rating pressionam e os prejuízos agravam-se. Deixou de haver dinheiro e chegou-se a um ponto de ruptura, como explicou, recentemente, o presidente da Carris, José Manuel Rodrigues, numa entrevista ao Sol. "[No passado], sendo uma empresa do Estado, havia sempre dinheiro para assegurar o seu funcionamento", afirmou. Os bancos apareciam a oferecer dinheiro a bom preço. E o accionista tinha dificuldades em resistir, explicou ao PÚBLICO o líder da Metro do Porto, Ricardo Fonseca. Neste momento, as oito empresas públicas de transportes, na qual também se inclui a TAP, têm uma dívida total de 17.607 milhões de euros - sete vezes mais do que as receitas globais (2654 milhões). O maior endividamento pertence à Refer (6031,4 milhões), seguindo-se o Metro de Lisboa (3627 milhões) e a CP (3399,6 milhões). "Os momentos de grandes crises são aqueles que trazem as grandes oportunidades. É chegada a hora de haver coragem política para dar uma volta séria a isto", diz Fernando Nunes da Silva, professor catedrático no Instituto Superior Técnico e especialista em transportes. A principal fonte de receitas destas empresas é a venda de bilhetes. Mas, como nota Nunes da Silva, vereador da Mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa, se o preço dos bilhetes estivesse ao nível necessário para pagar os custos de exploração, chegaríamos "à situação aberrante de o transporte colectivo ser mais caro do que andar de transporte individual". O presidente do Metro do Porto dá outra explicação. O Estado avançou com os projectos sem se preocupar em como os financiar. Um dos projectos mais recentes da empresa liderada por Ricardo Fonseca tem um montante total de investimento (2555 milhões de euros) da mesma grandeza que a dívida total da empresa (2450 milhões). Os problemas crónicos Além disso, as injecções de capital foram praticamente inexistentes e os subsídios e a canalização de fundos comunitários residuais. E o pagamento das indemnizações compensatórias, que servem para compensar as empresas pelo serviço de interesse público, a preços artificialmente baixos, não obedecia às regras conhecidas e contratualizadas. O pior caso é o da Refer, cujas receitas obtidas com a utilização da infra-estrutura cobrem apenas 26 por cento dos custos. Álvaro Costa, especialista em Transportes da Faculdade de Engenharia do Porto, diz que isto acontece "porque o principal cliente da Refer é a CP, também ela pública e também ela deficitária. O Estado, accionista das duas, vai contornando a situação, não aplica as regras como deve ser e não cumpre as regras que aplica". Nunes da Silva acrescenta que as empresas chegaram à actual situação porque se deixaram arrastar numa situação "que interessava a todos: interessava ao Estado, que só pagava quando tinha dinheiro de sobra; às empresas, que se endividavam, dizendo que era o Governo central que mandava; aos operadores privados, que também fazem serviço público, e que são apoiados não só no transporte regular de passageiros, mas acabam por ser apoiados também nos serviços excepcionais; e interessava também às autarquias, que iam dizendo que não era um problema delas, mas sim do Estado". A privatização tem sido a solução apontada, mas as opiniões divergem. Álvaro Costa considera que o Estado tem de "aceitar que a operação não tem de ser pública, mas tem de regular e fiscalizar". Já Nunes da Silva opõe-se e diz que defender a abertura a privados é "confundir o problema com a sua causa". "Não há nenhum privado que faça uma operação com prejuízo", alerta. Por isso, defende antes que haja complementaridade entre os operadores e uma gestão articulada”.

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