quinta-feira, abril 21, 2011

CINM no "Jornal de Negócios": Sérgio Vasques, secretário de estado dos assuntos fiscais: "Seria imoral alargar benefícios na Zona Franca"


"O actual Governo pôs fim às negociações com Bruxelas para alteração dos benefícios fiscais aplicados à Zona Franca da Madeira (ZFM). Sérgio Vasques, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi o rosto desta decisão. Em entrevista por escrito, explica ao Negócios que no actual momento é imoral pedir mais benefícios para a zona franca, sustentando que a despesa fiscal inscrita no Orçamento do Estado para 2011 associada à ZFM é de cerca de mil milhões de euros.
Porque não continuou o Governo com as conversações em Bruxelas para renegociar os benefícios fiscais à Zona Franca da Madeira (ZFM), quando o tinha feito até então?
As negociações foram encerradas porque entendemos que o alargamento dos benefícios fiscais da Zona Franca era incompatível com os sacrifícios exigidos aos portugueses no contexto da crise que atravessamos. Seria imoral alargar benefícios na Zona Franca ao mesmo tempo que se pedem mais impostos às famílias e às empresas. Em tempos de crise há que fazer escolhas e as nossas escolhas nesta matéria sempre foram claras.
É consensual dentro do Ministério das Finanças e do Governo o rompimento das negociações?
Sem dúvida.
Considera que a ZFM é um privilégio fiscal que não deve ser mantido?
Entre os anos 70 e os anos 90 os centros "offshore" viveram o seu período de ouro como instrumentos de desenvolvimento, com tudo o que isso teve de bom e de mau. Mas as coisas mudaram muito nos últimos tempos, sobretudo com esta crise. Por um lado, os Estados não podem continuar a perder receita com a evasão que passa pelo circuito "offshore". Por outro lado, os contribuintes já não estão dispostos a tolerar a desigualdade que estes regimes pressupõem. A censura dos paraísos fiscais no plano internacional nunca foi tão forte quanto hoje. E julgo que isso é algo que veio para ficar.
É favorável à existência dessa zona franca, ou deve acabar?
A existência da ZFM não está em causa enquanto outras existirem, mas julgamos que deve manter o regime de benefícios que tem hoje, sem qualquer alargamento. Uma empresa que crie um único posto de trabalho na ZFM beneficia de taxa de 4% de IRC até aos dois milhões de euros de lucro tributável. Esse é um privilégio a que a comum das empresas não tem acesso. Por isso importa que o regime seja gerido e aplicado com absoluta transparência, como qualquer regime de benefício fiscal.
Há transparência na ZFM?
O caminho faz-se caminhando. Se estivéssemos a arrancar agora com esta experiência talvez a rodeássemos de regras diferentes. Existe espaço para melhorias em questões como os deveres declarativos das entidades licenciadas, a fiscalização da sua actividade ou a divulgação pública de informação. Uma coisa é certa. Num contexto internacional cada vez mais adverso, só sobrevivem os centros "offshore" que forem capazes de se distinguir pela transparência. Como País temos de dar o exemplo.
O que significa o facto de a SDM não ter enviado os dados sobre empresas lá sediadas ao Governo central?
A cultura da transparência é uma coisa que se constrói com o tempo. Este ano demos início à divulgação "online" de estatísticas sobre a ZFM e revimos os modelos declarativos do IRC para reforçar o controlo sobre as entidades licenciadas. O Orçamento de 2011 obriga à divulgação pública de todas as entidades que gozem de benefícios fiscais. São passos no sentido certo e que sempre encontram alguma resistência. É claro que a administração central não pode deixar de ter conhecimento de todas as entidades instaladas na ZFM, de quantos postos de trabalho criaram ou que investimentos fizeram. Que impacto teria o fim da ZFM na economia regional e nacional? Como disse, a manutenção da ZFM não está em causa enquanto outras existam. O verdadeiro desafio que se coloca a estes territórios é outro, é o de conseguir promover o desenvolvimento com instrumentos que não sejam a mera atribuição de privilégios fiscais. E o de se conseguirem reconverter economicamente, passando a atrair investimento real. É aqui que temos de concentrar esforços nos próximos tempos, como o estão a fazer já outros centros. E se queremos estimular a economia real não faz sentido dispensar as empresas da criação de postos de trabalho, é precisamente o contrário.
A ZFM propicia esquemas de fuga ao Fisco?
Qualquer zona franca constitui uma área de risco e o mesmo pode ser dito de outros regimes de benefício fiscal. O que é crítico aqui é, num primeiro momento, que haja uma filtragem rigorosa das entidades que nela se queiram instalar, de modo a excluir "empresas de prateleira" com exclusivas finalidades de planeamento fiscal. E depois, num segundo momento, que exista uma fiscalização constante da sua actividade e que os seus resultados sejam tornados públicos. Temos a capacidade e a obrigação de dar o exemplo nesta matéria.
Há muitos casos a ser investigados ou com conclusão?
Como é público, há casos de planeamento abusivo que estão a ser discutidos junto dos nossos tribunais. Seria desejável que isso não acontecesse e por isso estamos a trabalhar no sentido do reforço dos mecanismos declarativos, de reporte e de fiscalização da ZFM
" (texto da jornalista do
Jornal de Negócios, Alexandra Camacho com a devida vénia)

Sem comentários: