Quatro meses depois dos obrigacionistas terem aprovado o adiamento do pagamento dos juros do empréstimo de 30 milhões de euros, a Sociedade Comercial Orey Antunes vai tentar evitar o colapso apelando ao perdão dos credores. A centenária sociedade de navegação e transportes prepara a adesão ao mecanismo PER - Plano Especial de Revitalização e já avisou disso alguns fornecedores que reclamam créditos vencidos. A empresa, cotada em bolsa, não comenta, mas fontes ligadas ao processo confirmam que o cenário “está em cima da mesa” e a decisão “iminente”. O passivo é de 72 milhões (30 milhões de dívida financeira) e a Caixa Geral de Depósitos (7,3 milhões) figura com o principal credor bancário.
Ano para esquecer
Este é um ano horrível para o grupo de Duarte D’Orey, dono de 77,5% do capital, através de uma sociedade com sede em Madrid. Em agosto, o Banco de Portugal, em articulação com a CMVM, retirou a licença e proibiu a Orey Financial de operar como instituição de crédito e intermediário financeiro. A saída forçada do setor financeiro foi um rude golpe na estratégia de Duarte D’ Orey que concedera, na década passada, um caráter estratégico a este negócio. Nesta frente, o grupo manteve a OreyBlue, uma corretora que funciona como angariador do banco Best, o banco que recebeu a sua carteira de clientes. No relatório de 2018, publicado apenas no fim de setembro, a sociedade reconheceu perdas de 12 milhões de euros pela liquidação da atividade financeira (3,2 milhões) e pelo desaire no Brasil (8,8 milhões) em operações de compra de ativos de duas massas falidas. Era suposto o investimento de 44 milhões de euros no Brasil ser “o negócio de uma vida” que viria salvar o grupo, mas revelou-se desastroso.
Obrigacionistas evitam incumprimento
A Orey Antunes já falhara o pagamento dos juros de emissões obrigacionistas cuja maturidade fora, há dois anos, adiada por 10 anos (para 2031), reduzindo a taxa para 1,5%. Em causa estavam 450 mil euros que a depauperada tesouraria não aguentou. A maioria dos 150 obrigacionistas (76%) aprovou o adiamento do pagamento por um ano, para 8 de julho de 2020, “sem qualquer penalização para a emitente” e sem que tal configure “um incumprimento”. A intenção é liquidar os 900 mil euros dos cupões de 2019 e 2020 em simultâneo. A emissão obrigacionista foi de caráter particular e não público (private placement). Com a entrada em cena do PER, abre-se uma nova realidade para os obrigacionistas. A sociedade tem ainda ativa uma outra emissão obrigacionista de 1,2 milhões que vence em 2020.
A pesada fatura da Orey Finantial
O recurso a este mecanismo de recuperação de empresas poderá estar relacionado com as dívidas das empresas do universo Orey à subsidiária financeira. A proposta que o Banco de Portugal enviou ao Banco Central Europeu defende que a dívida da holding e subsidiárias (5,1 milhões) seja “paga de imediato”, logo após a nomeação do administrador judicial a quem caberá liquidar a Orey Financial. Tal medida “criará uma pressão adicional sobre a tesouraria”, reconhece a administração da holding que, além disso, receia que outras iniciativas possam ser adotadas “para a realização desse ativo por parte da Orey Financial”.
Compromisso falhado
Em março, a sociedade falhara o pagamento à CGD de 5 milhões de uma conta corrente caucionada. Mas, a administração acredita que o banco público aceitará converter o crédito num financiamento a cinco anos. As condições “estão aprovadas”, mas a operação está ainda por fechar, notava a empresa no fim de setembro. Já o Novo Banco escapou ileso. A dívida que baixara de 4,2 milhões para 1,9 milhões foi liquidada com a venda do imóvel em Alcântara que servia de garantia. Na altura da assembleia de obrigacionistas, Duarte d’Orey explicou que a empresa procurava “adequar o serviço da dívida ao cash flow gerado, seja de caráter operacional ou por alienação de ativos”. “Diversificar as fontes de financiamento, alongar maturidades e reduzir o custo da dívida”, são as linhas de atuação do conselho de administração (CA). Os financiamentos alternativos a que a sociedade tem recorrido pagam taxas de 7%.
Destruição de valor
Como ficou a sociedade centenária à beira do abismo? A evolução dos investimentos exteriores aos negócios nucleares ajuda a perceber o percurso. No biénio, 2017/18, o grupo reconheceu a destruição de 45,6 milhões de euros. No início de 2017, o balanço da sociedade registava a cifra de 68,1 milhões como “justo valor” para o investimento nas associadas financeiras. Nesse ano, a destruição de valor foi de 17,2 milhões. Mas, a limpeza acentuou-se em 2018, terminando o ano, após a atualização das avaliações das empresas, com um saldo de 22,5 milhões. As maiores reduções nos dois anos verificaram-se na Orey Financial (16,3 milhões) e na Orey Investments Holding, sediada na Holanda, por via dos fundos em que participava (29,3 milhões). Além da limpeza do balanço, o CA tem “desenvolvido contactos com potenciais investidores” para uma operação que “permita adequar a estrutura de capital” à geração liquidez das empresas operacionais. No relatório de 2018, o CA reconhecia que “as negociações estão numa fase exploratória”, mas manifestava fé “num desfecho favorável”.
Angola e pressão concorrencial
No relatório semestral, a Orey Antunes registava um capital próprio positivo (1,2 milhões) depois de ter fechado o semestre com lucro de 422 mil euros. A receita, tal como em 2018, esteve em queda (3,5%), sofrendo com a desvalorização (38%) da moeda angolana e o “baixo nível de atividade” em Angola no segmento de projetos especiais, nomeadamente barragens e expansão da rede elétrica. No mercado ibérico, o desempenho foi penalizado “pela pressão concorrencial” e redução de margens. Em 2018, sofrera com os efeitos das greves nos portos portugueses. O grupo Orey fechou o exercício de 2018 com receitas de 72,7 milhões, repartidas por Portugal (37%), Angola e Moçambique (27%) e Espanha (8,5%). O resultado operacional (Ebitda) foi de 4,3 milhões. Conta com 343 assalariados (317 nas empresas operacionais).
Efeitos na cotação
Com uma carreira de 33 anos na bolsa e uma dispersão de 15%, a Orey Antunes é uma penny stock (cotação de 10,2 cêntimos no fecho desta quinta-feira) desprezada pelos investidores, com uma capitalização de 1,2 milhões. Já perdera, em 2019, dois terços do valor, mas na sessão de hoje a derrocada acentuou-se. Registou uma desvalorização de 22%. Mas, convém não valorizar demasiado estes movimentos. A liquidez é reduzida e um pequeno lote de ações (três no caso de hoje, somando 8321 ações) é suficiente para gerar grandes oscilações. A amputação do negócio financeiro forçou uma reorganização profunda no grupo familiar fundado em 1886 por Rui d’Orey. Concentra agora todas as energias na fileira dos transportes e logística (Portugal, Espanha e África), atuando no agenciamento de navios e linhas regulares, expedição, logística de armazém, transportes especiais e venda e manutenção de equipamentos para as indústrias petroquímica e de segurança naval (texto do jornalista do Expresso Abílio Ferreira)
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