O objetivo do Governo é ter zero retenções no ensino básico. As escolas que já tentam cumpri-lo garantem que é possível atingir esta meta em qualquer lado. Mas é preciso um plano, tempo e recursos. A discussão é recorrente, mas nem por isso deixa de continuar a suscitar acesos debates. Com o Governo a inscrever no programa para a legislatura a meta de acabar com os chumbos no ensino básico, o tema da avaliação dos alunos marcou o debate quinzenal no Parlamento e voltaram a ser trocadas as acusações do costume: a direita critica um suposto facilitismo e a esquerda invoca a ineficácia de chumbar um aluno. A verdade é que, já em 2010, a então ministra da Educação Isabel Alçada dizia que reprovar raramente era benéfico e que queria lançar um “debate para mudar as regras”. Desta vez não se trata de mudar despachos e diplomas e tanto primeiro-ministro como o ministro da Educação recusam a ideia de querer eliminar “administrativamente” os chumbos. O que diz o programa do Governo é que será definido um “plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelem mais dificuldades”.
À Lusa, o ministro Tiago Brandão Rodrigues admitiu, no entanto, que o “novo plano de combate ao insucesso ainda está numa fase muito inicial”. “As escolas vão poder intensificar ou ajustar métodos já existentes, mas também poderão avançar com novos projetos”, exemplificou, reconhecendo que será preciso “chamar mais professores”.
Portugal no topo
Uma coisa é certa: os modelos de avaliação são diferentes de país para país e, quanto à prática da retenção, poucos comparam com Portugal. Na OCDE, são muito poucos os que apresentam taxas superiores e, na União Europeia, Portugal é apenas superado pela Bélgica. Ao seu lado, estão Espanha e Luxemburgo, com 31% de crianças e jovens a chumbar pelo menos uma vez até aos 15 anos. Os dados foram apurados pelo PISA de 2015, a maior avaliação internacional em Educação. Os resultados de 2018, que serão divulgados em dezembro, deverão mostrar uma descida, já que a retenção tem vindo a cair de forma sustentada, ainda que continue elevada nalguns anos e em algumas regiões do país.
Há muito que no 1º ano da escola os chumbos são proibidos por lei. Mas logo a seguir começam os problemas. Em 2017/18, no ensino público, 7,4% das crianças de 7 anos ficaram retidas no 2º ano. No 5º e no 7º os números voltam a subir. No secundário, em que os exames têm um peso relevante na classificação final, atingem quase 30%. Mas o dado mais dramático é este: de acordo com o PISA 2015, 87% dos alunos que reprovam vêm de famílias de estratos sociais, económicos e culturais baixos. E Portugal está entre os países europeus onde a associação entre a falta de recursos e a retenção é mais elevada. Mais recentemente, um estudo do Ministério constatou que em todas as disciplinas do 2º ciclo, a taxa de reprovação entre os estudantes carenciados é pelo menos o dobro dos colegas que não o são.
E, afinal, o sistema de ensino português é mais exigente do que os demais? Há mais alunos com dificuldades em aprender? Se não sabem devem passar?, perguntou Rui Rio a António Costa. E se chumbarem, tendem a ficar melhor? “A discussão colocada nesses termos é desinteressante. A decisão de aprovar ou reprovar, por si só, é uma questão administrativa. É a constatação de que um determinado aluno aprendeu ou não o que era suposto. Mas não faz nada pela qualidade da aprendizagem. Reprova, repete e no ano seguinte não vai ficar melhor se não houver uma intervenção. Ou seja, chumbar um aluno sem mais nada tem tanto efeito como deixá-lo passar sem saber”, argumenta João Lopes, professor e investigador na Faculdade de Psicologia da Universidade do Minho e responsável pelo projeto de melhoria de leitura que vai agora iniciar-se em algumas escolas, lançado pela Fundação Teresa e Alexandre Soares dos Santos – Iniciativa Educação.
Não chumbar também custa dinheiro
A intervenção será feita junto de crianças do 1º e do 2º porque, para ser eficaz, qualquer plano de combate ao insucesso tem de ser acionado “cedo e de forma sistemática”. À medida que os anos passam e as dificuldades se acumulam mais difícil e, no limite, quase impossível, se torna a recuperação, considera o investigador. “No início podemos trabalhar para que todos se adaptem ao currículo. A partir de determinado ponto, são os currículos que vão ter de ser adaptados aos alunos com dificuldades. É como nos fogos florestais. O primeiro combate é essencial.” Só que para isto, avisa, é preciso dinheiro para contratar mais professores. E não deverá haver. Caso contrário, não haveria a falta de docentes e de funcionários que tem sido relatada.
Mário Silva, diretor do Agrupamento de Cristelo, em Paredes, admite que, durante muito tempo, esteve do lado dos céticos, acreditando que a não retenção podia até ser prejudicial. Hoje, três anos depois de se ter juntado ao grupo de seis escolas que integraram o projeto-piloto de inovação pedagógica — tiveram carta branca do Ministério para testar medidas pedagógicas e formas de organizar o currículo com o objetivo de chegaram a zero chumbos — a sua opinião mudou. Até porque o agrupamento, onde 85% dos alunos são carenciados, conseguiu passar de taxas de retenção de dois dígitos para zero no 1º e 2º ciclos e apenas de 5% no 9º ano. Em 2017/18, em quase mil alunos, ninguém chumbou no agrupamento de Cristelo. E isto sem baixar a “exigência e rigor da avaliação”, garante Mário Silva, um defensor, por exemplo, da existência de exames nacionais. Até como forma de garantir que as escolas que estão a trabalhar de forma diferente não se estão a desviar do que é exigido a nível nacional.
Ninguém fica para trás
Como conseguiram então? “Mudámos o chip de professores, alunos e pais, assumindo o foco na promoção do sucesso de todas as crianças. Antes, desistia-se facilmente. Os jovens com dificuldades achavam que iam chumbar e que não valia a pena esforçarem-se. Agora são acompanhados de perto. E a avaliação que é feita no final do ciclo, com decisão de passagem ou reprovação, segue padrões nacionais. Para os que acabam por reprovar é definido um contrato pedagógico com as metas que têm de atingir e os recursos alocados à sua recuperação”, descreve, insistindo na mensagem: “Não se trata de acabar com os chumbos por decreto. As escolas terão sempre de fazer um trabalho prévio e de planeamento. É possível desde que lhes deem tempo.” (Expresso, texto da jornalista Isabel Leiria)
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