Escreve
o Dinheiro Vivo que "afinal, economias
muito endividadas (mais de 90% de dívida pública) não tendem necessariamente
para a recessão. Pelo contrário, cálculos refeitos com recurso a séries longas
mostram, de forma inequívoca, que os países conseguem crescer e que a dívida
não é o entrave que se diz ser. Razão: o estudo original está mal feito, sofreu
pelo menos um erro grave no Excel, literalmente. A conclusão de
três economistas - Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, da Universidade
de Massachusetts Amherst - caiu como uma verdadeira bomba num dos porta-aviões
da teoria atual, que defende e sustenta as atuais políticas de austeridade
conduzidas um pouco por todo o mundo e, com especial entusiasmo, em países sob
ajustamento financeiro, caso de Portugal. O 'porta-aviões' em causa é o famoso
estudo "Growth
in a Time of Debt", publicado em 2010 por duas estrelas da
academia, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. Este último economista até já veio
a Portugal falar sobre o tema, a convite do Parlamento, e era tido como um dos
maiores favoritos ao Nobel da Economia no ano passado.
O artigo "Does High
Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff", dos três
investigadores de Massachusetts Amherst, desmonta de forma impiedosa os métodos
duvidosos e, consequentemente, conclusões erradas a que chegaram
Reinhart-Rogoff. De caminho põe em causa também os méritos que os levou ao
trono da ciência económica que hoje está tão em voga na Europa, Estados Unidos,
Japão e em instituições dominantes como FMI e OCDE.
“A
taxa de crescimento real média do PIB para países com um rácio de dívida
pública/PIB acima de 90% é, na realidade, 2,2% e não -0,1%” como concluem
Reinhart-Rogoff (RR), disparam Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin.
Qual
foi, então, o problema? Aparentemente, foram cometidos três erros crassos
(alguns até se podem dizer pueris) na construção do modelos, na seleção dos dados
e na utilização do Excel.
Conforme
explicou ontem Mike Konczal, no blogue Next New Deal, do Instituto
Roosevelt, aconteceram "exclusões seletivas" de
observações (RR usaram apenas 96 anos de dados para países com mais de 90% de
dívida quando na realidade dispunham de 110 anos de observações).
Os
dados utilizados foram ainda "ponderados de forma não-convencional",
o que acabou por favorecer a correlação entre mais dívida e menos crescimento.
Mas
pior de tudo, é que o estudo tem um "erro de computação" no Excel.
Basicamente, os economistas RR excluíram "acidentalmente" da análise
uma parte de uma coluna com cinco países - Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá
e Dinamarca. Um deles, a Bélgica, cresceu durante 26 a uma média de 2,6% com
dívida acima de 90%, só para citar um dos casos mais sensíveis. Mas há outros
relevantes que pura e simplesmente não entraram nas contas,
Ontem
à tarde, Reinhart-Rogoff vieram defender-se, mas fugiram
às críticas concretas, alegando que tinham medidas alternativas no estudo que
batem certo. Na resposta, RR referem que uma outra medida (o crescimento
mediano e não o médio) já é mais parecido com as conclusões de Thomas Herndon,
Michael Ash e Robert Pollin.
Argumentaram
ainda que o seu principal objetivo era comprovar a associação negativa entre
dívida e crescimento e não que o alto endividamento leva a menos crescimento.
Alegar
esta causalidade faz parte da cruzada de políticos, analistas e autoridades
desde 2010 (o ano do estudo), que aproveitaram e citaram abundantemente as conclusões
de RR para legitimar políticas que forçam a desalavancagem e o desendividamento
como forma de terraplanar as economias para depois, dizem, lançar as bases de
um crescimento mais "saudável" e "sustentado".
O
artigo da dupla RR tem cido amplamente citado (mais de 500 vezes). Olli Rehn, o
comissário europeu dos Assuntos Económicos, é um dos que ele recorreu.
Mas
parece que as suas conclusões, se não forem falsas, podem estar totalmente
inquinadas. É o que argumentam os economistas da Universidade de Massachusetts,
que acabam por dar força à corrente keynesiana em que é a falta de crescimento
que leva a mais dívida ( a maior carga de juros a pagar) e não o contrário.
Paul
Krugman, o economista estrela de Princeton e laureado Nobel da Economia, também
não perdeu tempo: "a resposta deles à nova crítica é mesmo, mesmo
má", diz no seu blog do The New York Times.
Portanto,
o debate a sério começou. Resta saber se ainda vai a tempo de reverter as
espirais recessivas e o desemprego explosivo em vários países. Portugal,
incluído".