A
Assembleia Legislativa da Madeira promove hoje um debate, requerido pelo PSD,
sobre a revisão constitucional, tendo por base um documento que os
social-democratas entregaram no parlamento regional, sob a forma regimental de
uma resolução.
É
muito importante que deste debate saia, entre outras perspectivas políticas dos
seus promotores, a necessidade de um cabal esclarecimento das pessoas – até
porque é errado pensar que os madeirenses acreditam que a resolução de todos os
seus problemas tem a ver apenas com a revisão constitucional – sobre a razão de
ser e a lógica da apresentação desta iniciativa legislativa nesta conjuntura
complicada.
Neste
momento de profunda crise social, onde o desemprego é a principal preocupação
regional, a que se junta a dependência financeira da Madeira do Ministério das
Finanças e dos arrufos, pressões, chantagens e ameaças do seu principal
titular, sem esquecer os constrangimentos decorrentes do programa de
ajustamento financeiro que nos atrofia e que vigora até 2015, admito que exista
muita dificuldade política em explicar aos cidadãos desiludidos, desmotivados,
revoltados, frustrados e temerosos por que razão, neste momento, a revisão
constitucional é matéria prioritária.
Acresce
ainda uma tremenda dúvida sobre o que nos espera no quadro do polémico plano de
cortes da despesa pública do estado e quais as repercussões efectivas que dele
resultarão, em concreto, para a Madeira, sem esquecer as ameaças que pairam
sobre os reformados, os pensionistas e os funcionários públicos de uma maneira
geral, com mais roubos nos salários, reformas e pensões, a que se junta agora a
ameaça de extensão aos servidores do estado do código laboral com o objectivo
de facilitar despedimentos que se anuncia podem ser da ordem dos 30 a 50 mil pessoas.
Uma pouca-vergonha que dificilmente deixará de fazer tremer este governo, porventura
mesmo de forma violenta, na rua e pela força da rua, o que me leva a duvidar da
estabilidade da racionalidade social e, com ela associada, a temer também pela
própria segurança dos governantes, aliás na linha dos alertas que têm sido
deixados por Mário Soares.
No
momento em que escrevo este texto desconheço o teor do projecto de resolução
social-democrata. Continuo a pensar, e isso é o essencial, que é muito importante
o discurso político no debate de hoje e a argumentação a ser utilizada para
convencer os madeirenses de que sem a revisão constitucional a Madeira corre o
risco de continuar atrofiada face ao poder central em Lisboa e a não resolver
os seus problemas por não lhe ser dada competência para isso. A questão não tem
nada a ver nem com a composição partidária dos parlamentos regionais nem com a
responsabilidade política dos governos regionais. Tem a ver tão-somente com
princípios, valores, coerência, reivindicações políticas, com uma espécie de
conflito conceptual, ideológico e político entre o estado e uma região,
obviamente sendo esta o elo mais fraco nu dirimir de forças desequilibrado e numa
discussão marcada pela incerteza e pela hostilidade.
Daí
a importância de um discurso político cuidado, coerente, esclarecedor e fundamentado,
susceptível de mobilizar as pessoas para esta causa da revisão constitucional -
que aliás poderá ter sido recolocada na agenda política depois do acórdão do
Tribunal constitucional sobre o Orçamento de Estado para 2013 – dada a conjuntura
social, económica, financeira e orçamental presente onde é mais do que evidente
que a revisão da Constituição dificilmente poderá ser considerada uma
prioridade aos olhos dos cidadãos, preocupados com outras incertezas,
preocupações e dramas.
Acresce
ainda a grave evidência de uma lei de finanças regionais, ainda na Assembleia
da República, mas que tudo indica será aprovada - suspeito eu - na sua versão
original, da autoria do governo de coligação, o que agravará a situação
financeira da Madeira a partir de Janeiro de 2014, com uma perda da ordem dos
90 milhões de euros anuais, como reconhece o documento da UTAO, através do qual
foi feita uma antevisão ao impacto desta lei nas duas regiões autónomas. Se
isso acontecer, repito, como antevejo com preocupação, pouco importa aos
madeirenses perder tempo com a dialéctica partidária ou com as idiotices
políticas em torno do tema, nomeadamente saber quem votou a favor ou contra, ou
mesmo retomar a denúncia dos coveiros da Madeira em 2007, com a imposição da
lei de finanças regionais de 2007 que roubou milhões à nossa região, os mesmos que agora tudo fizeram para
branquearem essas atitudes hostis e absolutamente criminosas para se colocarem
demagogicamente na primeira linha do combate pela defesa de uma nova lei de
finanças regionais, como se mais ninguém o tivesse feito.
Continuo
a pensar que a Madeira tem toda a liberdade e a legitimidade desta iniciativa -
aliás Passos Coelho durante a campanha eleitoral insistiu na urgência da
revisão da constituição, que rapidamente abandonou, aliás na linha do que foi a
campanha eleitoral de 2011, um tremendo oceano de mentiras, aldrabices, manipulação
e de embustes (se compararmos o que foi feito com o que foi nessa altura afirmado
e prometido...) - independentemente da mesma poder estar condenada ao fracasso
devido à inevitabilidade de ter que enfrentar os habituais obstáculos e
desconfianças que caracterizam a classe política e parlamentar continental
relativamente a tudo o que tenha origem na Madeira. E agora de forma ainda mais
substancialmente acrescida por razões que todos percebemos.
Para
que as pessoas percebam, em termos regimentais, o que se vai passar, começo por
referir que este debate de hoje ficará apenas para memória futura, para registo
no diário das sessões, já que nenhum documento será discutido ou votado hoje. O
projecto de resolução que o PSD apresentou ontem sobre este tema, e que baixou
à Comissão parlamentar competente (consta que o CDS anunciou também uma
iniciativa similar), será discutido pelos deputados e votado na comissão. Depois
de elaborada a sua redacção final – caso sejam aprovadas alterações à proposta
social-democrata - será remetida para plenário para votação final global. Após
esse procedimento, o texto será enviado ao representante da República para
publicação no Diário da República (o mesmo será feito no Jornal Oficial da
Região).
Mas
atendendo a que a iniciativa de revisão constitucional é da competência
exclusiva dos deputados da Assembleia da República - o poder de iniciativa está
vedado aos parlamentos regionais, ao contrário do que acontece com o Estatuto
Político regional que embora seja aprovado pelo parlamento nacional, o poder de
iniciativa para a sua revisão é da exclusiva competência das Assembleias
insulares - é um dado adquirido que o PSD regional, a exemplo do que fez no
passado, encarregará prontamente os deputados social-democratas madeirenses na
Assembleia da República de apresentarem uma iniciativa própria na Mesa e que
basicamente será a proposta aprovada pelo parlamento regional.
Uma nota final: a minha desconfiança tem a ver com o
"timing" escolhido porque atravessa os uma conjuntura politicamente
complexa, marcada por outras prioridades na agenda política nacional e pela
pressão, política e social que as medidas de contenção da despesa pública, e
respectivo impacto a todos os níveis da sociedade portuguesa terão como a seu
tempo constataremos. Acresce a isso o facto de não acreditar que o PS de Seguro
esteja disposto a alinhar com uma revisão constitucional nesta altura. Lembro,
finalmente, que uma anterior iniciativa do PSD regional, que seguiu todos os
procedimentos atrás referidos, acabou por ser esquecida devido a uma série de manigâncias político-parlamentares
que adiaram o processo de revisão, apesar de ser claro que a partir do momento
em que uma proposta de revisão da Constituição seja apresentada, automaticamente
o processo está aberto" (JM)