"Podemos dizer que o líder socialista, reeleito com quase 98% dos votos nas directas, é um
dirigente sem vontade própria, na medida em que vagueia em função da dimensão e
da persistência das pressões internas e externas, da responsabilidade de
sectores socialistas diferentes entre si, a que não escapa o próprio José
Sócrates - a imagem da falência do pais e do pedido de resgate financeiro
internacional e da negociação com a tróica da versão original do memorando de
entendimento, hoje retalhado e alterado depois de sete avaliações.
Pode-se dizer também que não se conhece a
Seguro nenhuma medida concreta que seja considerada uma real alternativa às políticas bandalhas que
estão a ser executadas por este desacreditado governo de coligação, já que
estamos a falar do líder do maior partido da oposição. De facto, ninguém sabe
afinal o que pensa Seguro das medidas tomadas por este governo de coligação nem
o que faria de diferente, como e em que sectores, caso o PS um dia chegasse ao
governo. Mais do que isso, não conseguimos sacar de Seguro um discurso
coerente, através do qual se afirme de forma incontestável, como o líder de uma
alternativa política e governativa que na realidade não existe aos olhos dos
portugueses.
Aliás estou convencido, absolutamente
convencido, se é por causa dessa perspectiva de inexistência de uma alternativa
consistente e consolidada, que Cavaco já não demitiu este governo de coligação,
e convocou eleições antecipadas, que na expectativa de que fossem capazes de
remobilizar os cidadãos e de lhes devolver esperança. Hoje os portugueses estão
desmotivados, desmobilizados, frustrados, com um forte sentimento de terem sido
enganados e de quererem por isso ajustar contas com quem os usou, manipulou e,
não satisfeitos, lhes mentiu descaradamente, fervendo como se costuma dizer
numa "panela de pressão" social que se um dia se rebenta - oxalá isso
não aconteça - será a classe política a primeira a perceber a dimensão dessa
fúria popular descontrolada.
Influenciado pelas sondagens ou anestesiado
pela perspectiva de uma vitória eleitoral - que será sempre por demérito deste
desprezível governo de coligação e não por mérito próprio dos socialistas ou de
Seguro - a verdade é que o reeleito secretário-geral do PS junta o facto de não
ser capaz de ir muito além de uma dimensão eleitoral que não lhe garante
qualquer maioria absoluta e que dificilmente viabiliza outra solução
governativa que não seja a de recorrer à esquerda
do PS, caso recuse entendimentos com o centro-direita ou com a direita,
nomeadamente com o CDS, parceiro privilegiado dos socialistas em coligações.
Seguro tem ainda um problema complexo
acrescido, e que resulta da uma dificuldade tremenda em veicular uma mensagem
política convincente e mobilizadora da sociedade e em estruturar ideias, que
sejam claramente alternativa à política em execução em vez
de banalidades ou teorias vagas, sem convicção. Aliás a presença de Sócrates,
agora como comentador político da pública RTP - e apesar de estar a perder
todos os sábados espectadores, na ordem dos mais de 200 mil, numa demonstração
de que os portugueses não são idiotas úteis e que não se esquecem de quem se
trata a personagem em questão e das responsabilidades que teve pela situação em
que hoje nos encontramos - veio acentuar a dificuldade de Seguro em veicular a
sua mensagem, mesmo que Sócrates seja o que vulgarmente se designa de
"animal político" enraivecido e sedento de vingança, com um poder de
comunicação incontestável, pese a amnésia, a manipulação, a mentira e as
distorções que caracterizam as suas intervenções em queda livre e longe de
garantirem as audiências que a estação pública pretendia conseguir.
Não é fácil o papel de Seguro, ainda por cima
acusado de ter estado calado durante o "socratismo" e de se ter remetido ao silêncio cómodo da última fila
dos deputados, aparentemente esquecido pela nomenclatura socialista então
dominante, sem qualquer intervenção ou alerta, apesar de perceber o que se
estava a passar e de ter a consciência absoluta das consequências criminosas
que dai resultariam, como efectivamente veio a acontecer, para o país e os
portugueses.
O que quer então Coelho - na sua psicose
doentia de uma patética visão messiânica pedante e autoconvencida da política
ou de um estatuto patético de salvador do país, nem que seja à custa da penalização dos
cidadãos, segundo ele os verdadeiros culpados por estarmos no ponto em que hoje
nos encontramos – de Seguro, num estranho coro que junta o presidente da
república, desejoso que não ter problemas complicados nesta recta final dos eu
mandato, empresários e banqueiros? Cumplicidade, se preferirem a partilha do
ónus e da responsabilidade política, da pesadíssima responsabilidade política -
que estimo venha a gerar uma hecatombe eleitoral e política do PSD e do CDS,
sobretudo do PSD, de consequências imprevisíveis -
decorrente da execução de um criminoso programa governativo assente na
austeridade pela austeridade, levianamente imposta por decreto, e que se
agravará depois das medidas do Tribunal Constitucional, conjugadas com a
exigência da tróica, anterior à decisão do TC, de corte da
despesa pública da ordem de pelo menos 4 mil milhões de euros.
Acredito que Seguro percebeu que tem pouco
espaço de manobra, ainda por cima a escassos dias de mais um congresso que não
pode constituir um momento de mera aclamação de um líder político hesitante,
vazio de ideias, que não inspira confiança nem mobiliza eleitores e que
aparentemente se limita a viver a reboque dos acontecimentos. Os militantes
socialistas, que acabaram de reeleger Seguro com cerca de 98% dos votos, são os
mesmos que reelegeram Sócrates em Abril de 2011, com quase 99% do universo
eleitoral socialista e que dois meses depois, com a derrota eleitoral em Junho
desse ano, rapidamente o responsabilizaram pelo desaire do PS e o escorraçaram.
Seguro não quer nem pode correr riscos a escassos dias do congresso.
Dificilmente Coelho poderia contar com ele para qualquer jogada política mais
ou menos mediática e apesar de saber isso o primeiro-ministro aceitou o papel
ridículo que a propaganda governamental eventualmente lhe recomendou e
alimentou - ninguém sabe se por exigência ou pressão da tróica - a que não
faltou a divulgação da carta endereçada ao líder socialista para um encontro
cinco meses depois do último. Obviamente que Seguro e o PS perceberam que
subjacente a esta encenação mediática estava uma mera intenção propagandística,
já que as medidas de austeridade, sobre as quais Coelho pretendeu ouvir Seguro,
estavam tomadas, muitas delas há muito tomadas, o que reforça ainda mais a
dimensão deste embuste e a descarada hipocrisia que esteve presente na
preparação desse encontro.
Finalmente, parece-me óbvio que depois de ter
pedido eleições antecipadas e de ter avançado com uma moção de censura, Seguro
tema que uma acentuada cedência ao governo, por exemplo colocando o PS numa
situação de cumplicidade efectiva com as medidas de austeridade que serão
anunciadas e de dependência face ao governo e à actual maioria parlamentar, o epicentro da
oposição mude de protagonistas o que colocaria problemas políticos adicionais e
complexos aos socialistas.
Decididamente as coisas não estão fáceis" (JM)