Segundo
o jornalista do Jornal I, Filipe Paiva Cardoso, “volvidos quase dois anos desde
que foi desenhado o programa de ajustamento da troika para Portugal, olhar para
as previsões então feitas para as contas públicas parece uma visita a um mundo
delirante. O desemprego não passaria do pico de 13,5%, a dívida pública ia
ficar controlada abaixo dos 114,9% e o défice deste ano seria já de 3%, em
linha com as regras europeias e sobretudo com o grande objectivo de regressar
em força aos mercados ao longo de 2013. Mas é hora de voltar à realidade. O
governo ameaçou com a demissão e Vítor Gaspar congelou o funcionamento do
Estado: culpa do Tribunal Constitucional e da sua recusa em aceitar os artigos
inconstitucionais do Orçamento do Estado para este ano. Foram cerca de 1200
milhões de euros que ficaram em xeque com a decisão do TC. Falamos de 0,7% do
PIB previsto para este ano - que considerando a contracção de 2,3% deverá
situar-se nos 161,6 mil milhões de euros - valor que, a julgar pela reacção do
governo e da troika, põe em causa todo o programa português. Contudo, fazendo
as contas às sucessivas derrapagens nas previsões para o défice público desde o
lançamento do ajustamento, nota-se que o chumbo do Constitucional representa
qualquer coisa como 18% das derrapagens totais dos orçamentos de Vítor Gaspar.
Somando os défices previstos - em valor - pela troika quando chegou a Portugal
para 2011, 2012, 2013 e 2014, chegamos a um valor acumulado de 27,19 mil
milhões de euros. Mas, e segundo as últimas previsões, o défice acumulado no
período do programa de ajustamento deverá atingir pelo menos 33,7 mil milhões,
mais 6,5 mil milhões que o previsto. Esta diferença de 6,5 mil milhões, porém, é
atenuada pelas várias receitas extraordinárias que o governo foi encontrado
para compensar as previsões que foi fazendo. Nas contas do i,
considerámos que Portugal em 2011 registou um défice de 7,5 mil milhões de
euros, que foi o valor efectivamente reportado pelo INE. Mas 2011 foi quando
Passos Coelho decidiu “ir além da troika”, forçando um défice de 4% com
receitas extraordinárias, isto quando Bruxelas e o FMI exigiam 5,9% - 10 mil
milhões de euros. Caso não considerássemos estas receitas extraordinárias, a
derrapagem acumulada no défice neste período poderia saltar para mais de 12 mil
milhões, diluindo o peso da decisão do TC para 10% das derrapagens totais. Ao
ano do “brilharete” de ir além da troika, seguiu-se a realidade. Os ganhos
conquistados em 2011 - cerca de menos 2,5 mil milhões de euros de défice do que
o previsto pela troika - foi quase totalmente desperdiçado no ano passado, com
Gaspar a fechar as contas do ano com um prejuízo para o Estado de 10,6 mil
milhões de euros, contra os 7,6 mil milhões pedidos pela troika, devendo este
ano engrossar ainda mais o buraco: o défice previsto este ano é de 8,9 mil
milhões de euros quando segundo o programa de ajustamento não deveria
ultrapassar os 5,23 mil milhões de euros. Para o ano, o cenário é idêntico: Na
versão inicial do programa Portugal deveria terminar com um défice de 2,3% mas
a troika já aceitou que esse valor fique nos 4%. Considerando o valor do PIB
com que Portugal deverá chegar ao final deste ano, 161,6 mil milhões de euros,
podemos calcular que durante a vigência do programa (2011-2014) Portugal devia
acumular um défice máximo equivalente a 16,8% do PIB. As últimas previsões,
contudo, apontam já para um défice total de 20,8% no período - um valor já
muito ajudado com receitas extraordinárias.
Dívida,
desemprego e recessão
Com
as derrapagens nas previsões, naturalmente que além do défice também os
cálculos da trajectória da dívida ou da recessão que a economia ia acumular no
período ficou longe do antecipado. Bruxelas e o FMI calculavam que a economia
portuguesa entre 2011 e 2014 iria acumular uma contracção do PIB de 0,3% -
défice de 2,2% e 1,8% em 2011 e 2012, seguido de crescimento de 1,2% e 2,5% em
2013 e 2014 -, valor que agora saltou para uma contracção total de 6,6% entre
2011 e 2014. É neste indicador que reside também a explicação para as previsões
feitas sobre o desemprego: uma contracção acumulada de 0,3% nestes anos
resultaria, no entender do governo e da troika, numa taxa de desemprego máxima
de 13,5%, que começava em queda acentuada já em 2014, ano em que deveria chegar
aos 12,5%. Actualmente a taxa de desemprego vai nos 17,5% e ainda em tendência
ascendente. Quanto à dívida pública, e não bastassem os défices maiores que o
previsto nas contas, também sofre neste exercício de um outro factor: a maior
contracção do PIB que o projectado. A troika previu que a dívida portuguesa não
passaria do pico de 114,9% do PIB, que seria atingido este ano - que
representava então perto de 200,8 mil milhões de euros, já que o PIB português
naquelas contas seria hoje de 174,8 mil milhões. Este valor compara com a
previsão actual de uma dívida de 204,5 mil milhões de euros com que Portugal
deve fechar as contas de 2013, valor que dada a contracção maior que o esperado
corresponde todavia a uma dívida de 123,6% do PIB“