Li no Expresso, num texto do
jornalista J. Silvestre, que "o fantasma de um segundo programa da
troika pairou esta semana. Mas, até ver, nada de substancial mudou com a
decisão do Tribunal Constitucional. Logo no dia em que foi assinado o memorando de entendimento
surgiram de imediato dúvidas sobre a capacidade de Portugal regressar à ‘normalidade’
emjunho de 2014 quando o programa terminar. Nessa altura, Portugal terá uma
dívida superior, uma notação de risco (rating) mais baixo do que no
início da crise e estará a sair de uma penosa recessão. Um cenário nada
animador. Não foi por acaso que as maturidades dos empréstimos europeus já
foram estendidas e deverão sê-lo novamente. Aliás, o documento que a troika apresentou esta semana ao Eurogrupo, refere precisamente o risco
de financiamento do Estado português depois do final do programa. Será que
dentro de pouco mais de um ano os investidores estarão disponíveis para
emprestar dinheiro a taxas de juro razoáveis? É a grande questão que paira há
dois anos e que, na prática, pouco ou nada se alterou com a decisão do Tribunal
Constitucional. Apenas perturbou ligeiramente os juros da dívida pública
nacional mas, mesmo assim, sem um efeito exagerado.
Em 2014, o Estado português precisa de se financiar em 36,7 mil
milhões de euros para cobrir o défice e amortizar dívida, dos quais apenas 8,1
mil milhões de euros estão cobertos pelo FMI e União Europeia. O resto terá de
vir de novas emissões. Por isso, o regresso aos mercados é a linha que separa
Portugal de um segundo resgate. Se o Estado conseguir financiar- se normalmente
até lá, não há qualquer problema. Mas se não conseguir terá de ter ajuda, mesmo
que seja uma espécie de resgate light. Ou seja, emissões de
dívida no mercado com apoio do Banco Central Europeu (e o seu programa de
compra de dívida OMT) e também de uma eventual linha de precaução do fundo
europeu de resgate (ESM). Este cenário foi defendido recentemente pelo
governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. Não se trata de um
programa idêntico ao atual mas representa um suporte ao financiamento do Estado
português que, apesar de tudo, já deverá estar no mercado ainda que com
‘braçadeiras’. O que não quer dizer que não haja austeridade, mas isso, com o
novo pacto orçamental, vai continuar por muitos anos com ou sem segundo
resgate.
Como travar a fundo sem
patinar?
Vítor Gaspar conseguia cumprir
a nova meta de défice definida com a troika sem
o chumbo do Tribunal Constitucional? Ninguém pode responder. O que se sabe é que agora vai ser ainda
mais difícil. A tudo o que já tinha que pedalar para chegar aos 5,5%
pretendidos no final do ano, oministro tem que juntar agora 1326 milhões de
euros das quatro medidas declaradas inconstitucionais. É este o efeito
orçamental líquido do acórdão, segundo cálculos do Ministério das Finanças. Se
nada for feito e tudo o resto se mantiver igual, significa que o défice ficará
em 6,3%, oito décimas acima do objetivo. Isto já com medidas adicionais
acordadas durante a sétima avaliação no valor de 500 milhões de euros. Quem
achava que a sétima avaliação foi amais longa até ao momento estava a fazer as
contas por baixo. Neste momento, o cronómetro ainda não parou e a troika vai regressar a Lisboa na próxima semana. Fonte oficial das
Finanças não adiantou ao Expresso se virão já os chefes de missão ou se, num
primeiro momento, os trabalhos serão deixados às equipas técnicas.
Sétima avaliação
A conclusão definitiva desta avaliação, para efeitos de
libertação da nova tranche num total de 2000 milhões de euros, estava já
dependente da apresentação do Documento de Estratégia Orçamental com a
definição dos cortes de 4000 milhões de euros na despesa até 2015. Agora, o
processo ficou ainda mais pendurado porque é necessário, no imediato, encontrar
novas medidas. O rol de possibilidades é externo e vai desde aumentos da idade de
reforma, a saídas em massa na Função Pública ou a cortes nas prestações
sociais. As linhas gerais terão sido comunicadas por Vítor Gaspar aos seus
colegas europeus na reunião do Eurogrupo em Dublin. As áreas visadas são
Educação, Saúde, Administração Pública, Segurança Social e empresas empresas públicas.
Mais ou menos as mesmas áreas (com a exceção das empresas) analisadas pelo relatório
do FMI sobre despesa pública divulgado em janeiro, A dura reação de Passos
Coelho ao acórdão, na declaração ao país que fez no domingo passado, teve eco
financeiro no despacho de Gaspar de segunda-feira em que praticamente congela todas
as novas despesas até decisão em contrário. Uma decisão polémica e fortemente
criticada em vários quadrantes — dentro e fora do sector público — que obrigou
até a um esclarecimento no dia seguinte pela direção- -geral do Orçamento, numa
espécie de guia para os serviços do Estado. O despacho congela toda a nova despesa
com três exceções:
- salários, custas judiciais e contratos em curso cujo montante a pagar
não pudesse ser determinado no momento em que foi celebrado.
À primeira vista, a decisão parecia quase o parar da rotação da
Terra (recorrendo à imagem de João Duque no caderno de Economia desta semana) só
que, na prática, os efeitos não são assim tão drásticos. Desde logo, os hospitais-empresas estão fora do perímetro orçamental
e, por isso, não são abrangidos pelo despacho. Mesmo para os hospitais que se
mantêm dentro do sector público administrativo o despacho apenas congela novas
despesas e não contratos que estão em curso. Noutras áreas, como a segurança social
ou as regiões e autarquias, que estão enquadradas por legislação específica, a
despesa continua a ser feita. Gaspar
agarrado ao Excel Claro que ficarão
sempre despesas por realizar ou novos contratos por celebrar enquanto não forem
fixados os novos tetos de despesa. E há serviços que podem ficar parados
enquanto o Governo refaz as contas. Para o economista Ricardo Cabral, da Universidade da Madeira, o
ideal seria aproveitar esta decisão para não avançar com mais medidas de
consolidação nas áreas pretendidas por terem sido já bastante castigadas. “A declaração
de inconstitucionalidade de várias normas pelo Tribunal Constitucional é, em
si, um fator benéfico para a economia”, sublinha, avisando que “cortes de
despesa e aumentos de impostos no contexto atual agravam a espiral recessiva”.
Cabral defende, por isso, uma renegociação das metas com a troika e, para o futuro, uma melhoria no processo de tomada de decisões
para, entre outras coisas, conhecer o seu real valor. Já António Afonso considera “surpreendente que a política
orçamental esteja a ser decidida, de um ponto de vista estrutural, como
resposta a factos que surgem de forma ad-hoc, e não no contexto de
um processo pensado com tempo e detalhe”. Para o professor do ISEG, não ter em consideração
que o Tribunal Constitucional tem uma palavra a dizer “pode provocar situações menos
fluidas, como a que agora se vive”.