Uma investigação do Expresso com o consórcio ICIJ revela como o português Hugo Góis teve um papel central na lavagem de dinheiro para o antigo vice-ministro da Energia Nervis Villalobos, um dos implicados no desvio de centenas de milhões de euros da empresa estatal Petróleos da Venezuela. Mas não só. Num jogo de luz e sombra, Góis canalizou também 18 milhões de euros de Villalobos para Martin Rodil, um misterioso consultor israelo-venezuelano que se tornou um herói nos EUA no combate aos criminosos do regime de Chávez
Nos velhos filmes de polícias e ladrões do século XX, o mundo não podia ser mais maniqueísta. Os bons e os maus estavam em campos opostos e, em regra, encontravam-se para um duelo decisivo apenas no fim: os vilões eram mortos ou iam para a cadeia; os heróis ficavam com a donzela. A globalização e a indústria offshore vieram acabar com esses contos de fada. No século XXI, nos crimes de colarinho branco onde se rouba dinheiro a sério, os bons não conseguem apanhar os maus porque os maus usam testas de ferro e paraísos fiscais em sítios improváveis para esconder o que fizeram. Correção: não conseguiam apanhar. Alguns consultores especializados em navegar num mundo onde nada é a preto e branco, e onde os heróis parecem ter direito a um lado mau, vieram dar uma ajuda. Esta é uma dessas histórias.
Documentos obtidos pelo Expresso - e partilhados com o ICIJ, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, e com parceiros de ‘media’ em Espanha, nos Estados Unidos, na Venezuela e em Israel -, revelam como um consultor israelo-venezuelano de nome Martin Rodil recebeu de forma secreta 18 milhões de euros de dinheiro roubado ao estado venezuelano, enquanto trabalhava ao serviço das autoridades americanas para levar à justiça dos EUA alguns dos mais notórios corruptos do regime de Hugo Chávez.
Esses €18 milhões foram pagos a Martin Rodil e a entidades a ele ligadas por Nervis Villalobos, antigo vice-ministro da Energia de Chávez e um dos responsáveis políticos da maior empresa estatal do país: a Petróleos da Venezuela, SA (PDVSA). Os ficheiros mostram como o dinheiro passou por um circuito complexo de companhias offshore e contas bancárias montado com a ajuda de um intermediário financeiro português residente no Porto, Hugo Góis.
Além de trabalhar como consultor para o Departamento de Justiça e para a agência de combate à droga dos Estados Unidos, a DEA, Rodil começou a relacionar-se com os serviços secretos israelitas há mais de uma década.
Os documentos mostram ainda que Góis ajudou a lavar quase dez milhões de euros pagos por Nervis Villalobos a um colaborador de Martin Rodil, um israelita de nome Ran Benhamu que emigrou para a Venezuela depois de ter estudado economia em Tel Aviv. Existem também informações sobre dinheiro com origem em outras figuras do regime de Hugo Chávez, mas em que o circuito financeiro é menos claro.
FICAR RICO EM DOIS ANOS
Os pagamentos aconteceram entre março de 2015 e junho de 2017 e incluíram a compra de um apartamento para Rodil, em Amesterdão, em dezembro de 2016 por mais de 800 mil euros. Góis usou empresas suas — a Uldono Ltd, incorporada no Chipre, e a Leanor Invest LP, registada na Irlanda do Norte — para receber dinheiro de uma série de companhias offshore controladas por Villalobos. Depois, a partir da Uldono e da Leanor Invest, fez dezenas de transferências para empresas ligadas a Rodil no Reino Unido, na Holanda, nos Estados Unidos e em Israel.
A maior fatia desse bolo, 6,8 milhões de euros, foi recebida por Rodil através da Glenfield Corporation, uma empresa-fantasma com sede na Escócia. Esse montante foi pago ao longo de 11 transferências, feitas entre janeiro e junho de 2016. A Glenfield é formalmente detida por duas outras companhias incorporadas no Belize, mas desde junho de 2015 que Rodil tem uma procuração com poderes totais sobre contas e movimentos de dinheiro.
Há vários anos que Nervis Villalobos, o homem responsável por estes pagamentos tão generosos, é investigado em diversos países. Entre eles, está Portugal, onde é um dos suspeitos num processo-crime que o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) tem em curso sobre subornos pagos pelo Grupo Espírito Santo na Venezuela durante os governos de Hugo Chávez e também já na era de Nicolás Maduro. Nos Estados Unidos, Villalobos foi acusado em 2018 de lavar dinheiro com origem em atos corruptos associados à Petróleos da Venezuela, SA.
Em Espanha, Hugo Góis tem estado a colaborar com o Ministério Público desde 2018 e entregou vários documentos que incriminam Rodil, Benhamu e outros indivíduos. Entre eles, constam o suíço Ralph Steinmann, o argentino Luís Fernando Vuttef e o venezuelano José Amparan. Estes três gestores estão ligados a uma empresa de serviços financeiros suíça, a Swissinvest. Na realidade, Villalobos e outros corruptos venezuelanos eram clientes da Swissinvest, que então subcontratou Góis para lhes lavar dinheiro.
Num inquérito-crime sobre um alegado esquema de extorsão associado a estes pagamentos, os procuradores espanhóis procuram entender, com base nas informações prestadas pelo intermediário português, se é verdade o que alguns políticos e funcionários venezuelanos denunciaram, entretanto, sobre exigências de dinheiro feitas por Martin Rodil e por alguns colaboradores seus em Espanha.
Entre os colaboradores de Rodil está Alberto Galan, mais conhecido por Avi, um ex-militar israelita residente em Madrid, com ligações aos serviços de inteligência de Tel Aviv, e que é alegadamente o cabecilha em Espanha da rede de extorsão.
Supostamente, Rodil, Benhamu e Avi cobravam comissões avultadas a troco de proteção e de um tratamento especial por parte das autoridades espanholas e americanas, com quem diziam ter relações privilegiadas. Cópias dos autos do inquérito-crime, partilhadas com o ICIJ pelo jornal online espanhol Moncoa, mostram, contudo, valores de pagamento mais modestos do que os que aparecem nos documentos obtidos pelo Expresso.
Num contexto em que os alegados extorquidos venezuelanos se encontravam a viver no país vizinho, a alegada rede incluía um inspetor-chefe da polícia nacional espanhola, que se encontra também sob investigação.
Para já, os procuradores em Madrid acreditam que Rodil recebeu pelo menos seis milhões de euros entre 2016 de 2017 com origem em Villalobos e por intermédio de Hugo Góis. Esse é o montante que, de resto, aparece referenciado numa proposta de mandado de detenção internacional contra Rodil enviada pelo Ministério Público para um tribunal de instrução em Madrid há menos de dois meses, a 27 de outubro.
Rodil é descrito na proposta de mandado de detenção como o protagonista do esquema de extorsão, “um lobista de origem venezuelana, presumivelmente baseado nos Estados Unidos, que trabalha como analista de segurança.”
Em causa no inquérito-crime, batizado com o nome “Operação Caranjuez”, estão crimes de associação criminosa, extorsão, tráfico de influência, branqueamento de capitais e negociações proibidas a funcionários públicos (o equivalente em Portugal ao crime de participação económica em negócio), segundo se pode ler no despacho judicial.
ACUSADO NOS EUA, INVESTIGADO EM ESPANHA E PORTUGAL
Embora Hugo Góis surja apenas como testemunha no caso, ao ter-se oferecido para colaborar com a justiça, o português é ele próprio um dos investigados num outro inquérito-crime em Espanha, de dimensões muito maiores. As suspeitas nesse processo têm a ver exatamente com os seus serviços de lavagem de dinheiro para Nervis Villalobos, em circunstâncias em que o antigo membro do governo de Hugo Chávez é encarado pelo Ministério Público como mais um vilão de colarinho branco.
Nos Estados Unidos, Góis já foi acusado por branqueamento de capitais dentro do mesmo contexto: por ajudar venezuelanos corruptos a canalizarem dinheiro através de transferências que escaparam aos radares dos bancos.
A acusação norte-americana, que pode dar até 20 anos de cadeia, foi divulgada em julho de 2018 e é parte de uma megaoperação montada para perseguir criminalmente os responsáveis pelo desvio de mais de mil milhões de euros da PDVSA, incluindo Villalobos, um dos responsáveis políticos da petrolífera estatal venezuelana. O assunto não mereceu muita atenção mediática em Portugal, onde foi referido apenas pelo Diário de Notícias.
Góis foi um de oito nomes acusados no mesmo dia pelo Departamento de Justiça, num tribunal da Florida. Os procuradores norte-americanos identificaram-no como um “lavador de dinheiro profissional português”, associado ao venezuelano José Amparan.
Nessa altura, foram detidos dois dos acusados. Um deles, o alemão Matthias Krull, acabou condenado dois meses depois a uma sentença de 10 anos de prisão, numa demonstração de rapidez e força das autoridades americanas. Krull, um gestor de fortunas do banco suíço Julius Baer, tornou-se uma testemunha-chave noutros casos relacionados com a Venezuela e foi libertado no mês passado.
Batizada de Money Flight (“Voo do dinheiro”), a operação em que Góis está acusado nos Estados Unidos foi iniciada em 2016 e é conduzida pela Organized Crime Drug Enforcement Task Force (OCDEF), um gabinete que coordena o trabalho conjunto de várias agências e departamentos norte-americanos, incluindo o FBI, a agência de combate à droga DEA, o Departamento de Justiça e o Departamento de Estado.
Apesar das várias tentativas do Expresso nas últimas semanas para entrevistar Hugo Góis, através dos seus vários emails e números de telemóvel, o português manteve-se em silêncio, optando por não responder a uma lista de perguntas que acabou por ser-lhe enviada.
O intermediário português, atualmente com 43 anos, conseguiu para já evitar ser detido. Em Portugal, um país que não extradita cidadãos nacionais para os Estados Unidos, é alvo de um inquérito-crime do DCIAP, mas até agora não foi acusado. A investigação portuguesa foi aberta na sequência dos casos criminais em Espanha e nos Estados Unidos.
A única empresa de que Góis é dono oficialmente em Portugal, a Ethnicproposal, Lda, apresenta números muito modestos. Criada em 2018, com cinco mil euros de capital social, a companhia presta supostamente serviços de consultoria económica e financeira. Em 2021, declarou uma faturação de 28 mil euros e um passivo de 177 mil euros.
Também Rodil, Benhamu e outros implicados na intriga da Operação Caranjuez escolheram não responder a qualquer tentativa de contacto do ICIJ. Já Albert Galan, ou Avi, assegurou que nunca extorquiu ou ameaçou ninguém. “Não tive nada a ver com os pagamentos recebidos por Rodil que estão descritos no processo”, diz o ex-militar israelita.
UM OPORTUNISTA OU UM ARAUTO DA JUSTIÇA?
Roger Noriega, um antigo secretário de Estado Adjunto do governo George W. Bush que trabalhou com Martin Rodil, considera-o um verdadeiro cruzado anti-corrupção. Noriega acredita que os pagamentos que recebeu “foram feitos no contexto de quando Martin estava a cooperar em atividades cuidadosamente monitorizadas” e supervisionadas pelas autoridades dos EUA. A acusação espanhola, garante o antigo secretário de Estado Adjunto, tem por base “uma história contada por criminosos com a ajuda dos seus advogados”.
Rodil tem sido um dos motores da perseguição das autoridades norte-americanas aos corruptos da PDVSA. Não só tem colaborado com procuradores como com agentes da DEA. Ao longo dos anos, a reputação que criou levou a ser considerado pelos ‘media’ como um especialista em corrupção na Venezuela, tendo chegado a ser citado pelo ICIJ na investigação dos FinCEN Files em 2020.
Como consultor, o seu papel duplo pode levantar questões sobre um aparente conflito de interesses. Por um lado, vende os seus serviços a venezuelanos ricos que querem mudar-se para os Estados Unidos e estão dispostos a colaborar com as autoridades norte-americanas, contando o que sabem sobre esquemas corruptos ou sobre negócios de droga. Por outro, é pago pelas autoridades para ajudar a resolver esses casos.
Mas até que ponto esses serviços que oferece a peso de ouro à elite do regime de Hugo Chávez serão ou não extorsão? Nos autos da “Operação Caranjuez” não há provas de que tenha feito ameaças diretas ou que tenha coagido as alegadas vítimas a pagarem-lhe somas avultadas.
Um antigo vice-ministro do Desenvolvimento Elétrico no governo de Chávez, Javier Alvarado, acusado nos EUA por pagamentos corruptos ligados à PDVSA, admite ao ICIJ que Rodil “é um extorsionário ótimo e subtil”. E explica porquê: “Ele provoca-nos a doença, para termos a necessidade de sermos curados”.
Listado como uma das vítimas do consultor na “Operação Caranjuez”, Alvarado conta que Rodil ofereceu-lhe os seus serviços depois de falar-lhe das suas relações privilegiadas com a DEA e com procuradores americanos: “Eles estão a investigá-lo nos Estados Unidos. Deixe-me ajudá-lo.”
De acordo com Alvarado, o israelo-venezuelano exigiu-lhe 2 milhões de dólares, sendo que o antigo vice-ministro pagou um pouco mais de metade disso, 1,2 milhões de dólares, em 2015. Quatro anos mais tarde, em 2019, Alvarado foi acusado de branqueamento de capitais nos Estados Unidos, sendo que atualmente vive em Espanha, tal como Villalobos, onde os tribunais têm recusado os pedidos de extradição americanos.
Outra alegada vítima de extorsão, Carlos Aguilera, um antigo secretário pessoal de Hugo Chávez e chefe dos serviços secretos da Venezuela, também se queixou às autoridades espanholas do modus operandi do consultor israelo-venezuelano: “O esquema passava por criarem problemas e depois oferecerem-se para os resolver, cobrando uma comissão por isso”.
Aguilera relatou aos procuradores que participou em duas reuniões em 2015 com elementos da alegada rede na Ilha de São Martinho e na República Dominicana. Segundo ele, no primeiro encontro estavam Rodil e Benhamu; na segunda reunião, apareceram Avi e, supostamente, dois agentes da DEA. Ao todo, o antigo secretário pessoal de Chávez diz ter pago mais de 600 mil euros.
Estes relatos são, no entanto, desconsiderados por fontes ligadas à justiça norte-americana. “Os traficantes de droga e os corruptos têm uma longa história de fuga para Espanha para evitar a extradição para os EUA”, lamenta Paul Pelletier, um antigo procurador federal com uma larga experiência em casos de corrupção.
Embora a DEA não tenha respondido a um pedido de esclarecimento por parte do ICIJ, Robert Zachariasiewicz, um antigo supervisor da Divisão de Operações Especiais (SOD) da agência de combate ao narcotráfico, entregou um depoimento escrito às autoridades espanholas em outubro em que elogia Rodil.
A SOD tem estado envolvida não apenas em perseguir esquemas de tráfico de droga, mas também em investigar casos de corrupção política. “Através do meu trabalho como agente da DEA, interagi profissionalmente com o Sr. Martin Rodil e conheço-o há mais de 10 anos”, admite Zachariasiewicz. “Devido a restrições éticas, profissionais e de segurança, não me é permitido discutir a grande maioria do meu trabalho. Estou, no entanto, profundamente consciente dos esforços que o senhor Rodil desenvolveu para combater a corrupção venezuelana.”
UM EMPURRÃO DE ISRAEL
No único longo artigo de imprensa publicado nos Estados Unidos sobre Martin Rodil, na Bloomberg, em dezembro de 2016, o consultor surgia como um antigo analista no Fundo Monetário Internacional em Washington, para onde se mudara em 2000, após ter estagiado na PDVSA na Venezuela. Segundo esse artigo, Rodil conheceu em 2003 um consultor de segurança israelita, Tal Hanan, e a sua relação com Israel terá começado aí.
Não existem provas claras de que Rodil trabalhe diretamente para os serviços secretos israelitas, mas há indícios de uma relação próxima entre o consultor israelo-venezuelano e alguns dos seus colaboradores com a comunidade da inteligência em Telavive. O jornal online israelita “Shomrim”, que fez parte da investigação coordenada pelo ICIJ, apurou, por exemplo, que a unidade de guerra económica da Mossad, a Zelzal, recebeu informações dele ao longo dos anos.
O estreitamento de laços em 2006 entre a Venezuela e o Irão, um país considerado hostil e prioritário por Israel, levou Tal Hanan a desafiar Rodil a trabalhar para os seus clientes na investigação de esquemas de branqueamento de capitais relacionados com a Venezuela. Rodil conhecia alguém dentro da PDVSA com conhecimentos privilegiados sobre um programa em que foram contratadas empresas iranianas para construir casas na Venezuela. A sua carreira de consultor teve então início.
Segundo a Bloomberg, no ano seguinte, em 2007, ele foi apresentado a Yosef Kuperwasser, um general israelita reformado que trabalhara nos serviços secretos. Kuperwasser organizou uma reunião na sede dos serviços de inteligência em Telavive, onde Rodil foi então incentivado a entregar informação comprometedora sobre políticos e funcionários venezuelanos às autoridades dos Estados Unidos.
Nos autos da Operação Caranjuez partilhados com o ICIJ há outros detalhes interessantes. Numa das vezes em que foi questionado pelas autoridades espanholas, a 5 de novembro de 2019, Albert Galan, ou Avi, o ex-militar israelita e alegado cabecilha da rede de extorsão em Espanha, contou que alguns pagamentos relacionados com os serviços que prestava eram controlados por um antigo diretor do departamento de inteligência da Mossad, Haim Tomer. Duas semanas depois, no entanto, quando voltou a ser questionado, Avi corrigiu as suas declarações anteriores, afirmando que ele era o único responsável por tudo.
Quando confrontado pelo Expresso, Haim Tomer disse não estar interessado em falar. Após se ter reformado em 2014 da Mossad, onde esteve 29 anos, Tomer passou a trabalhar como consultor de ciberinteligência. Ele não é um suspeito no caso espanhol. Mas a referência ao seu nome durante um dos interrogatórios em Madrid reforça as dúvidas levantadas durante a investigação do Expresso com o ICIJ sobre os destinatários finais de algumas das transferências feitas por Hugo Góis, quer em nome de Martin Rodil, quer em nome de Ran Benhamu.
Entre essas transferências consta um milhão de dólares pagos em 2016 a uma empresa israelita de software e cibersegurança, a CyGov, em nome de Rodil. A empresa fechou, entretanto. Quando questionado, Yair Solow, o seu CEO, disse ao jornal “Shomrim” que há assuntos sobre o qual não pode falar. “Posso dizer que o senhor Rodil nunca foi contratado pela CyGov e não ocupou nenhum cargo na empresa em nenhuma fase.”
O facto de Rodil ter recebido a cidadania israelita em 2016 é um dos aspetos considerados estranhos por fontes consultadas pelo “Shomrim” em Telavive. Um antigo alto funcionário dos serviços de segurança explicou que a Mossad não tem o hábito de conceder nacionalidade aos estrangeiros que ajudam a agência. A atribuição de cidadania ao consultor israelo-venezuelano é, segundo essa fonte, “um acontecimento invulgar, independentemente das circunstâncias”.
Em 2007, um ano depois de o então presidente iraniano Mahmud Ahmadineyad e Hugo Chávez estabelecerem uma aliança estratégica entre os dois países, a DEA deu início a uma operação a que chamou Projeto Cassandra. O objetivo era combater as atividades do Hezbollah, um grupo com origem no Líbano e fortes relações com o Irão, classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos.
As atividades sob investigação incluíam não só o narcotráfico, mas negócios de armas e branqueamento de capitais em vários cantos do mundo, incluindo na América Latina, onde o regime da Venezuela pontuava como um dos principais suspeitos, a par da Síria e da Rússia, de alinhar nas conspirações daquele grupo. A operação foi interrompida pela administração de Barack Obama em 2015, para não pôr em risco o acordo nuclear assinado entre os Estados Unidos e o Irão.
Segundo um artigo publicado em 2017 pelo Politico, o Projeto Cassandra teve origem num conjunto de investigações lançadas a seguir aos ataques terroristas do 11 de Setembro. Entre elas, contava-se a “Operação Perseus” que, segundo o que contou David Asher, um analista financeiro do Departamento de Defesa, à comissão dos assuntos externos do congresso norte-americano, em junho 2017, tinha como alvo o Cartel de los Soles, ligado a oficiais de topo nas forças armadas da Venezuela, e as parcerias do regime de Chávez com o Hezbollah, o Irão e a Síria.
Foi neste contexto que Rodil começou a colaborar com a DEA, numa coincidência perfeita com os interesses de Israel. Para este consultor, havendo a cobertura de agências e serviços tão poderosos, parecia ter chegado a oportunidade certa de compatibilizar duas coisas que normalmente são pouco compatíveis. Fazer justiça e prosperar. Esta investigação foi coordenada pelo ICIJ e teve o contributo de Marcos García Rey, Spencer Woodman, Gerardo Reyes e Uri Blau (Expresso, texto do jornalista Michael Pereira)
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