Os portugueses resistem a voltar aos restaurantes e a cafés e a usar os transportes públicos nestes dias de desconfinamento. Até a ida à praia divide a população. O medo do coronavírus continua a condicionar os passos do quotidiano e uma em cada três pessoas crê que só retomará as suas rotinas quando houver vacina. Por estes dias, esse receio cerceia os hábitos mais singelos fora e dentro de portas. O confinamento quebrou os afetos e, mesmo dentro de casa, reduziram-se os beijos e os cumprimentos. Se 90% dos inquiridos no barómetro da Pitagórica para o JN abdicaram dos cumprimentos fora de casa, quase metade (42%) também o fez no domicílio, com a família mais próxima.
Menos beijos, menos abraços em todas as regiões do país e em todas as idades. Uma fome de afetos que é confessada com especial incidência pelos mais velhos, com mais de 55 anos. Não será alheia a essa dieta forçada pela pandemia a redução do sentimento de felicidade, reconhecida por 37% dos questionados. O hábito que os portugueses mais desejam retomar é ver os familiares presencialmente. Estar com os amigos, cara a cara, só aparece no quarto lugar da lista.
"O afastamento das famílias foi o mais penoso, sobretudo para a população mais velha que ficou mais isolada. No início da pandemia, as mensagens eram muito assustadoras e levou a um fechamento do mundo exterior, mas também do mundo mais próximo", avalia Alexandra Lopes, socióloga e professora na Universidade do Porto, assinalando que estas crises, como o surto de covid-19, são os "grandes pânicos de saúde pública". A "reação natural é de proteção", mesmo quando as autoridades garantem de que já é seguro regressar às rotinas suspensas.
NEM DISCOTECA NEM ESTÁDIO
Essa desconfiança, em particular na partilha de espaços públicos fechados, é reproduzida no barómetro. Embora 60% dos inquiridos já admitam almoçar ou jantar em casa de amigos, apenas 38% estão dispostos a frequentar restaurantes e 37% lancharão numa cafetaria. Em ambos os casos, quase 40% recusam fazê-lo.
"É inocente pensar que o problema se resolve só com o espaçamento entre as mesas e com a abertura de portas. Estes grandes pânicos em saúde pública têm uma certa dose de irracionalidade. Pode demorar algum tempo até as pessoas sentirem que há normalidade nas suas vidas, sobretudo enquanto não há cura nem vacina", atenta a socióloga.
Frequentar esplanadas parece suscitar menos reservas e surge na lista dos hábitos a retomar, eleitos pelos inquiridos. Porém, a atividade comercial que mais saudade suscitou foi o cabeleireiro/esteticista: 62% voltarão aos estabelecimentos. Idas a discotecas e a bares estão fora de cogitação para a maioria. Só 10% vão frequentá-los, assim que abrirem. Igual recusa é afirmada perante a possibilidade de assistir a um jogo de futebol num estádio. Apenas 9% querem voltar a sentar-se nas bancadas. Já a frequência de ginásios é rejeitada por 43% e desejada por 16%.
Com o verão a chegar, tomar banhos de sol e de mar na praia divide os portugueses. Cerca de 43% imagina-se a pisar a areia quente e quase um terço (32%) não pretende iniciar a época balnear. O que ainda assusta os portugueses são os ajuntamentos. Os transportes públicos são considerados o segundo local mais perigoso e o seu uso é descartado por 41% dos questionados. No Norte, essa rejeição atinge os 58%. Somente os hospitais e os centros de saúde inspiram mais medo: 46% afirmam que irão às unidades de saúde, se necessário, mas 19% recusam fazê-lo (Jornal de Notícias, texto da jornalista Carla Sofia Luz)
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