A TAP foi, até ao momento, a única empresa da União
Europeia autorizada a receber auxílios de Estado sem que o fundamento seja
sobretudo os danos provocados Covid-19, e a única que tem como sentença a prazo
uma reestruturação. Decisão considerada "injusta" pelo presidente da
companhia. Pedro Nuno Santos assegura que quem decidiu foi Bruxelas. A TAP foi
a única companhia que até agora foi encaminhada por Bruxelas para um plano de
reestruturação.
Da longa lista de auxílios de Estado que desde março
tiveram a luz verde Bruxelas, a TAP é a única companhia aérea onde a pandemia,
um acontecimento inesperado que obrigou a economia mundial a uma aterragem a fundo,
não é apontada como o fundamento que justifica a necessidade de ajuda. A
Comissão Europeia deixou claro que a TAP não podia ser integrada no quadro
temporário de auxílios, onde está a alemã Lufthansa e a francesa Air France.
Excluiu-a alegando que a companhia já estava com dificuldades financeira em
dezembro de 2019, a Covid-19 apenas agravou um problema que já existia. A TAP
fica também fora de outros enquadramentos mais flexíveis e que não obrigam a
uma reestruturação, como irá acontecer com a companhia portuguesa se ao fim de
seis meses não pagar um empréstimo que poderá chegar aos 1,2 mil milhões de
euros.
A TAP é, na realidade, a única companhia que é apoiada
ao abrigo do artigo 107 (3) C, para onde são encaminhadas as empresas não
financeiras em dificuldade e que são ajudadas ao abrigo dos auxílios estatais
de emergência, e enquadradas num plano de reestruturação. Um plano que irá
obrigar a companhia a fazer um apertado plano de redução de custos, e que na
terça-feira o presidente da comissão executiva, Antonoaldo Neves, admitiu no
Parlamento que irá ser duríssimo. O pedido de ajuda é feito junto da Comissão
Europeia diretamente pelos Estados Membros, e Antonoaldo Neves deixou claro na
terça-feira no Parlamento que a gestão da TAP não participou nas negociações e
que não era este o modelo de apoio que defendia.
Foi para o artigo 107 (3) C - vocacionado para as
ajudas de emergência e de reestruturação - que a Direção Geral da Concorrência
Europeia (DGCOMP), a cargo da comissária Margrethe Vestager, terá encaminhado a
TAP, ao considerar que a companhia já se encontrava em dificuldades financeiras
a 31 de dezembro do ano passado, antes da pandemia. E que não era, por isso,
elegível para um resgate ao abrigo do quadro temporário de apoio criado a 19 de
março. A DGCOMP foi notificada pelo Estado português a 9 de junho. Um dia
depois - numa decisão dada em tempo recorde -, já havia luz verde da Comissão
Europeia.
Pedro Nuno Santos, o ministro das Infraestruturas, já
veio dizer que quem decidiu o enquadramento em que a TAP seria ajudada foi a
Comissão Europeia. “[Este plano] foi o único que foi aceite [pela Comissão
Europeia]. Não fomos nós que o propusemos, foi a CE que o impôs”, disse o
ministro em declarações ao podcast do PS "Política com palavra".
“Os representantes do Estado Português, nos contactos
com a Comissão Europeia (CE), defenderam o recurso ao quadro temporário Covid,
e foi essa a opção que tentámos de início. O entendimento da CE era que a TAP
era uma empresa em dificuldades em 2019, e como tal não podia recorrer a essa
opção. Por isso a opção que está em cima da mesa é a única que a CE disse que
estava disponível para a TAP.”
O que diz o artigo 107 (3) na aliena C abrigo do qual
a TAP irá receber até 1,2 mil milhões de euros? São "os auxílios destinados
a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas,
quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem
o interesse comum". Um enquadramento muito genérico, onde não é feita
qualquer referência a calamidades ou acontecimentos inesperados, como uma
pandemia.
Por que é que ser ajudada com base no artigo 107 (3) C
é mais penalizador para a TAP do que seria um apoio dado no âmbito do quadro
temporário de apoio? Porque este quadro de exceção criado para socorrer as
companhias pelos danos causados pela Covid é mais flexível para as companhias,
e permite, por exemplo, que os empréstimos que agora estão a ser feitos às
empresas sejam reembolsados numa prazo mais alargado.
Antonoaldo Neves sublinhou na audição de terça-feira
que as companhias aéreas que estão a ser apoiadas ao abrigo do quadro
temporário podem reembolsar os empréstimos num prazo de três a sete anos, e não
a seis meses como foi imposto à TAP. Um prazo que o presidente da companhia já
disse que seria impossível cumprir.
Outras das razões que torna este enquadramento mais
difícil para as companhias é porque impõe uma reestruturação se o empréstimo
não for pago ao fim de um espaço curto de tempo. E uma reestruturação irá
obrigar a transportadora a fazer cortes ao nível das rotas e da frota, o que
pode ter um forte impacto na estratégia da companhia. A reestruturação poderá
obrigar, por exemplo, a TAP a abdicar de rotas e slots rentáveis, ou que não
sendo economicamente rentáveis podem ser estratégicos para o crescimento da
companhia como um todo. Irá também implicar um corte no número de
trabalhadores.
“Não espero nada menos do que uma Comissão Europeia
extremamente dura com a TAP”, advertiu Antonoaldo Neves na comissão parlamentar
de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação. O gestor lamentou o caminho
escolhido para o auxílio à TAP e confessou aos deputados não o entender,
dizendo que "foi uma visão injusta". A gestão da TAP nunca esperou
que a companhia tivesse uma ajuda fora do quadro temporário, e foi sempre essa
a mensagem que passou.
Antonoaldo Neves defendeu perante os deputados que a
TAP SA apresentava condições financeiras para ser ajudada ao abrigo do programa
temporário. “Não compreendemos porque a TAP SA, a empresa que vai receber o
empréstimo do Estado, não teve acesso ao plano de ajuda temporária",
sublinhou.
A TAP, sublinhou, fez um grande investimento nos
últimos anos, e estava em plena recuperação financeira, tendo inclusive
reduzido a dívida garantida pelo Estado à banca. No processo negocial, o plano
de resgate acabou por ser conduzido em direção ao artigo 107 (3) C por causa
das dificuldades financeiras da holding, a TAP SGPS. A holding, devido
sobretudo às perdas geradas pela operação de manutenção e engenharia no Brasil
(a VEM), tem visto os seus resultados serem muito penalizados. Os capitais
próprios da TAP eram de cerca de 600 milhões de euros negativos no final de
2019, o segundo ano consecutivo de prejuízos acima dos 100 milhões de euros. E
estes foram números tidos em consideração por Bruxelas.
No Parlamento, Antonoaldo Neves disse não compreender
porque é que a companhia escandinava SAS ou a alemã Condor - ambas em
dificuldades e a segunda declarada insolvente em 2019 -, tinham sido ajudadas
ao abrigo do quadro temporário, e a TAP não. A SAS vai ser apoiada com 137
milhões de euros e a Condor com 550 milhões de euros.
O presidente da TAP apelou a que nas novas negociações
Bruxelas, onde poderá estar em cima da mesa a cedência de slots e rotas, a
Comissão seja confrontada com este duplo critério - o da TAP e o da SAS e da Condor.
“Temos de confrontar a Comissão Europeia, temos de brigar com a Comissão”,
atirou.
Frasquilho põe água na fervura
"É evidente que o Estado defendeu os interesses
da TAP", vincou Miguel Frasquilho, o presidente do conselho de
administração da TAP, esta quarta-feira, no Parlamento, quando questionado
sobre o facto de a Comissão Europeia ter considerado que a companhia não
poderia ser ajudada ao abrigo do quadro temporário de apoio por danos provocados
pela Covid-19.
Miguel Frasquilho foi dizendo aos deputados que esta
foi "infelizmente" a alternativa possível, tendo em conta os
resultados da TAP nos últimos anos. Não obstante, o antigo deputado do PSD e
ex-presidente da AICEP, sublinhou o facto de "há mais de 20 anos" o
Estado não colocar dinheiro na antiga companhia de bandeira.
"A Comissão Europeia olha para uma empresa que
teve capitais próprios negativos em 2019", e tendo em conta o seu
historial ao longo dos últimos anos, "classificou-a como uma empresa em
dificuldade", lamentou Miguel Frasquilho, perante os deputados.
“Olhando friamente para os números da TAP, e só para
os números, eu diria que não é surpreendente que o grupo TAP tenha sido
considerado (pela Comissão Europeia) uma empresa em dificuldades já no final de
2019", afirmou.
Mas respondendo a uma pergunta subjacente à ideia de
que a Bruxelas tem dois pesos e duas medidas, o gestor acabou por admitir que a
Comissão Europeia nem sempre reage da mesma maneira com países pequenos e
países grandes, uma vez que autorizou que a Alemanha apoiasse a Condor - uma
empresa reestruturada em 2019 - ao abrigo do quadro temporário, e vedou esta
hipótese à TAP.
Apesar do quadro difícil, Frasquilho disse aos
deputados que a expectativa da administração da companhia era a de que "a
TAP não iria necessitar de fundos excecionais" em 2020 se não fosse a
pandemia. É que depois de um primeiro semestre difícil em 2019, a companhia
tinha tido uma segunda metade do ano com uma trajetória positiva, explicou.
Admitindo que não será possível reembolsar o
empréstimo em seis meses e que a TAP acabará por ter de ser reestruturada,
Miguel Frasquilho defendeu ainda que terão de ser desenvolvidos esforços
diplomáticos “ao mais alto nível” para defender os interesses da TAP e de
Portugal, para evitar que uma restruturação que obrigue a um corte de rota, de
frota e do número de trabalhadores. Um desejo que muito dificilmente o
presidente do conselho de administração da TAP verá cumprido, já que, como
Antonoaldo Neves avisou, a reestruturação vai ser um processo duro e longo
(Expresso, texto das jornalidsta Anabela Campos e Susana Frexes)
Sem comentários:
Enviar um comentário