O Presidente da República quer que a reunião dos líderes partidários com os epidemiologistas, na próxima quarta-feira, dê bases para se explicar melhor a realidade à opinião pública e se mantenha o consenso político sobre os dados com uma base técnica.
Depois de uma semana em que a retórica do sucesso nacional no combate à covid-19 colidiu com a proibição da entrada de portugueses em oito países europeus, o Presidente da República convenceu o primeiro-ministro e a ministra da Saúde a focar a reunião habitual dos líderes partidários com os epidemiologistas no “discurso político”. A ideia de Marcelo Rebelo de Sousa para o encontro da próxima quarta-feira, sabe o Expresso, é fazer uma “reflexão” não sobre a veracidade do discurso — que não está em causa —, mas acerca da forma como se transmitem as informações à opinião pública: explicar melhor o reflexo que mais testagem tem no número de infetados, perceber como é feito noutros países, e calibrar essa informação do ponto de vista técnico.
O foco da reunião acaba por ser decidido num contexto em que o consenso político sobre os dados da pandemia começa a vacilar depois de Portugal ser colocado na lista negra de parceiros europeus — como Dinamarca, Áustria, Chipre, Eslováquia, Grécia, Letónia, Lituânia e República Checa —, que usam como critério o número de infetados por 100 mil habitantes. O indicador é contestado pelo Governo, porque o número de testes realizado torna esta estatística desfavorável.
UMA GUERRA PELO TURISMO
A iniciativa de Marcelo terá também como objetivo continuar a manter a luta política em mínimos sobre temas técnicos, quando a oposição já começa a endurecer o discurso: ontem, Ricardo Baptista Leite, médico e deputado do PSD, já contestava o discurso do Governo nestes termos: “O ministro dos Negócios Estrangeiros disse que Portugal é vítima da sua política de testagem. Infelizmente, não é assim, e negar a realidade prejudica o nosso esforço coletivo de combate à pandemia”, escreveu no Twitter, alegando que “se o aumento de casos fosse apenas consequência do aumento do número de testes deveria haver uma redução no número de internados na Área Metropolitana de Lisboa e houve um aumento”.
Em Belém, a reação negativa dos países europeus deve ser lida à luz da luta por turistas. No discurso que fez na quarta-feira a propósito das finais da Champions em Portugal, Marcelo foi explícito ao referir que “todos os países disputam o regresso ao turismo nacional” e sublinhou a “transparência” portuguesa — onde os casos aumentam com a testagem — por contraste com países que pararam “o vírus de um momento para o outro” (o Governo espanhol, por exemplo, chegou a reduzir o número de mortes a zero quando as regiões reportavam 16 óbitos).
A resposta diplomática ao bloqueio dos países europeus começou por ser violenta: na quinta-feira, o MNE, Augusto Santos Silva, admitiu que Portugal poderia aplicar o princípio da reciprocidade a esses países e justificou que as “operações de rastreio” que “podem revelar mais incidência da doença” são uma política “prudente e transparente que deve ser vista como um facto positivo”. Ontem, Costa afastou as retaliações, mas afinou as críticas: “A Áustria e a República Checa têm um número de testes que não é comparável com Portugal” e a “Dinamarca e a Lituânia têm uma taxa de mortalidade muito superior”. Na quarta-feira, os especialistas dirão o que é tecnicamente correto (Expresso, texto do jornalista VÍTOR MATOS)
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