domingo, junho 21, 2020

TAP: impasse nas negociações entre Estado e acionistas privados

As negociações entre o Estado e os acionistas privados da TAP, David Neeleman e Humberto Pedrosa, no âmbito do plano de resgate da companhia aérea estão num impasse. O Governo quer que os privados convertam em capital empréstimos feitos à TAP por eles próprios ou por empresas por si participadas, mas não está a haver entendimento neste ponto. Por isso o acordo para o empréstimo estatal de até um máximo de €1,2 mil milhões não avança. Em causa está essencialmente, segundo apurou o Expresso, um empréstimo obrigacionista feito à TAP pela Azul — companhia aérea brasileira da qual o empresário norte-americano David Neeleman é acionista e onde tem bastante influência, apesar de ter vindo a reduzir a sua participação — no valor de €90 milhões. Empréstimo que o Governo quer que seja agora transformado em capital. Desta forma, a TAP reduziria a dívida, ao mesmo tempo que deixava de pagar à Azul uma taxa de juro de 7,5%.

Ora é precisamente esta remuneração atraente que a Azul não quer perder. Mas não é só isso: Neeleman e Humberto Pedrosa, que têm 45% da companhia, entregaram dinheiro à empresa através de prestações acessórias e o Governo quer que também isso seja convertido em capital, em condições que estes ainda não aceitaram.
Governo garante que os despedimentos não são inevitáveis, mas na empresa esse cenário é considerado altamente provável
Por outro lado, a saída de João Nuno Mendes — o gestor que liderava o grupo de trabalho destinado a delinear uma solução para a TAP — para o cargo de secretário de Estado das Finanças terá também colocado as negociações em suspenso. O Expresso questionou o Governo se o gestor, ex-presidente da Águas de Portugal, será ou não substituído, mas não obteve qualquer resposta. Já a Parpública, a empresa estatal que gere as participações do Estado e detém 50% da TAP, apenas diz que “integra o grupo de trabalho designado pelo Governo”.
Há outra questão que também não está fechada e que diz respeito à possibilidade de dentro de seis meses, quando a TAP não conseguir pagar o empréstimo que o Estado se prepara para lhe conceder e tiver de avançar para uma reestruturação, o crédito atribuído pelo Estado se transformar em capital público. O que, a acontecer, levaria a um aumento da participação estatal e a uma fortíssima diluição do capital privado.
O novo ministro das Finanças, João Leão, não se encolheu esta semana na sua primeira intervenção pública e na discussão do Orçamento Suplementar mostrou o caminho a seguir na TAP. “O Estado deve intervir com vigor e preocupação na gestão da TAP.” E deu mais um passo no esclarecimento sobre o futuro da companhia, admitindo que, no âmbito do plano de reestruturação, ao fim de seis meses o empréstimo do Estado pode transformar-se em capital. “Terminado esse auxílio, segue-se um programa de reestruturação em que a TAP tentará encontrar novo capital”, disse. “Nesse quadro do programa de reestruturação, pode estar em equação a conversão de parte do empréstimo do Estado em capital.”
REFORÇO DO PODER É CONSENSUAL
A expectativa de que já houvesse um acordo nesta altura era elevada, atendendo à situação financeira complicada que a TAP está a viver por causa da pandemia de covid-19. Os acionistas privados aceitam a condição imposta pelo Estado para reforçar o seu poder na empresa através do conselho de administração, que passará a ter mais poder face à comissão executiva, controlada apenas pelos privados. No conselho de administração é o Estado que tem a última palavra, pelo que a partir do momento em que este órgão passe a ter poder de decisão sobre matérias relevantes relacionadas com a empresa, como investimentos ou questões laborais, será o Governo a ditar a estratégia — ou pelo menos a influenciá-la.
A ajuda à TAP está no centro do debate político. Rui Rio foi duro e pôs o dedo na ferida. O orçamento da TAP (€946 milhões) é “quase o dobro do destinado ao Serviço Nacional de Saúde (€504 milhões)”, criticou. Atirou ainda: “A TAP não se pode tornar num outro Novo Banco, um buraco negro que vai sugando os impostos dos já tão massacrados contribuintes.”
Entretanto, quatro sindicatos estiveram reunidos com a administração, da qual receberam a garantia de que tudo será feito para evitar despedimentos na empresa, que tem cerca de 10 mil trabalhadores. O próprio Governo veio aliviar a pressão. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, garante que não é inevitável que haja despedimentos para reestruturar a TAP.
Não há, no entanto, dúvidas de que haverá uma reestruturação pesada, que inclui cortes de aviões e rotas, e com isso arrastará trabalhadores. É um destino ditado pelo facto de esta ajuda pública estar a ser concedida fora do quadro de exceção aberto por Bruxelas por causa da covid-19. E, apesar das garantias dadas pelo Governo de que os despedimentos não são inevitáveis, os trabalhadores da TAP e os seus representantes, assim como os órgãos de gestão, assumem esse cenário como altamente provável.
RESGATE DA LUFTHANSA EM RISCO
Não é ainda certo que a companhia alemã Lufthansa vá receber o auxílio de Estado de €9 mil milhões já autorizado por Bruxelas. É que há acionistas da companhia que estão desconfortáveis com as condições impostas em troca desta ajuda, nomeadamente com a entrada do Estado alemão, que ficará com uma participação de 20%. Situação que levará a uma diluição da posição dos atuais acionistas. Heinz Thiele, um dos homens ricos da Alemanha e que assumiu ter 15% da Lufthansa, já veio dizer que poderá votar contra o plano de resgate na assembleia geral de 25 de junho e que quer que sejam procuradas alternativas à ajuda pública. Com a paragem dos aviões, a Lufthansa está a perder um milhão de euros de receitas por hora. E a companhia já veio dizer que nos próximos três anos irá precisar de menos um piloto em sete e menos um tripulante em seis. A Lufthansa está a negociar com os sindicatos a saída de 22 mil trabalhadores (Expresso, texto dos jornalistas ANABELA CAMPOS e PEDRO LIMA)

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