sexta-feira, maio 15, 2020

Nota: retoma turística como?

Hoje vou procurar ser pragmático, porque acho que a paciência de muitas pessoas, com interesses no sector, começa a roçar os limites toleráveis quando se confrontam com deambulações teóricas em torno do turismo e da retoma desta actividade.
Começo lembrando alguém que disse que foi muito fácil fechar tudo, mandar as pessoas para casa, despachar turistas, limitar aviões e navios, fechar restaurantes e hotéis, etc. O pior vai ser reabrir tudo e conquistar a normalidade que existia antes da pandemia.
Há uma coisa que me tem intrigado - mas até admito a habitual "burrice", epiteto  usado sempre que um "outsider" opina sobre um sector que pretendeu ser, e foi sempre, demasiado fechado em si próprio, muito blindado, apenas abrindo-se quando as dificuldades apareciam e nesse caso precisavam de envolver a sociedade na procura de soluções - quiçá porque provavelmente não estarei a perceber o puzzle iluminado que nos tentam vender:
- como é que se pode falar em retoma no turismo na Madeira se as linhas gerais e os condicionalismos para essa actividade - nas suas diferentes frentes, desde os hotéis aos restaurantes, passando pelos bares, empresas prestadoras de serviços similares, transferes, alojamento local, viagens turísticas em autocarros, ligações marítimas, calendários de animação, etc  - estão por definir e muitas delas dependem de factores externos que não controlamos (casos da retoma da aviação, dos preços a praticar nas viagens e da sensibilidade das pessoas porque até hoje não há turismo sem pessoas)?
Pior do que isso, é ficarmos com a sensação de que falam nisto tudo virados cá para dentro, quando o ponto de mira tem de ser outro. Podemos e devemos falar em retoma desta actividade - até porque ela é urgente e quanto a isso não temos dúvidas - sem escamotear que a realidade do turismo madeirense nunca teve a ver, em termos da sua dinâmica e pujança, com o  chamado turismo interno - uma quota insignificante nas receitas geradas - mas sim com o turismo nacional e estrangeiro que devem continuar a ser os alvos preferenciais de qualquer acção? Ou seja, quando leio grandes prosas nos jornais locais pergunto-me para que serve tudo isso, qual o impacto disso nessa retoma, que efeitos concretos isso tem? Zero. É lá fora que estão as bases da nossa retoma. É lá para fora que devem falar, mantendo uma atitude interna de discussão, de debate, de troca de ideias, de análise de propostas, de definição de prioridades, de envolvência entre todas as partes chamando todos os sectores ligados mais directamente a esta importantíssima actividade económica regional e nacional para a mesa do diálogo e da discussão.
A minha primeira constatação é duvidar que todos estejam a ser chamados, envolvidos e ouvidos, da forma alargada como deve ser, nesta fase preliminar da retoma. Mas admito que isso esteja a ser feito discretamente, sem que se saiba, influenciando erradamente a minha conclusão atrás referida. Que mantenho até ter uma outra percepção. O isolamento destas discussões a alguns pretensos iluminados é um erro que tem consequências desastrosas. É só uma questão de tempo. Claro que eu sei que somos uma terra de "analfabetos" turísticos - eu sou e não quero deixar de ser, fica desde já esclarecido - porque até fomos contratar lá fora cérebros que provavelmente da Madeira apenas conheciam o seu nome e a fama. Porventura outros, por outras paragens, chegam a certos lugares nesta indústria a reboque e por pressão de grupos que querem ver os seus interesses acautelados. No nosso caso só lamento que não tivéssemos por cá ninguém à altura. De facto, é muito mais fácil formar governos em contexto de maiorias absolutas...
Vamos a factos.
Em primeiro lugar, pelo que me foi garantido, a discussão dessa retoma não tem sido a mais abrangente e participada possível, como todos desejariam. Há muita teoria, muitos papéis, muitos cenários traçados sem bases consistentes e seguras, com previsões demasiado optimistas e algo desfasadas da realidade previsível, sem se saber ainda se estão ou não, como deve ser, a preparar o apontar de baterias para fora da RAM e não para os jornais de cá.
Os Madeirenses só querem que o turismo retome e retome rapidamente, dado o peso da actividade na nossa economia. Os madeirenses são beneficiários, uns directos outros indirectos, da pujança da actividade turística, não os seus protagonistas. O turismo interno, numa lógica regional global, é uma falácia, e recuso sequer desenvolver mais esse assunto.
O que precisamos saber são coisas simples, na certeza de que muita coisa está anda por definir em termos de cautelas sanitárias e sociais, nos aviões, nos restaurantes, nos hotéis, nos transportes, nas actividades marítimas, etc:
- como vão controlar a entrada de turistas, nacionais e estrangeiros, nos aeroportos já que terá sido essas uma das chaves essenciais do nosso combate à pandemia? E numa altura em que a União Europeia manda (13 de Maio) abrir fronteiras e atenuar condicionalismos à circulação de pessoas...
- como se pode pensar numa solução única e europeia se vemos países divididos nas medidas adoptadas, uns abrindo fronteiras, enquanto outros continuam com elas encerradas ou admitem impor ou manter restrições severas no controlo das entradas, etc?
- que informações concretas existem em Portugal, quando é sabido que a UE apenas ontem (13 de Maio de 2020) reuniu a produziu recomendações generalizadas, a pataco, que vão demorar a chegar aos destinatários e sem que os estados-membros abdiquem da sua capacidade dde decisão numa matéria tão relevante?
- se, por exemplo, em Canárias as entradas de turistas estrangeiros estão bloqueadas até Outubro - essa decisão já está tomada - o que é que vai acontecer na Madeira, destino turístico muito escolhido por passageiros que integram os chamados grupos etários mais vulneráveis, ao contrário de outros destinos europeus concorrenciais onde a procura é mais jovem?
- qual o plano de promoção agressiva, dada a pressão da concorrência, da RAM no exterior, que países serão os alvos prioritários dessa campanha e quais os recursos financeiros disponíveis para essa promoção, dado que a situação dos privados não deixa antever qualquer disponibilidade financeira para comparticiparem nos encargos promocionais da região no exterior?
- o programa de promoção tem uma ou várias fases de evolução no terreno?
- qual o impacto da pandemia no nosso turismo, já que países como o Reino Unido, Alemanha, França, Bélgica, Áustria e Espanha eram os principais focos geradores de turismo para a Madeira e foram todos eles "apanhados" pelos efeitos avassaladores da pandemia com particular destaque para o Reino Unido, um dos nossos mais tradicionais e importantes mercados turísticos que, recordo, já iniciara uma queda antes da pandemia, devido ao Brexit?
Deixo algumas estatísticas de entradas na RAM reportadas a Novembro de 2019, só para reflexão e fundamento do que acabei de escrever:

a) Receitas geradas pela actividade turística na RAM:
- 2018: 426,7 milhões de euros
- 2019: 407,8 milhões de euros (- 4,4%)
b) Receitas das estruturas hoteleiras na RAM:
- 2018: 279,1 milhões de euros
- 2019: 268,1 milhões de euros (-4%)
c) Entradas de turistas na RAM em 2019:
- Portugal, 341.071 entradas, 21,4% de quota do mercado
- Alemanha, 363.479 e 20,5%
- Austria, 19.769 e 1,1%
- Bélgica, 27.462, 1,7%
- Espanha, 40.851, 2,6%
- França, 163.791, 10,7%
- Itália, 14.173, 1,2%
- Holanda, 56.854, 7,3%
- Reino Unido, 294.009 entradas, 10,7% do mercado
d) Dormidas de turistas nas estuturas hoteleiras da RAM em 2019:
- Portugal, 1.060.671 dormidas, 13% do total
- Alemanha, 1.903.650, 23,4%
- Austria, 110.746, 1,2%
- Bélgica, 142.895, 1,8%
- Espanha, 1845.099, 9,2%
- França, 747.840, 9,2%
- Itália, 63.990, 1,2%
- Holanda, 304.146, 3,7%

- Reino Unido, 1.833.639 dormidas, 22,5% do total

Suspeito que é necessário manter contactos regulares com os operadores turísticos estrangeiros com ligações à RAM (um deles, a TUI, alegadamente passando por enormes dificuldades e com despedimentos anunciados), aqueles que mais turistas garantiam à nossa terra, para perceber o que se passa na origem, nos mercados geradores de turismo, que constrangimentos e condicionalismos existem, que prioridades devem ser estabelecidas, etc. Duvido que nestes tempos de restrições isso seja possível e eficaz usando a videoconferência. Há momentos em que é preciso estar frente a frente, discutindo tudo cara-a-cara, com sinceridade e frontalidade. De forma pragmática, goste-se ou não de ouvir o que nos é dito.
- que informações tem a Madeira sobre o futuro do sector aéreo? Qual o estado de saúde financeira das companhias de aviação, incluindo as low-cost, mas sobretudo as que mais frequências tinham para a Madeira antes da crise? Que imposições obrigatórias serão adoptadas? Qual a garantia de cumprimento dessas obrigações? Quais os preços das viagens que passarão a ser praticados, dada a previsão de menos passageiros, menos turistas, menos frequências a que se juntam eventualmente outros obstáculos que os estados levantarão por não subscreverem o facto de Bruxelas ter cedido à pressão da aviação comercial e não recomendar limitações de lugares por voo (apenas uso obrigatório de máscaras), ao contrário do que fez para outros transportes?
- e os turistas aceitarão continuar a viajar em aviões equiparáveis a "transporte de gado", com as lotações nos limites, porque a prioridade eram os preços low-cost?
- vai a Madeira continuar a exigir a obrigatoriedade da quarentena a quem chega ao Funchal, já que a exibição de testes de despiste pessoais à chegada, pelo que percebi, apenas livra o seu detentor de ser encaminhado para um hotel-concentração ficando ao invés disso retido na sua casa por um período de 14 dias? Acham isto conciliável com qualquer retoma turística?
- a retoma do turismo não tem nada a ver com as praias e os complexos balneários. Basicamente tudo isso é destinado aos residentes nas suas férias de Verão. O problema, quando se fala em retoma, tem a ver com a existência ou não de turistas dispostos a viajarem, com os seus níveis de exigência para retomarem as viagens, com a dimensão do medo ou do receio das pessoas que ainda existe, e existirá durante muito mais tempo, pelo menos até haver a garantia de segurança sanitária efectiva. Sobre isso não sei o que dizer
- lembro a propósito uma notícia divulgada esta semana porque nos ajuda a perceber o que estamos falando: "Uma sondagem da Universidade Católica realizada entre 6 e 11 de Maio, revela que metade dos portugueses está convicto de que não vai passar férias fora de casa. Outros 17% responderam que «provavelmente não» e 22% que «provavelmente sim». Há, no entanto, 3% que ainda não sabem. «Ainda se nota alguma insegurança por parte de quem quer vir para o Algarve, porque ainda não conhece concretamente a realidade que irá encontrar», explicou um dos responsáveis do inquérito"
- e mesmo havendo retoma - já uma vez escrevi isso - duvido que nos tempos mais próximos os restaurantes consigam dar a volta à situação e retomar a confiança - mesmo que façam tudo por isso - porque não acredito que potenciais turistas deixem de utilizar a segurança dos serviços disponibilizados pelos hotéis - nomeadamente ao nível dos transferes, refeições e até das  excursões -  que terão que alterar os seus recursos próprios, pelas  garantia de segurança que os turistas temem que não encontrem fora dos hotéis. Isso vai obrigar os hotéis a reverem a sua política de preços, a aumentarem a sua oferta em refeições, a diminuírem as tabelas de preços e a diversificarem os serviços disponibilizados aos hóspedes, algo que antes da pandemia era incumbência de inúmeras empresas prestadoras de serviços, restaurantes e outras, que orbitavam à volta de muitos hotéis.
Um estudo do Medical Daily divulgado esta semana elabora uma lista de quatro lugares que as pessoas devem evitar frequentar durante o surto mesmo após a sua reabertura ao público. Um deles: "Restaurantes e bares - Devido à quantidade de pessoas que geralmente se acumulam nestes espaços, e adicionalmente às condutas de ar condicionado ou de utensílios, como garfos e facas que são partilhados, tornam os restaurantes e bares em locais de risco elevado".
Vamos ser sérios.
Será exagerado dizer que 2020 é um ano catastroficamente perdido em termos turísticos?
Será exagerado prever que a recuperação, lenta e instável, do sector do turismo (aviação e movimento de passageiros, etc), apenas poderá começar a dar os primeiros passos seguros em finais de 2021 ou mesmo em 2022?

- qual o impacto social de económico de tudo isso na RAM. numa economia fragilizada e que financeiramente depende dos apoios que obtiver do Estado e da Europa?
Vai sendo tempo de alguma seriedade e de não andarem a dar prioridade a larachas banais e sem sentido só para que tenham o seu espaçozinho mediático e queiram mostrar que estão vivos.
Este problema nem sequer é da Madeira - mesmo que outras regiões estejam a trabalhar de uma forma diferente da nossa sem que isso signifique grande coisa se não tiverem ligações aéreas e passageiros para elas. Acham por acaso que os turistas acreditam que haverá segurança sanitária nalguma parte do planeta - tirando a Coreia do Norte onde tudo é controlado da forma que sabemos e onde duvido sequer que tenham ouvido falar do covid19?
- Tal como a Madeira também as Canárias - Lanzarote à cabeça apesar de ter sido uma ilha fustigada por casos de covid19 levados para lá por turistas italianos e alemães - tentam vender essa coisa dos certificados sanitários. Mas quem é que nos garante imunidade seja ao que for nestes tempos de pandemia generalizada, sem um medicamento eficaz e sem a bendita vacina pela qual todos esperamos? 
E nem falo no doentio que é termos pessoas e instituições sistematicamente a falarem em novas vagas pandémicas, como se isso lhes desse um particular prazer e quando a proridade é desconfinbarmos tudo e combatermos o medo...que tanto medo provoca.
O aeroporto é a chave de tudo
O aeroporto foi a chave do sucesso no controlo da pandemia na RAM, e provavelmente os números que apresentamos estarão directamente associados a essas restrições operacionais e à imposição da quarentena obrigatória. Quanto a isso não há dúvidas. As decisões tomadas neste dominio, muito mais cedo do que outras, idênticas, tomadas noutras regiões (Canárias e ilhas italianas, por exemplo) facilitaram depois os resultados noutras frentes médico-sanitárias. Mas sucede que a retoma da activdade turistica não é compatível com a manutenção mantendo essas restrições.
O próprio Marítimo está a ser prejudicado nos seus legítimos desejos desportivos de jogar no seu campo por causa da quarentrena obrigatória. Mas a verdade é que ninguém pode obrigar os clubes visitantes a passarem por uma quarentena na RAM, caso se mantenham os pressupostos vigentes. Ou seja, se o Marítimo no plano desportivo tem toda a razão do seu lado, duvido que dificilmente a tenha em qualquer outro plano, nomeadamente o desportivo e o legal, caso persitam estas restrições impostas a quem desembarca no Funchal. Sobretudo depois do Santa Clara dos Açores, pelos mesmos motivos, ter aceite montar "arraial" na cidade desportiva da FPF em Lisboa! Faltou articulação e concertação entre os dois clubes insulares, dado que nos Açores persiste a obrigação da quarentena que no caso dos não residentes já nem é paga pelo Governo Regional! Basicamente acho que ninguém pode obrigar clubes a se deslocarem a um destino e serem submetidos à chegada a uma quarentena, sem que sejam anunciadas opções alternativas muito concretas e oficialmente aceites pelas autoridades de saúde competentes.
É como os turistas: alguém vai obrigar um turista - até que as regras sejam definidas claramente e por quem de direito, nomeadamente a questão do controlo dos passageiros (testes de despiste) - que pretenda vir à Madeira uma semana a ser desviado para uma quarentena durante a sua estada entre nós? A verdade é que entre os casos importados que tivemos 4 deles foram de turistas holandeses que por cá ficaram várias semanas até serem curados. Nas Canárias o fenómeno do covid19 começou com turistas italianos e alemães em La Gomera e Lanzarote.
Se a ideia é continuar com essas restrições, então teremos um turismo madeirense mergulhado no caos e com outras pandemias sociais e económicas a emergirem rapidamente e com efeitos mais dramáticos que os causados pela pandemia sanitária propriamente dita (LFM)

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