O medo de gastar e um conjunto de ameaças que se acumulam vão gerar uma situação em que a economia vai demorar muito mais a recuperar do que agora se julga. Vem aí uma grande depressão, mas não já. É a previsão do economista Nouriel Roubini, que se tornou famoso por ter previsto em 2006 a crise financeira que rebentou dois anos depois. Em 2008, Roubini adquiriu retrospetivamente o estatuto de um profeta, o que faz com que as suas palavras até hoje sejam ouvidas com especial atenção quando se trata de estimar os efeitos de choques económicos.
Ultimamente, tem aparecido a falar sobre os efeitos da crise económica provocada pelo coronavírus. Na sua opinião, não vai haver a recuperação em 'V', que muitos investidores preveem para a segunda metade do ano; quando muito, uma recuperação em U, ou seja, muito mais lenta. Mas os verdadeiros problemas virão depois, lá para o meio da década.
Numa entrevistada concedida há dias ao "Intelligencer", Roubini explica que os mercados estão a prever uma recuperação rápida por causa das ajudas financeiras maciças que os governos estão a fornecer e devido ao medo que as empresas sentem de ficarem sem a parte que lhes cabe nessas ajudas. Mas quando a situação começar a normalizar e houver um regresso em massa ao trabalho, muita gente vai perceber que as condições são bastante inferiores ao que eram anteriormente.
A acumulação de dívidas privadas, o medo de ficar sem dinheiro e a insegurança em geral vão levar muita gente a conter as suas despesas. "Vamos cortar na despesa discricionária", explica Roubini. "O nosso crédito vai piorar. Vamos comprar uma casa? Vamos comprar um carro? Vamos jantar fora? Na Alemanha e na China, já reabriram todas as lojas há um mês. Olha-se para qualquer inquérito e os restaurantes estão totalmente vazios. Quase ninguém compra nada. Toda a gente está preocupada e cautelosa. E isto é na Alemanha, onde o desemprego subiu apenas um por cento. Quarenta por cento dos americanos têm menos de 400 dólares líquidos guardados para uma emergência. Acha que vão gastar", pergunta.
Roubini prevê motins por causa de comida, e nota que as lojas de luxo em Nova Iorque estão completamente tapadas ou esvaziaram as montras. As poucas lojas abertas, em especial as de restauração e bebidas, têm segurança à porta. Nos lugares onde se distribui comida gratuita há filas de quase cinco quilómetros. "Acha que tudo vai ficar normal em três meses", pergunta. "É lunático".
Referindo um conjunto de fatores de guerra não armada entre os EUA e a China, Roubini prevê inflação e grandes alterações na estrutura do trabalho, com substituição de seres humanos por robôs e inteligência artificial.
Em suma, a prazo não vai haver um V nem sequer um U, mas um L. Entre as dez forças que Roubini prevê irem produzir uma grande depressão em meados da década, uma delas são as alterações climáticas. Outro são as pandemias, também elas relacionadas com as alterações climáticas, embora não só.
"Suponhamos que o permafrost na Sibéria derrete. Há provavelmente vírus que estão ali desde a Idade da Pedra. Não sabemos que tipo de coisa horrível vai sair. Nem sequer sabemos o que aí vem", conclui (Expresso, texto do jornalista Luis M Faria)
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