terça-feira, maio 19, 2020

Nota: neste regresso à normalidade a política (e as presidenciais) não é excepção

Neste regresso à normalidade da vida em Portugal, a política não é, não podia ser, uma excepção. Mesmo que as prioridades dos portugueses estejam centradas ainda e sempre no controlo da pandemia, na defesa da sua saúde, e no combate ao medo de ser contaminado - estudos recentes o mostram claramente - e, mais grave do que isso, em conhecerem a real dimensão do impacto económico e social desta crise sanitária, nomeadamente nos rendimentos das pessoas, nos salários, nos empregos, etc.
O que se passou na Autoeuropa - que ficou colada ao processo presidencial de 2021 graças ao que Costa ali protagonizou - não foi um acaso e tem algumas explicações a par de outras potenciais especulações sempre naturais em situações semelhantes.
Costa, em primeiro lugar, tentou naquele momento desviar as atenções da opinião pública e dos meios de comunicação social de um caso incómodo, estranho e escaldante, e que vinha incomodando (o Bloco promete prolongar esse incómodo, resta saber se com sucesso ou não). Falo do caso BES e da transferência de 850 milhões de euros, num bolo total superior a  1.000 milhões de euros,     que o OE-2020 previa para este ano ao abrigo da envolvência do Estado no chamado Fundo de Resolução basicamente uma treta, uma manigância legal, arranjada pelo poder político de Lisboa para  salvar bancos da falência, independentemente de terem sido vítimas de gatunos e corruptos que a justiça lisboeta - tadinha! - não consegue acusar, muito menos julgar. O costume. Sobre isso um dia destes falaremos...
Mas Costa, consciente de que uma parte muito significativa dos eleitores naturais do PS, dificilmente deixam de se sentir colados a MRS, jogou na antecipação e colou o PS, preventiva e cautelosamente a uma recandidatura presidencial de Marcelo que terá que ser anunciada em Outubro e que Costa e o PS não apoiaram em 2016.

É um facto que essa colagem do PS a MRS - e os socialistas são exemplos de graves divisões internas nas presidenciais -  desde Salgado Zenha a Manuel Alegre - que acabaram por fazer mossa nos  resultados eleitorais finais dos candidatos oficialmente apoiados pelo PS - terá neutralizado um potencial problema político interno que poderia descambar para discussões agrestes, por pressão da ala mais esquerdista do PS (da qual fazem parte alguns deputados socialista em São Bento e até ministros deste governo). 
Problemas na esquerda...
A posição de Costa, dias depois repetida por Ferro Rodrigues - ou seja dois dos três vértices do triângulo institucional que tem funcionado eficazmente - criou dois outros problemas "externos" (ao PS) complicados. Um à esquerda, que admitia - para além da candidatura obrigatória do Bloco (Marisa Matias de novo???) e de um candidato próprio do PCP apenas para conquistar tempo de antena - a possibilidade de uma candidatura de Ana Gomes, hoje conotada ao PS - apesar de ter começado no MRPP com Durão Barroso e outros figurões - que desse combate político a MRS-. Ana Gomes, antiga eurodeputada, e que não esconde as ambições pessoais  e política de uma corridas presidencial, usando para o efeito o espaço de comentário isolado que possui na SIC Notícias e que lhe dá protagonismo que outros potenciais candidatos da esquerda não têm, ou seja, repetindo o que MRS andou anos a fazer na RTP e depois na TVI. Sem o assumir é evidente que Ana Gomes ficou incomodada, porque dificilmente o PS vai divergir de Costa e das decisões que tomará em relação a MRS, assim, como dificilmente a agora comentadora televisiva reunirá apoios no PCP e no Bloco que não me parece estejam dispostos a prescindir de candidatos próprios, das respectivas áreas políticas.
...e na direita!
Mas a jogada de Costa criou um problema, bem pior, a uma direita, copiosamente derrotada em Outubro de 2019, nas legislativas, que continua a ter dificuldades de recuperação e de inversão da tendência política e eleitoral, isto segundo as sondagens... - que dificilmente ousará arriscar a avançar com um candidato presidencial incapaz de suster e inverter essa queda eleitoral dos dois partidos do centro-direita e da direita.
PSD e CDS ficaram "entalados", mais o PSD que o CDS, na medida em que Rio terá agora que convencer o seu partido a apoiar um candidato que o PS chamou a si, ao qual se colou na Autoeuropa. O ex-líder do PSD e agora presidente, que não foi apoiado pelo PS em 2016 - embora muitos eleitores socialistas votaram em MRS - deverá ter ficado surpreso e incomodado com a "patifaria" política de Costa na Autoeuropa porque em caso de recandidatura ele não precisa dos dirigentes do PS para voltar a ser eleito confortavelmente. Isto porque ele sabe que uma parte significativa e maioritária do eleitorado do PS, mesmo contando com a fidelidade eleitoral que pouco funciona em presidenciais, garantiria sempre a MRS o triunfo que precisa.
Só que há agora um problema novo, para MRS, para o PSD e para o CDS em menor escala.
Vão os eleitores do PSD e do CDS, incomodados com o que durante anos designaram (e designam) de excessiva cooperação e de colagem de MRS a Costa - em grande medida devido à amizade existente entre ambos e que começou muito antes da política e dos lugares que agora ocupam - aceitar o envolvimento numa espécie de frente presidencialista de apoio a MRS, que em nada beneficiaria o PSD e o CDS, embora isso pouco ou nada represente para o PS, que nas sondagens continua folgado num a posição que dispensa qualquer colagem ao centro-direita e à direita portuguesa?
Tenho dúvidas que muitos dos eleitores do PSD - e pessoalmente estou à vontade porque nunca votei em Cavaco Silva, não votei em MRS e voltarei a não o fazer porque recuso disciplina de voto em  presidenciais - vão virar costas a Marcelo e isso pode aumentar as possibilidades de uma candidatura no centro-direita ou mesmo um projecto mais à direita para travar as "ameaças" dos projectos mais radicais que serão protagonizados por um André Ventura do Chega, confiante e animado pela subida em sondagens que o colocam entre os 6 e os 8%, muito acima dos resultados obtidos nas legislativas de Outubro do ano passado.
É aqui, na área política não socialista que as grandes dúvidas se colocam neste momento.
Sectores no CDS, pouco afectos à actual direção - que, diga-se em abono da verdade, não consegue convencer o eleitorado nem tirar o CDS do fosso em que se encontra - tentaram ensaiar uma candidatura de Afonso Mesquita Nunes, um quadro do CDS, de muito valor, respeitado pelas suas opiniões equilibradas, muito próximo de Portas, ex-secretário de estado do turismo com bom trabalho realizado, que se afastou da política mais activa há cerca de dois anos para se dedicar ao mundo empresarial, mas que continua na ser uma voz de referência no CDS, apesar da actual direção o olhar mais como uma ameaça do que com uma potencial mais-valia ou aliado para a recuperação política, eleitoral e social do CDS que as sondagens mostram tardar e estar exactamente em tendência oposta a essa.
Vai ser muito interessante saber o que PSD e CDS vão fazer, já que também há no PSD sectores incomodados com a colagem de MRS ao PS e a Costa. O problema é que o PSD dificilmente encontrará no seu seio uma personalidade capaz de mobilizar algum eleitorado que em 2016 tenha votado MRS ou nem tenha votado.
Do mesmo modo acho que vão começar a surgir vozes críticas no PS alertando Costa para os perigos de um segundo mandato de MRS - os segundos mandatos presidenciais são sempre olhados com desconfiança por alegadamente serem potencialmente mais conflituosos porque não há mais lugar a recandidatura e os inquilinos de Belém ficam mais 
"livres" - embora pessoalmente tenha alguma dificuldade, pelas razões atrás referidas - salvo se alguma hecatombe política o determinasse - em perspectivar antecipadamente um conflito institucional entre MRS e Costa. Até pela maneira de ser e pelo porreirismo marcelista...
Resultados
Aproveito para recordar os resultados eleitorais dos presidentes eleitos:
2001
Jorge Sampaio (2,4 milhões de votos, 55,8% - Ferreira do Amaral do PSD ficou em 2º com 34,6%)
2006
Cavaco Silva (2,7 milhões de votos, 50,6% - Manuel Alegre ficou em 2º com 20,7% e 1,1 milhões de votos, contra 14,3% e 778 mil votos de Mário Soares, apoiado pelo PS, que foi 3º numa das derrotas mais penosas do ex-presidente e líder socialista). Jerónimo (PC), Louça (Bloco) e Garcia (PCTP) limitaram-se a ocupar espaço de antena mediático.
2001
Cavaco Silva (2,2 milhões de votos, 53%) repete a eleição deixando em 2º um Manuel Alegre envergonhadamente apoiado pelo PS, mas que não foi além dos 832 mil votos, menos que nas anteriores, e dos 19,8%, uma derrota copiosa e exemplar. Esta foi a eleição do madeirense José Manuel Coelho, PTP, que apesar de tudo totalizou 189 mil votos e 4,5%. Na Madeira foi o 2º mais votado com 46 mil votos e 39% a escassa distância de cerca de 6 mil votos de Cavaco que foi o mais votado com 52 mil votos e 44%). As demais figuras da corrida presidencial pouco ou nada diziam aos eleitores, casos de Defensor de Moura, Francisco Lopes (PCP) e Fernando Nobre, o que explica a insignificância residual dos resultados.
2016
A primeira vez de Marcelo Rebelo de Sousa, apoiado pelo PSD e CDS, que somou - muito a custo e envergonhadamente no caso dos social-democratas ainda no traumático pós-legislativas de 2015 e na hesitante e desastrosa gestão política de Passos deste processo presidencial. MRS totalizou 2,4 milhões de votos e 52% dos votos, tendo ficado em 2º lugar o candidato apoiado pelo PS, Sampaio da Nóvoa com cerca de 1 milhão de votos e 22.9%. Uma eleição onde não faltaram candidatos: Maria Matias (Bloco, em 3º com 460 mil votos e 10,1%), Maria de Belém, Paulo Morais, Vitorino Silva (o popular Tino de Raes), Henrique Neto e Jorge Sequeira. E o madeirense Edgar Silva (PCP) que não foi além dos 4% e 183 mil votos - uma derrota para os comunistas por razões que na altura diziam decorrer da colagem do PCP à primeira geringonça). Mas na Madeira Edgar chegou aos 20% e mais de 22 mil votos - mais que o candidato do PS... Embora a uma larga distância de MRS que venceu na RAM com mais de 51% e 58 mil votos.
Eis-nos na segunda parte desta "reinado" presidencial de MRS e sobre isso ninguém sabe o que vai acontecer e ser decidido pelos partidos, já que as legislativas de 2019 deixaram marcas na direita e nas esquerdas (do PS) e as presidenciais de Janeiro de 2021 vão certamente realizar-se já num quadro económico mais concreto do que aquele que hoje temos. E com o OE-2021 já aprovado... (LFM)

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