Neste
regresso à normalidade da vida em Portugal, a política não é, não podia ser, uma
excepção. Mesmo que as prioridades dos portugueses estejam centradas ainda e
sempre no controlo da pandemia, na defesa da sua saúde, e no combate ao medo de
ser contaminado - estudos recentes o mostram claramente - e, mais grave do que
isso, em conhecerem a real dimensão do impacto económico e social desta crise
sanitária, nomeadamente nos rendimentos das pessoas, nos salários, nos
empregos, etc.
O que se passou na Autoeuropa - que ficou colada ao processo
presidencial de 2021 graças ao que Costa ali protagonizou - não foi um acaso e
tem algumas explicações a par de outras potenciais especulações sempre naturais
em situações semelhantes.
Costa, em primeiro lugar, tentou naquele momento desviar as
atenções da opinião pública e dos meios de comunicação social de um caso
incómodo, estranho e escaldante, e que vinha incomodando (o Bloco promete
prolongar esse incómodo, resta saber se com sucesso ou não). Falo do caso BES e
da transferência de 850 milhões de euros, num bolo total superior a 1.000
milhões de euros, que o OE-2020
previa para este ano ao abrigo da envolvência do Estado no chamado Fundo de
Resolução basicamente uma treta, uma manigância legal, arranjada pelo poder político
de Lisboa para salvar bancos da falência, independentemente de terem sido
vítimas de gatunos e corruptos que a justiça lisboeta - tadinha! - não consegue
acusar, muito menos julgar. O costume. Sobre isso um dia destes falaremos...
Mas Costa, consciente de que uma parte muito significativa dos
eleitores naturais do PS, dificilmente deixam de se sentir colados a MRS, jogou
na antecipação e colou o PS, preventiva e cautelosamente a uma recandidatura
presidencial de Marcelo que terá que ser anunciada em Outubro e que Costa e o
PS não apoiaram em 2016.
É um facto que essa colagem do PS a MRS - e os socialistas são
exemplos de graves divisões internas nas presidenciais - desde Salgado
Zenha a Manuel Alegre - que acabaram por fazer mossa nos resultados eleitorais
finais dos candidatos oficialmente apoiados pelo PS - terá neutralizado um
potencial problema político interno que poderia descambar para discussões
agrestes, por pressão da ala mais esquerdista do PS (da qual fazem parte alguns
deputados socialista em São Bento e até ministros deste governo).
Problemas na esquerda...
A posição de Costa, dias depois repetida por Ferro Rodrigues - ou
seja dois dos três vértices do triângulo institucional que tem funcionado
eficazmente - criou dois outros problemas "externos" (ao PS)
complicados. Um à esquerda, que admitia - para além da candidatura
obrigatória do Bloco (Marisa Matias de novo???) e de um candidato próprio do
PCP apenas para conquistar tempo de antena - a possibilidade de uma candidatura
de Ana Gomes, hoje conotada ao PS - apesar de ter começado no MRPP com Durão
Barroso e outros figurões - que desse combate político a MRS-. Ana Gomes,
antiga eurodeputada, e que não esconde as ambições pessoais e política de
uma corridas presidencial, usando para o efeito o espaço de comentário isolado
que possui na SIC Notícias e que lhe dá protagonismo que outros potenciais
candidatos da esquerda não têm, ou seja, repetindo o que MRS andou anos a fazer
na RTP e depois na TVI. Sem o assumir é evidente que Ana Gomes ficou
incomodada, porque dificilmente o PS vai divergir de Costa e das decisões que
tomará em relação a MRS, assim, como dificilmente a agora comentadora
televisiva reunirá apoios no PCP e no Bloco que não me parece estejam dispostos
a prescindir de candidatos próprios, das respectivas áreas políticas.
...e na direita!
Mas a jogada de Costa criou um problema, bem pior, a uma direita,
copiosamente derrotada em Outubro de 2019, nas legislativas, que continua a ter
dificuldades de recuperação e de inversão da tendência política e eleitoral,
isto segundo as sondagens... - que dificilmente ousará arriscar a avançar com
um candidato presidencial incapaz de suster e inverter essa queda eleitoral dos
dois partidos do centro-direita e da direita.
PSD e CDS ficaram "entalados", mais o PSD que o CDS, na
medida em que Rio terá agora que convencer o seu partido a apoiar um candidato
que o PS chamou a si, ao qual se colou na Autoeuropa. O ex-líder do PSD e agora
presidente, que não foi apoiado pelo PS em 2016 - embora muitos eleitores
socialistas votaram em MRS - deverá ter ficado surpreso e incomodado com a
"patifaria" política de Costa na Autoeuropa porque em caso de
recandidatura ele não precisa dos dirigentes do PS para voltar a ser eleito
confortavelmente. Isto porque ele sabe que uma parte significativa e
maioritária do eleitorado do PS, mesmo contando com a fidelidade eleitoral que
pouco funciona em presidenciais, garantiria sempre a MRS o triunfo que precisa.
Só que há agora um problema novo, para MRS, para o PSD e para o
CDS em menor escala.
Vão os eleitores do PSD e do CDS, incomodados com o que durante
anos designaram (e designam) de excessiva cooperação e de colagem de MRS a
Costa - em grande medida devido à amizade existente entre ambos e que começou
muito antes da política e dos lugares que agora ocupam - aceitar o envolvimento
numa espécie de frente presidencialista de apoio a MRS, que em nada
beneficiaria o PSD e o CDS, embora isso pouco ou nada represente para o PS, que
nas sondagens continua folgado num a posição que dispensa qualquer colagem ao
centro-direita e à direita portuguesa?
Tenho dúvidas que muitos dos eleitores do PSD - e pessoalmente
estou à vontade porque nunca votei em Cavaco Silva, não votei em MRS e voltarei
a não o fazer porque recuso disciplina de voto em presidenciais - vão
virar costas a Marcelo e isso pode aumentar as possibilidades de uma
candidatura no centro-direita ou mesmo um projecto mais à direita para travar
as "ameaças" dos projectos mais radicais que serão protagonizados por
um André Ventura do Chega, confiante e animado pela subida em sondagens que o
colocam entre os 6 e os 8%, muito acima dos resultados obtidos nas legislativas
de Outubro do ano passado.
É aqui, na área política não socialista que as grandes dúvidas se
colocam neste momento.
Sectores no CDS, pouco afectos à actual direção - que, diga-se em
abono da verdade, não consegue convencer o eleitorado nem tirar o CDS do fosso
em que se encontra - tentaram ensaiar uma candidatura de Afonso Mesquita Nunes,
um quadro do CDS, de muito valor, respeitado pelas suas opiniões equilibradas,
muito próximo de Portas, ex-secretário de estado do turismo com bom trabalho
realizado, que se afastou da política mais activa há cerca de dois anos para se
dedicar ao mundo empresarial, mas que continua na ser uma voz de referência no
CDS, apesar da actual direção o olhar mais como uma ameaça do que com uma
potencial mais-valia ou aliado para a recuperação política, eleitoral e social
do CDS que as sondagens mostram tardar e estar exactamente em tendência oposta
a essa.
Vai ser muito interessante saber o que PSD e CDS vão fazer, já que
também há no PSD sectores incomodados com a colagem de MRS ao PS e a Costa. O
problema é que o PSD dificilmente encontrará no seu seio uma personalidade
capaz de mobilizar algum eleitorado que em 2016 tenha votado MRS ou nem tenha
votado.
Do mesmo modo acho que vão começar a surgir vozes críticas no PS
alertando Costa para os perigos de um segundo mandato de MRS - os segundos
mandatos presidenciais são sempre olhados com desconfiança por alegadamente
serem potencialmente mais conflituosos porque não há mais lugar a recandidatura
e os inquilinos de Belém ficam mais
"livres" - embora pessoalmente tenha alguma dificuldade,
pelas razões atrás referidas - salvo se alguma hecatombe política o
determinasse - em perspectivar antecipadamente um conflito institucional entre
MRS e Costa. Até pela maneira de ser e pelo porreirismo marcelista...
Resultados
Aproveito para recordar os resultados eleitorais dos presidentes
eleitos:
2001
Jorge Sampaio (2,4 milhões de votos, 55,8% - Ferreira do Amaral do
PSD ficou em 2º com 34,6%)
2006
Cavaco Silva (2,7 milhões de votos, 50,6% - Manuel Alegre ficou em
2º com 20,7% e 1,1 milhões de votos, contra 14,3% e 778 mil votos de Mário
Soares, apoiado pelo PS, que foi 3º numa das derrotas mais penosas do
ex-presidente e líder socialista). Jerónimo (PC), Louça (Bloco) e Garcia
(PCTP) limitaram-se a ocupar espaço de antena mediático.
2001
Cavaco Silva (2,2 milhões de votos, 53%) repete a eleição deixando
em 2º um Manuel Alegre envergonhadamente apoiado pelo PS, mas que não foi além
dos 832 mil votos, menos que nas anteriores, e dos 19,8%, uma derrota copiosa e
exemplar. Esta foi a eleição do madeirense José Manuel Coelho, PTP, que
apesar de tudo totalizou 189 mil votos e 4,5%. Na Madeira foi o 2º mais votado
com 46 mil votos e 39% a escassa distância de cerca de 6 mil votos de Cavaco
que foi o mais votado com 52 mil votos e 44%). As demais figuras da
corrida presidencial pouco ou nada diziam aos eleitores, casos de Defensor de
Moura, Francisco Lopes (PCP) e Fernando Nobre, o que explica a insignificância
residual dos resultados.
2016
A primeira vez de Marcelo Rebelo de Sousa, apoiado pelo PSD e CDS,
que somou - muito a custo e envergonhadamente no caso dos social-democratas
ainda no traumático pós-legislativas de 2015 e na hesitante e desastrosa gestão
política de Passos deste processo presidencial. MRS totalizou 2,4 milhões de
votos e 52% dos votos, tendo ficado em 2º lugar o candidato apoiado pelo PS,
Sampaio da Nóvoa com cerca de 1 milhão de votos e 22.9%. Uma eleição onde não
faltaram candidatos: Maria Matias (Bloco, em 3º com 460 mil votos e 10,1%),
Maria de Belém, Paulo Morais, Vitorino Silva (o popular Tino de Raes), Henrique
Neto e Jorge Sequeira. E o madeirense Edgar Silva (PCP) que não foi além dos 4%
e 183 mil votos - uma derrota para os comunistas por razões que na altura
diziam decorrer da colagem do PCP à primeira geringonça). Mas na Madeira
Edgar chegou aos 20% e mais de 22 mil votos - mais que o candidato do PS...
Embora a uma larga distância de MRS que venceu na RAM com mais de 51% e 58 mil
votos.
Eis-nos na segunda parte desta "reinado" presidencial de
MRS e sobre isso ninguém sabe o que vai acontecer e ser decidido pelos
partidos, já que as legislativas de 2019 deixaram marcas na direita e nas
esquerdas (do PS) e as presidenciais de Janeiro de 2021 vão certamente
realizar-se já num quadro económico mais concreto do que aquele que hoje temos.
E com o OE-2021 já aprovado... (LFM)
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