Peter Huber, relator do acórdão que
considera ilegal o programa de compra de dívida do Banco Central Europeu,
considera que um procedimento de infração instaurado por Bruxelas geraria uma
crise “muito difícil de resolver”. O juiz que redigiu o controverso acórdão do
Tribunal Constitucional alemão contra o programa de compra de dívida do Banco
Central Europeu (BCE) considera que um conflito entre a União Europeia (UE) e
Berlim poderia pôr em perigo todo o projeto europeu. Peter Huber lançou este
aviso numa entrevista ao jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung”.
Na semana passada o Tribunal
Constitucional alemão, com sede em Karlsruhe, decretou que a compra de dívida
de estados-membros – lançada em 2015 pelo italiano Mario Draghi, então
presidente do BCE – violou o quadro constitucional alemão. Embora rejeitasse a
acusação, feita por 1750 alemães, de que o programa infringe a proibição de o
BCE financiar estados-membros, o painel de juízes considerou que houve violação
do princípio da proporcionalidade inscrito no Tratado da UE.
O acórdão alemão refuta uma decisão do
Tribunal de Justiça da União Europeia (TJEU), que em 2018 declarou que o
programa do BCE cumpria as regras. O Constitucional alemão achou isso
“incompreensível” e deu três meses ao BCE, agora dirigido pela francesa
Christine Lagarde, para levar a cabo uma “avaliação da proporcionalidade”. Caso
contrário, afirmam os juízes, a Alemanha não deve participar mais no programa.
A Comissão Europeia não quis comentar a
entrevista de Peter Huber, escreve o “Financial Times”, embora a sua
presidente, a também alemã Ursula von der Leyen, tenha admitido abrir um
procedimento de infração contra o seu país. O juiz afirma na entrevista que
esse gesto “desencadearia uma escalada significativa, empurrando potencialmente
a Alemanha e outros estados-membros para um conflito constitucional que seria
muito difícil de resolver”. Terça-feira Huber explicara ao
“Sueddeutsche Zeitung” que a decisão que subscreveu “pede ao BCE que assuma
responsabilidade pública pelo seu programa de flexibilização quantitativa e que
o explique àqueles que foram negativamente afetados pelo mesmo”. Um recado
“homeopático” de quem “quer que o tribunal supremo da EU faça o seu trabalho
melhor”, e que não justifica as críticas que suscitou. A seu ver a UE “não deve
ver-se como ‘Dona do Universo’”.
O DIFÍCIL EQUILÍBRO DE ANGELA MERKEL
“Uma instituição como o BCE, cuja
legitimidade democrática é escassa, só é aceitável se cumprir estritamente as
responsabilidades que lhe são atribuídas”, afirmou Huber. “O banco central tem
de mostrar que não extravasou os seus poderes, dado que não tem o direito de
tomar medidas apenas porque a Europa está em crise.”
A chanceler Angela Merkel tentou manter o
equilíbrio, expressando ao mesmo tempo respeito pela decisão dos juízes do seu
país e apoio a “uma moeda única forte”. A governante espera que o caso leve a
maior união política na UE. “Terá de haver mais integração e não menos”,
afirmou. Huber reconheceu ter ficado “espantado”
com as críticas ao acórdão alemão, “unilaterais e apaixonadas”. Lembrou que
outros tribunais de estados-membros contestam a primazia do direito comunitário
sobre a legislação nacional de cada um dos 27. A seu ver, “devem estar abertos
à primazia da aplicação do direito europeu, mas também podem estipular
limites”.
Bruxelas tem colidido com países como a
Polónia e a Hungria, tendo já instaurado processos à primeira, em questões
ligadas ao Estado de Direito. Segundo o “Financial Times”, um processo contra a
Alemanha, apesar do risco político, poderia ser útil devido ao “diálogo que
antecede qualquer audiência do Tribunal de Justiça Europeu”. O jornal escreve
que o processo teria “várias fases, desencadeando discussões intensas entre a
Comissão e o estado-membro, com o objetivo de restabelecer diálogo entre o
tribunal de Karlsruhe e o Tribunal de Justiça Europeu”.
Antes da entrevista de Huber, o
juiz-presidente do tribunal federal alemão, Peter Meier-Beck, criticou a
decisão do Constitucional num blogue da Universidade Heinrich Heine, em Düsseldorf,
onde ensina. A seu ver o acórdão de Karlsruhe é “um ataque à União Europeia
enquanto comunidade legalmente constituída”. O eurodeputado alemão Sven
Giegold, dos Verdes, defende que a UE deve mesmo abrir um procedimento de
infração contra Berlim por causa daquela que classifica de decisão “perigosa”,
que põe em risco o euro (Expresso, texto do jornalista Pedro Cordeiro)
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