quinta-feira, maio 14, 2020

Juiz do Constitucional alemão avisa que polémica com BCE pode pôr a UE em risco


Peter Huber, relator do acórdão que considera ilegal o programa de compra de dívida do Banco Central Europeu, considera que um procedimento de infração instaurado por Bruxelas geraria uma crise “muito difícil de resolver”. O juiz que redigiu o controverso acórdão do Tribunal Constitucional alemão contra o programa de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE) considera que um conflito entre a União Europeia (UE) e Berlim poderia pôr em perigo todo o projeto europeu. Peter Huber lançou este aviso numa entrevista ao jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung”.
Na semana passada o Tribunal Constitucional alemão, com sede em Karlsruhe, decretou que a compra de dívida de estados-membros – lançada em 2015 pelo italiano Mario Draghi, então presidente do BCE – violou o quadro constitucional alemão. Embora rejeitasse a acusação, feita por 1750 alemães, de que o programa infringe a proibição de o BCE financiar estados-membros, o painel de juízes considerou que houve violação do princípio da proporcionalidade inscrito no Tratado da UE.

O acórdão alemão refuta uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJEU), que em 2018 declarou que o programa do BCE cumpria as regras. O Constitucional alemão achou isso “incompreensível” e deu três meses ao BCE, agora dirigido pela francesa Christine Lagarde, para levar a cabo uma “avaliação da proporcionalidade”. Caso contrário, afirmam os juízes, a Alemanha não deve participar mais no programa.
A Comissão Europeia não quis comentar a entrevista de Peter Huber, escreve o “Financial Times”, embora a sua presidente, a também alemã Ursula von der Leyen, tenha admitido abrir um procedimento de infração contra o seu país. O juiz afirma na entrevista que esse gesto “desencadearia uma escalada significativa, empurrando potencialmente a Alemanha e outros estados-membros para um conflito constitucional que seria muito difícil de resolver”. Terça-feira Huber explicara ao “Sueddeutsche Zeitung” que a decisão que subscreveu “pede ao BCE que assuma responsabilidade pública pelo seu programa de flexibilização quantitativa e que o explique àqueles que foram negativamente afetados pelo mesmo”. Um recado “homeopático” de quem “quer que o tribunal supremo da EU faça o seu trabalho melhor”, e que não justifica as críticas que suscitou. A seu ver a UE “não deve ver-se como ‘Dona do Universo’”.
O DIFÍCIL EQUILÍBRO DE ANGELA MERKEL
“Uma instituição como o BCE, cuja legitimidade democrática é escassa, só é aceitável se cumprir estritamente as responsabilidades que lhe são atribuídas”, afirmou Huber. “O banco central tem de mostrar que não extravasou os seus poderes, dado que não tem o direito de tomar medidas apenas porque a Europa está em crise.”
A chanceler Angela Merkel tentou manter o equilíbrio, expressando ao mesmo tempo respeito pela decisão dos juízes do seu país e apoio a “uma moeda única forte”. A governante espera que o caso leve a maior união política na UE. “Terá de haver mais integração e não menos”, afirmou. Huber reconheceu ter ficado “espantado” com as críticas ao acórdão alemão, “unilaterais e apaixonadas”. Lembrou que outros tribunais de estados-membros contestam a primazia do direito comunitário sobre a legislação nacional de cada um dos 27. A seu ver, “devem estar abertos à primazia da aplicação do direito europeu, mas também podem estipular limites”.
Bruxelas tem colidido com países como a Polónia e a Hungria, tendo já instaurado processos à primeira, em questões ligadas ao Estado de Direito. Segundo o “Financial Times”, um processo contra a Alemanha, apesar do risco político, poderia ser útil devido ao “diálogo que antecede qualquer audiência do Tribunal de Justiça Europeu”. O jornal escreve que o processo teria “várias fases, desencadeando discussões intensas entre a Comissão e o estado-membro, com o objetivo de restabelecer diálogo entre o tribunal de Karlsruhe e o Tribunal de Justiça Europeu”.
Antes da entrevista de Huber, o juiz-presidente do tribunal federal alemão, Peter Meier-Beck, criticou a decisão do Constitucional num blogue da Universidade Heinrich Heine, em Düsseldorf, onde ensina. A seu ver o acórdão de Karlsruhe é “um ataque à União Europeia enquanto comunidade legalmente constituída”. O eurodeputado alemão Sven Giegold, dos Verdes, defende que a UE deve mesmo abrir um procedimento de infração contra Berlim por causa daquela que classifica de decisão “perigosa”, que põe em risco o euro (Expresso, texto do jornalista Pedro Cordeiro)

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