sexta-feira, dezembro 06, 2019

Justiça: Rui Rangel é o terceiro juiz a ser demitido em 16 anos

O magistrado que está a ser investigado na Operação Lex é, no entanto, o primeiro juiz a ser demitido por indícios de receber dinheiro em troca de decisões judiciais favoráveis. É o segundo juiz desembargador a ser expulso da magistratura. Rui Rangel é o terceiro juiz a ser demitido da magistratura desde 2004. Entre esse ano e dezembro de 2019, apenas outros dois juízes foram expulsos da profissão com a mais grave sanção disciplinar imposta pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais: a demissão. O caso do até aqui juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa tem várias particularidades: é o primeiro juiz a ser demitido da magistratura por fortes indícios de receber dinheiro em troca da sua alegada influência em decisões judiciais favoráveis a esses “clientes”; e é apenas o segundo juiz desembargador a ser sancionado com esta pena disciplinar mais grave. A maioria dos membros do Conselho Superior da Magistratura – houve apenas um voto de vencido do juiz Cardoso da Costa – concluiu esta terça-feira, 3 de setembro, que estavam dadas como provadas as provas recolhidas por um inspector judicial (neste caso conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça) num relatório disciplinar, e seguidamente vertidas para uma proposta de acórdão, já depois de o juiz Rui Rangel ter tido a oportunidade de se defender perante os membros do órgão disciplinar.

De acordo com informações recolhidas pela VISÃO, o inspector judicial que conduziu o processo disciplinar terá tido acesso a uma parte dos indícios recolhidos no processo-crime que corre no Supremo Tribunal de Justiça (Operação Lex) e terá chegado à conclusão de que Rui Rangel terá violado de forma grave as suas funções, razão pela qual propôs a sua demissão. A maioria dos membros do Conselho Superior da Magistratura concordou e decidiu aplicar a pena disciplinar “que está reservada aos casos de uma gravidade extrema”, lembra um antigo membro do órgão disciplinar dos juízes, que acrescenta não se lembrar de outro caso de demissão “por suspeitas tão graves e relacionadas com o exercício de funções”.
Recorde-se que o Ministério Público, como a VISÃO revelou em fevereiro de 2018, recolheu escutas, emails e movimentos bancários que indiciam que Rangel terá recebido de pelo menos 16 clientes – entre eles, o ex-empresário de futebolistas José Veiga – pelo menos 900 mil euros. O juiz desembargador foi constituído arguido por tráfico de influência e branqueamento de capitais por fortes suspeitas de ter recebido milhares de euros através da promessa de decisões judiciais favoráveis, mas a investigação revela ainda indícios de negócios lucrativos paralelos à sua carreira de juiz. 
Em 2016, o juiz de direito Miguel Fernandes foi demitido de funções pelo Conselho Superior da Magistratura. Em 2017, o órgão de disciplina dos magistrados judiciais aplicou a mesma sanção a Joana Salinas, ex-juíza desembargadora que foi condenada num processo-crime a dois anos e meio de prisão (com pena suspensa) por ter usado dinheiro da Cruz Vermelha para pagar a advogados para lhe redigirem os acórdãos que assinava no Tribunal da Relação do Porto. Ao que a VISÃO apurou, nos últimos anos houve apenas mais um caso de um juiz a quem foi aplicada a pena de demissão pelo Conselho Superior da Magistratura, mas essa pena foi depois revertida, em sede de recurso, pela secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, e atualizada para a segunda sanção disciplinar mais grave: a aposentação compulsiva.
A aposentação compulsiva foi, aliás, a pena disciplinar aplicada esta terça-feira à juíza Fátima Galante, ex-mulher de Rui Rangel, e também constituída arguida na Operação Lex por alegadamente ser cúmplice do juiz e o ter ajudado a dissipar património. De acordo com informações já divulgadas pela VISÃO em 2018, o processo mostra que a juíza, que só não entrou nos quadros do Supremo Tribunal de Justiça como juíza conselheira porque foi suspensa de funções na sequência do processo-crime, terá ajudado o juiz desembargador a redigir acórdãos que eram assinados por Rangel.
Neste caso, de 2004 a 2018 (os dados de 2019 ainda não são conhecidos) 23 juízes foram sancionados com esta aposentação compulsiva pelo Conselho Superior da Magistratura, cinco deles entre 1 de setembro de 2015 e 31 de agosto de 2016.
Os juízes são sancionados disciplinarmente por violação dos deveres profissionais ou por atos cometidos na sua vida pública que sejam incompatíveis “com a dignididade indispensável ao exercício das suas funções”. No caso da aposentação compulsiva e da demissão – as duas penas mais graves de sete possíveis – estas sanções aplicam-se sempre que fique provado que um juiz revela “definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função”, “inaptidão profissional”, “falta de honestidade ou conduta imoral ou desonrosa” ou “tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes”.
Embora, na prática, ambas as sanções tenham repercussões semelhantes – em ambos os casos, o juiz deixa de exercer funções e passa a receber a pensão correspondente aos anos de serviço -, é extremamente raro um juiz ser expulso da magistratura em Portugal. E ainda mais raro ser expulso quando um processo-crime ainda está a decorrer. Esse foi, aliás, o argumento usado pelo juiz Cardoso da Costa no único voto de vencido do acórdão que condenou Rui Rangel ao afastamento definitivo da magistratura judicial.
Segundo fontes ouvidas pela VISÃO, esta decisão só foi tomada porque as provas recolhidas no processo disciplinar “não deixavam margem para dúvidas” de que Rui Rangel não reunia as condições de isenção e honestidade fundamentais para continuar a exercer as funções de juiz. Foi também essa a razão que levou o Conselho Superior da Magistratura a não querer aguardar pelo desfecho do processo-crime, ao contrário do que é habitual, depois de o regresso de Rui Rangel ao Tribunal da Relação de Lisboa, há uns meses, ter causado um grande incómodo na magistratura por se tratar do caso de um juiz que era suspeito de crimes económico-financeiros mas continuava a tomar decisões judiciais em processos-crime.
“Ninguém percebia como é que alguém com estas suspeitas podia continuar a julgar. Não havendo possibilidade de continuar suspenso de funções porque o prazo tinha esgotado, era preciso mostrar aos cidadãos que o sistema está a funcionar”, diz uma fonte ligada ao processo. Recorde-se que Rangel esteve suspenso de funções depois de ser constituído arguido e interrogado pelo juiz Pires da Graça, no Supremo Tribunal de Justiça, mas regressou ao tribunal logo que esgotado o prazo máximo previsto na lei para a suspensão dos magistrados judiciais. O mesmo aconteceu com Fátima Galante. Rui Rangel está a ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça desde setembro de 2016 e foi detido para interrogatório apenas em janeiro de 2018. Esse processo-crime continua a decorrer sem que sejam conhecidas mais diligências (Visão)

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