A
proposta do Orçamento do Estado que o Governo apresentou para 2020 poderia ter
ido mais longe no apoio às famílias, segundo afirma a DECO. Só as famílias com
bebés poupam uns magros 174 euros no IRS. Eis as principais medidas com impacto
fiscal que mereceram a análise da DECO:
1.
Escalões de IRS: afinal, poder de compra vai diminuir
A
actualização de 0,3% prevista nas tabelas de cálculo do IRS para 2020 aparenta
uma possível poupança para as famílias, já que os patamares a partir dos quais
sobem de escalão são revistos em alta. O primeiro escalão, por exemplo, é
sujeito actualmente a uma taxa de 14,5% nos rendimentos colectáveis superiores
a 7091 euros anuais, mas a partir de 2020 só deverá sujeitar à mesma taxa os
rendimentos anuais superiores a 7112 euros. E a mesma lógica é replicada nos
restantes escalões de IRS, o que, em teoria, representaria um desagravamento
fiscal. No entanto, as projecções conhecidas para a inflacção em 2020 rondam
1%, o que significa que o custo de vida deverá subir na mesma proporção. A
confirmarem-se tais projecções, a folga fiscal anunciada na proposta do
Orçamento do Estado irá esbater-se na vida real e traduzir-se até numa redução
do poder de compra das famílias. Depois
de terem sido criadas expectativas de desagravamento fiscal para a chamada
classe média, já em 2020, a proposta de Orçamento do Estado agora conhecida
contraria as mensagens anunciadas pelo executivo de António Costa;
2.
Crianças até três anos: benefício para poucos
Chegou
a pensar-se que era preciso ter dois filhos com idades inferiores a 3 anos para
beneficiar da medida anunciada, mas o Governo já esclareceu que o objectivo é
beneficiar as famílias com dois ou mais filhos, em que um deles tenha menos de
3 anos a 31 de Dezembro do ano a que dizem respeito os rendimentos declarados
no IRS.
E
de que benefício se trata? Actualmente, cada agregado tem direito a uma dedução
automática de 600 euros por cada dependente, que o Fisco majorava em 126 euros
nas crianças até 3 anos. O que o Orçamento do Estado agora propõe é que essa
majoração suba para 300 euros. A confirmar-se a medida, as famílias com
crianças de idade inferior a 3 anos poupam, anualmente, 174 euros no IRS. Num
país onde a média de filhos por família é inferior a dois, seria de esperar uma
medida mais robusta para estimular a natalidade em Portugal. Naturalmente que
essa medida deverá ir muito além do plano fiscal, cruzando medidas de âmbito
laboral e educacional que se traduzam em verdadeiras políticas de equilíbrio de
vida profissional e familiar.
3.
Alojamento local: proprietários cada vez mais castigados
Quando
foi criado o regime fiscal do alojamento local, os proprietários foram
incentivados a abrirem actividade de categoria B, com o estímulo de uma
tributação reduzida, que incidia apenas sobre 15% dos rendimentos líquidos
obtidos. Discretamente, essa percentagem subiu para 35% em 2017 e, a
confirmar-se a proposta de Orçamento do Estado, volta a subir em 2020, agora
para 50% nas chamadas zonas de contenção, definidas por cada autarquia. Em
Lisboa, por exemplo, esta medida irá abranger os alojamentos locais situados no
Bairro Alto, Madragoa, Castelo, Alfama, Mouraria, Colina de Santana e Baixa,
Eixos das avenidas da Liberdade, República e Almirante Reis, Graça e zona
envolvente à Avenida Almirante Reis – Bairro das Colónias. Nos restantes casos,
a tributação continua a incidir sobre 35% dos rendimentos líquidos obtidos com
a actividade de alojamento local. Grande desilusão para os proprietários foi a
mudança no regime de tributação de mais-valias, que, até agora, obrigava ao
pagamento de mais-valias da categoria B sobre a valorização da casa no período
em que esteve afecta a alojamento local. A proposta de Orçamento do Estado
acaba com essa mais-valia desde que o imóvel seja imediatamente disponibilizado
para arrendamento e assim permaneça durante, pelo menos, cinco anos. Ou seja,
se o proprietário precisar de habitar a casa, continuará a pagar mais-valias da
categoria B. Isso significa que 95% da valorização obtida pelo imóvel entre a
data em que ficou afecto a alojamento local e a data em que foi desafectado e
regressou ao património pessoal do proprietário será adicionado aos rendimentos
do contribuinte e sujeito ao pagamento de IRS no ano em que a casa for vendida.
Nessa altura, o imóvel deverá pagar mais-valias que resultam de uma soma de
três parcelas:
-
a primeira é uma mais-valia da categoria G, que adiciona aos rendimentos do
proprietário 50% da eventual valorização do imóvel desde a data da sua
aquisição até à data em que foi afeto a alojamento local;
-
a segunda é uma mais-valia da categoria B, que adiciona aos rendimentos do
proprietário 95% da eventual valorização do imóvel desde a data da afetação a
alojamento local até à data da sua desafetação e regresso ao património pessoal
do proprietário;
-
a terceira é uma mais-valia da categoria G, que adiciona aos rendimentos do
proprietário 50% da eventual valorização do imóvel desde a data da desafectação
a alojamento local até à data da venda.
A
confirmar-se a proposta do Orçamento do Estado, os proprietários que pretendam
abandonar a actividade de alojamento local terão de efectuar cálculos rigorosos
de eventuais mais-valias a pagar e do custo de transferirem o seu imóvel para o
mercado de arrendamento tradicional. Para beneficiarem da isenção de
mais-valias da categoria B agora anunciada, não terão outra alternativa que não
seja a disponibilização do imóvel no mercado de arrendamento durante, pelo
menos, cinco anos;
4.
Financiamento colaborativo: retenção obrigatória de 28 por cento
A
proposta de Orçamento do Estado para 2020 prevê que todos os rendimentos
provenientes de aplicações em plataformas de financiamento colaborativo, como
aquelas de crowdlending, passam a estar sujeitas ao mesmo regime de tributação
que os rendimentos de capitais. Na prática, isto significa que as entidades
pagadoras passam a ser obrigadas a reter 28% dos rendimentos dos participantes.
Faz todo o sentido que assim seja. Aliás, há já muito tempo que esta situação
está prevista na legislação de alguns países onde estas formas de investimento
são comuns. Uma vez que se trata de um investimento com retorno, é aceitável
que seja encarado, do ponto de vista fiscal, como qualquer outra aplicação de
capitais;
5.
IMT: agravamento para casas mais caras
Só
as casas compradas por preços superiores a 1 milhão de euros sofrem um
agravamento do imposto municipal sobre as transacções (IMT), pago no momento da
aquisição. Ao invés da taxa máxima de 6%, em vigor actualmente, a proposta de
Orçamento do Estado para 2020 prevê a aplicação a estes imóveis de uma taxa de
7,5% de IMT. Assim, um imóvel com um valor de 1,1 milhões de euros, por exemplo
passa a pagar 82 500 euros de IMT, em vez dos actuais 66 mil euros. Para os
restantes imóveis, não há alterações no imposto a pagar;
6.
Fim da isenção de IMI nas zonas históricas
A
proposta de Orçamento do Estado para 2020 tenciona pôr fim às isenções de
imposto municipal sobre imóveis (IMI) nas chamadas zonas históricas. A
confirmar-se, 2020 poderá ser o ano do ponto final nos conflitos judiciais que
se avolumavam nos tribunais portugueses sobre alegadas isenções que a
Autoridade Tributária não reconhecia;
7.
Tabaco e refrigerantes penalizados
O
imposto especial sobre o consumo (IEC) aplicado às bebidas com elevado teor de
açúcar volta a subir em 2020, caso seja aprovada a proposta de Orçamento do
Estado. O aumento varia entre 0,25% e 0,3%, consoante a quantidade de açúcar
presente em cada 100 litros da bebida.O tabaco sofre também um agravamento
fiscal, na ordem dos 0,3%, mas que se acentua para os cigarros electrónicos e
tabaco aquecido, onde a carga fiscal sobe 3,2 por cento;
8.
Crédito ao consumo: imposto de selo continua a subir
A
confirmar-se a proposta de Orçamento do Estado, 2020 volta a registar um
aumento das taxas de imposto de selo aplicadas no crédito, especialmente no
crédito ao consumo. O aumento varia em função da duração dos empréstimos. Nos
créditos com prazo inferior a um ano, por exemplo, o imposto de selo sobe dos
actuais 0,128% para 0,141% por cada mês ou fracção;
9.
Carro novo mais caro
Apesar
de a proposta de Orçamento do Estado prever uma actualização das tabelas de
imposto único de circulação (IUC) e imposto sobre os veículos (ISV) na ordem
dos 0,3%, a verdade é que o preço-base dos veículos, sobre o qual incide o
imposto, vai ser agravado. Isto porque há novos métodos de calculo de emissões
de CO2 produzidas pelos veículos, que aumentará o valor a pagar. Em muitos
casos, o mesmo carro, com o mesmo motor, acaba mesmo por subir de escalão nas
tabelas de imposto e suportar maior carga fiscal;
10.
Electricidade: IVA mais baixo para quem consome menos
O
Governo pretende criar escalões de consumo de eletricidade e manifesta, na
proposta de Orçamento do Estado, a intenção de pedir a Bruxelas para cobrar IVA
mais baixo a quem consumir menos eletricidade. À cabeça, podem ficar
prejudicadas as famílias mais numerosas. No entanto, quando, em 2011, o IVA da
energia doméstica aumentou de 6% para 23%, a subida foi para todos os
consumidores em todos os componentes da factura. Esta é só uma das razões pela
qual a proposta de Orçamento do Estado para 2020 desilude em matéria
energética. Continuamos a defender que seria mais justo taxar um serviço
público essencial como tal, ou seja, taxa mínima do IVA. Lamentamos constatar
que esta proposta mistura novamente os conceitos de potência contratada e
consumo, com utilização de adjectivação vaga como “potência contratada de baixo
consumo” ou “consumos excessivos de electricidade”. Uma potência contratada mais
elevada é necessária para que seja possível o funcionamento simultâneo de
vários aparelhos, o que não é sinónimo directo de menor eficiência. Ainda que o
consumo possa ser superior, o que deve ser ponderado é se o mesmo é a solução
mais eficiente para as necessidades energéticas das famílias. Gás natural, gás
engarrafado e gás canalizado não são sequer abrangidos por qualquer alteração
na taxa de IVA. Existe uma discriminação entre serviços públicos essenciais de
energia e agrava-se a factura do País para os consumidores que estão
dependentes do gás. Invocar razões de impacto ambiental para manter a taxa de
IVA máxima para consumos mais elevados de electricidade é inconsistente com a
anunciada necessidade de uma transição energética, bem patente no plano do
“Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050”. Esta passa, indiscutivelmente,
pela electrificação, que obrigará sempre a maiores consumos de electricidade. Vejamos
um exemplo: para usar uma placa de indução, que é o equipamento mais eficiente
para cozinhar, um consumidor tem mesmo de abdicar dos 3,45 kVA de potência
contratado. Bastaria usar dois focos ligados à potência máxima para a placa
consumir 3,6 kW de electricidade. Logo, baixar a potência contratada impediria
o uso deste equipamento, o que não é, necessariamente, sinónimo de eficiência
energética. O mesmo raciocínio aplica-se à utilização de carro eléctrico,
defendida pelo Governo em teoria, mas penalizada, na prática, com esta
proposta. Para carregar um veículo eléctrico em casa, são necessários, pelo
menos, 3,5 kW de electricidade. A potência mínima seria sempre insuficiente. A
energia doméstica é um serviço público essencial e, por isso, há muito que a
DECO reinvindica que não deve ser taxada a 23 por cento. Exige, por isso, o IVA
reduzido em todas as energias domésticas, em todos os componentes da factura e
para todos os consumidores (Executive Digest com DECO)
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