Maduro quis culpar comerciantes portugueses pelo fiasco da sua reforma
monetária, abrindo a maior crise de que há memória entre Portugal e a
Venezuela. Governo de António Costa foi rápido a reagir. “Um grupo de supermercados escondeu os
produtos às pessoas e começou a cobrar-lhes o preço que lhes apeteceu. Estão
atrás das grades por violarem a lei.” A arenga de Nicolás Maduro, numa emissão
obrigatória para todas as cadeias de televisão e de rádio, abriu a maior crise
de que há memória entre Portugal e a Venezuela, mais profunda do que a do Natal
de 2017 por causa da carne de pernil de porco, desaparecida no Atlântico porque
“os gringos assustaram-nos e eles [os portugueses] não mandaram a carne”, segundo
o Presidente venezuelano. Meia centena de gerentes e subgerentes de
supermercados de emigrantes portugueses ficaram detidos cinco dias, acusados de
boicote à Lei dos Preços Justos. Pelo menos dez eram de nacionalidade
portuguesa, ameaçados com penas de prisão de 10 a 12 anos e tempo incerto em
prisão preventiva, como já sucedeu com dirigentes da banca, de empresas de
cartões de crédito e de casas de câmbio.
Ciente do perigo que impendia sobre os acusados, o Governo de Lisboa
reagiu de imediato e traçou uma linha vermelha a Caracas. A pressão foi eficaz:
todos os detidos foram libertados, esta semana, com medidas cautelares:
proibição de saída do país, apresentação a cada 8 ou 30 dias e nada de declarações
à imprensa (que, em todo o caso, não tinham vontade de prestar). Entre os
libertados estão gerentes conhecidos no leste de Caracas, como Giotto
Hernández, à frente do supermercado Excelsior Gamma de los Palos Grandes, e os
encarregados da famosa Central Madeirense, que tem uma sede na capital nas
instalações do Instituto de Previdência Social das Forças Armadas.
“Todos estão bem, nas suas casas,
a descansar uns dias antes de regressarem aos seus empregos”, confirmou ao
Expresso Fernando Campos, conselheiro da comunidade portuguesa na Venezuela.
Escassos dias antes, segunda-feira, um juiz solicitou o encarceramento de três
dos acusados, vituperados pelos sectores radicais do chavismo como traidores à
pátria, tornados bode expiatório perfeito no âmbito da maior crise económica,
social, política e humanitária de que há memória na América do Sul. O ministro
dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva reuniu-se com o homólogo Jorge
Arreaza, a quem advertiu de que haveria “consequências nas relações
bilaterais”. A clareza da mensagem corrigiu a estratégia dos juízes, que
passadas 24 horas optaram pela liberdade condicional dos gerentes. A comunidade
portuguesa na Venezuela — cerca de 800 mil pessoas de primeira, segunda e
terceira geração — respirou mais tranquila, mas só de momento: sabem que a
espada de Dâmocles está sempre vigilante. “Tudo isto nos causa a maior
preocupação, estamos desconcertados. A comunidade trabalha duramente, dando a
cara, mantendo abertos supermercados, lojas e padarias apesar de a situação
económica não ser a melhor. Este tipo de controlo não é a melhor forma de
trabalhar”, explica Campos ao Expresso. Para entender a minicrise é
imprescindível conhecer o momento que se vive na Venezuela. O Programa de
Recuperação, Crescimento e Prosperidade Económica lançado por Maduro há cinco
semanas incluía uma reconversão monetária, acompanhada pela nova desvalorização
da moeda mais castigada do planeta. Basta contemplar a nova nota de 500
bolívares soberanos (caso se tenha a sorte de a encontrar num país que mantém
escasso dinheiro em circulação). Há pouco mais de uma década, antes das
desvalorizações empreendidas por Hugo Chávez e Maduro, ela equivalia a 50 mil
milhões dos antigos bolívares.
O Governo pretende conter a hiperinflação impondo preços baixos que
geram perdas imediatas para produtores e vendedores. “As ações do Executivo
para pressionar o sector comercial não produzem melhorias no abastecimento,
pelo contrário”, explica o economista Luis Vicente León, presidente do instituto
Datanálisis, que insiste em que “prejuízos relevantes provocam uma reação
natural: as pessoas protegem-se reduzindo as encomendas e mantendo em mínimos
os produtos nas prateleiras”. A pressão é tal que em Yaracuy, estado produtor
da zona raiana, estão previstas penas de 14 a 18 anos para quem for apanhado a
levar queijo ou pão para lá das fronteiras estaduais. A propaganda nos media
estatais censura os comerciantes, pelo que a libertação dos gerentes provocou a
repulsa dos mais radicais. “Vão deixar que roubem o povo?”, queixou-se o
dirigente bolivariano Giancarlo Di Martino. O Governo revolucionário preferiu
encerrar esta frente, pois não consegue lidar com a vertiginosa investida
internacional, que em poucos dias somou censuras nunca vistas. Primeiro foi a
denúncia perante o Tribunal Penal Internacional, quarta-feira, por violações de
direitos humanos e as execuções extrajudiciais; depois, a dura resolução de
quinta-feira sobre a crise humanitária no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A Venezuela enviou tropas para a fronteira após acusar a Colômbia (e diplomatas
chilenos e mexicanos) de estarem por detrás de um suposto atentado com drones
contra Maduro, em agosto (Expresso)
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