quarta-feira, maio 14, 2014

Adeus aos 24 anos (Igor): largou as chuteiras para agarrar a vida



Púrpura Trombocitopénica obrigou Igor Pita a anunciar a reforma antecipada; fez a estreia na Liga em 2007, foi internacional sub-21 e quer continuar ligado à modalidade.
Igor Pita fez a sua estreia na Liga com apenas 18 anos, em 2007. Promessa do Nacional da Madeira, chegou à seleção nacional de sub-21. Entretanto, rumou ao continente e foi campeão da Liga de Honra pelo Beira Mar. Tinha um futuro radiante à sua espera. Porém, tudo mudou.
A certa altura, o jovem percebeu que teria de abandonar o futebol para preservar a sua vida. No ano passado, foi parar ao hospital e – após uma interminável bateria de exames – ouviu o diagnóstico que motivou a reforma precoce: Púrpura Trombocitopénica.
O lateral esquerdo tinha assinado contrato com o União da Madeira em junho de 2013 mas não chegou a iniciar a temporada.
A doença sanguínea, que provoca uma grande redução do nível de plaquetas, justificou o adeus aos relvados com apenas 24 anos.
«Foi como uma seta no coração mas tenho a consciência que podia ter sido mais grave. Aquele período em que não sabia o diagnóstico foi horrível. Felizmente, a minha família ajudou-me bastante. Foi difícil terminar a carreira mas explicaram-me que uma pancada em treinos ou jogos podia causar uma hemorragia e aí podia ser trágico.» 
A carreira profissional terminou abruptamente. Mas essa nem foi a pior notícia para Igor Pita. O ex-jogador faz uma confissão tocante ao Maisfutebol.
«Eu sei que o futebol profissional ia terminar de qualquer forma. Fossem mais dez anos, mas ia terminar. Mas sabe o que me custa mesmo? Estarem a chegar as férias e saber que não posso jogar com os amigos como fazia. Que não posso mesmo participar em jogos, nem a brincar, porque corro riscos. É o que mais gosto de fazer e não é fácil imaginar-me sem isso.»
Igor aprendeu a viver para o futebol e, depois de pendurar as chuteiras precocemente, pretende continuar ligado à modalidade. Nesta altura, aliás, abre-se uma boa perspetiva para o seu futuro imediato.
«Espero que continuem a ouvir falar de mim, agora do outro lado. Seja na formação ou em outras funções, quero ficar ligado ao futebol. É o que sei fazer. Vou também adquirir conhecimentos e formar-me para dar um contributo válido.»
A estreia e o primeiro sinal em 2007
Natural da Camacha, Igor Pita fez a sua estreia pela equipa sénior do Nacional a 27 de outubro de 2007. O irmão Pedro também representava a formação insular. O primeiro jogo foi um teste de fogo: surgiu no onze para a receção ao Sporting (0-0). 
«Tinha 18 anos e é um momento que guardarei para sempre na memória. Foi um dos marcos na carreira. Para além disso, fui internacional por Portugal entre os sub-18 e os sub-21. Ouvir o hino nacional e vestir aquela camisola também é algo inesquecível»
Curiosamente, os primeiros indícios sobre o seu problema surgiram nessa altura.
«A primeira vez que detetaram um número de plaquetas baixo foi também em 2007. Mas a verdade é que nunca, em nenhum clube, me disseram nada sobre o assunto, me disseram que podia ser algo grave. Continuei a jogar como se nada fosse.»
Na época seguinte, Igor fez uma dezena de jogos pelo Nacional e chegou à seleção de esperanças de Portugal. Cinco internacionalizações em 2009, a última das quais frente a Angola. Nessa equipa das Quinas estava Fábio Faria, outro jogador que teve de abandonar a carreira devido a problemas de saúde.
O único título em Aveiro com Leonardo Jardim
O promissor lateral deixou a Madeira e rumou a Aveiro por empréstimo do Nacional. No Beira Mar, com Leonardo Jardim, fez trinta jogos entre todas as competições e contribuiu para o título da Liga de Honra, o único na sua carreira sénior.
«Foi um ano fantástico, com um grande grupo que superou muitos problemas, como ordenados em atraso. Eu já conhecia o Leonardo Jardim, já que sou da Camacha e era iniciado do clube quando ele era o treinador. Desde essa altura que percebi o seu valor e o que fez no Sporting não me surpreende. Era uma questão de tempo.»
Mais uma infeliz coincidência. Nesse plantel estava Bruno Conceição, guarda-redes que luta aos 32 anos contra um mieloma múltiplo.
O passo em falso no caminho para o fim
Em 2010, Igor Pita terminou contrato com o Nacional da Madeira. O Beira Mar não garantiu o jogador em definitivo e este rumou ao Chipre, aceitando o convite do Doxa. Um passo em falso na carreira.
«Correu tudo mal. Tive três roturas e não fui bem tratado. Aquilo lá era tudo amador. Infelizmente, foi mesmo um passo em falso. Não me adaptei e decidi que tinha de sair dali. Tinha 21 anos e não queria desaparecer.»
Igor assinou com contrato de dois anos e meio com o Marítimo. Regressou à Madeira para dar um novo impulso à sua carreira.
«Como o Marítimo B estava na II Divisão, fui emprestado ao Belenenses. Fiz uma boa época, o Marítimo B subiu entretanto e voltei para me afirmar e poder ser chamado à equipa principal. Tudo corria bem até à receção ao FC Porto.»
A 3 de novembro de 2012, sem o saber, Igor Pita fez o último jogo da sua carreira profissional.
«Fiz uma rotura de ligamentos e tive de ser operado. Entretanto, no início de junho de 2013, assinei contrato com o União da Madeira. Pouco depois, estava no hospital para acompanhar o nascimento do meu segundo filho e senti-me mal. Fui internado com uma infeção mas acabei nessa altura por descobrir o que realmente se passava comigo.»
O jovem tinha um número de plaquetas extremamente reduzido - «quando fui internado, devia ter 150 mil e tinha apenas 20 mil» - e, após várias semanas de análises, percebeu a verdadeira extensão do problema.
«Vários especialistas disseram-me que não podia jogar mais futebol. Aliás, disseram-me que nunca devia ter sido jogador, que foi uma situação de grande risco!»
O futuro com a família, os livros e novos horizontes
Igor Pita teve de aceitar esse destino. Felizmente, as análises realizadas pelos pais e o irmão nada detetaram.
«As análises aos meus genes também não detetaram nada, portanto é muito difícil que os meus filhos venham a ter o mesmo problema. Isso são as boas notícias. Para além disso, não tenho qualquer tipo de sintoma. Posso ter uma vida normal, desde que me cuide e vá ao hospital de seis em seis meses para monitorizar os níveis.»
Aos 24 anos, encara o futuro como ex-jogador de futebol. A reforma antecipada permite um contacto mais regular com a família.
Sem baixar os braços, Igor pensa já no passo seguinte. Projetos não faltam e o esquerdino quer vencer em novas funções.
«Já me estive a informar para completar o 12º ano e daí seguir para o ensino superior na área do desporto. Quero aprender, evoluir e ficar ligado ao futebol de outra forma. Só me vejo a fazer isso. Fico triste por a carreira ter acabado tão cedo mas tenho um orgulho muito grande pelo que consegui em poucos anos. Foi lindo enquanto durou.» (texto do jornalista do Mais Futebol, Vitor Hugo Alvarenga, com a devida vénia)