1 - O ministro das finanças afirmou recentemente na
Assembleia da República que "a crise que Portugal enfrenta é uma crise
financeira. Estas crises são felizmente raras. Ocorrem tipicamente no fim de um
período longo de expansão de despesa financiado a crédito. As recessões
económicas são mais profundas e as recuperações económicas são mais demoradas
do que em condições cíclicas normais. Estes padrões são acentuados no caso de
crises financeiras internacionais. Quem nega estes factos básicos engana e
ilude os portugueses". A que se junta a habitual dramatização de um
ministro falhado: "Se abandonarmos o rumo traçado para chegar a bom
porto ficaremos inevitavelmente à deriva, numa tempestade de perigos e sem
perspectiva de auxílio". Lembro que por iniciativa do próprio governo,
que não quer mais tempo ou mais dinheiro - mas não sabe se isso vai ou não
acontecer - este programa de ajustamento financeiro terminará na data prevista,
Junho de 2014 e com o envelope financeiro acordado de 78 mil milhões de euros.
Até aqui nada de novo.
Estamos perante mais uma descarada hipocrisia, estas declarações
de Gaspar, sobretudo quando tenta "justificar" o pedido de mais tempo
para que o país cumpra o défice orçamental. Uma dessas
"justificações" apresentadas pelo ministro tem a ver com o apartado e
exigente calendário de amortizações (pagamentos) da nossa dívida, tentando
Gaspar, mais uma vez, distrair as pessoas, tomando-as a todas por tontos, como
disse Marques Mendes. Afinal, esse calendário de pagamentos da nossa dívida até
2042 estava ou não há muito definido e constava ou não do memorando de
entendimento de 2011 tão elogiado pelo cobrador de impostos? O que é que mudou,
a este nível, entre o que estava previsto em Maio de 2011, quando foi assinado
o memorando de entendimento, e Março de 2013 quando Portugal pediu mais tempo?
Rigorosamente nada. Os problemas são outros, têm a ver com o falhanço das
previsões, das opções e com a criminosa da ideologia política subjacente à
austeridade.
A tese governamental, que provavelmente constará de rasurados
manuais da propaganda, ao que consta também distribuídos a outras personagens
da maioria, tem sido esta: tínhamos que ganhar credibilidade (?) externa, pouco
importa se apertando o pescoço aos cidadãos e ao país, nem que fosse à custa de
mais desempregados, mais exclusão social, mais pobreza, mais emigração, etc,
porque só depois disso teríamos condições para irmos de mão estendida pedir
mais tolerância aos nossos credores.
Pergunta-se: mas porque é que isso não foi feito mais cedo? Os
nossos credores querem ou não receber o que lhes devemos? E têm garantias de
que receberão o que lhes devemos se nos transformarem (como está a acontecer) num
país deprimido e em recessão? Ou não receberão mais facilmente o que lhes
devemos se formos um país com uma austeridade mais moderada, economicamente
capaz de crescer, mesmo que lentamente, e com uma população mobilizada,
confiante e que tenha poder de compra para movimentar a economia interna?
2 - Há uma
questão que me faz alguma "confusão": afinal, qual foi o memorando de
entendimento que "foi a eleições" em Junho de 2011? O
memorando original, negociado pelos socialistas, ou a versão desse memorando
sucessivamente alterada e agravada na sua austeridade, ao longo de sete
avaliações já realizadas? Este
governo abusivamente fala do memorando de entendimento como se ele tivesse sido
sufragado. Não foi sufragado coisa nenhuma e quem disser o contrário é um
escroque mentiroso e desonesto. O governo devia explicar ao povo o que é que a
tróica e o memorando de entendimento de Maio de 2011 tem a ver os anunciados
cortes da despesa pública em pelo menos 4 mil milhões de euros, mas que todos
percebemos que deverão ultrapassar os 10 mil milhões de euros até 2015? Onde é
que desse memorando de entendimento negociado e assinado pelos socialistas e
por Sócrates mas que contou com a conivência e a cumplicidade do PSD e do CDS,
consta qualquer referência a esses cortes no chamado estado social (educação,
saúde, segurança e segurança social)? Não há explicações a dar às pessoas? Se
se trata de uma opção política do governo de coligação (continuo a achar que
esta matéria devia ser amplamente divulgada e discutida) o que é que a tróica
tem a ver com o assunto para ser ela a fazer exigências?
Quem sabe se nas desesperadas negociações
que o cobrador de impostos do governo de coligação teve com a tróica, Portugal
assumiu compromissos – que sendo secretos são escondidos dos cidadãos - que
apressadamente pretende corporizar sob pena do Gaspar deixar de enfrentar uma
tróica "mansa"?!
Ora se passamos a ter uma nova versão do
memorando de entendimento, que no essencial pouco ou nada tem a ver com a
versão original em muitos dos seus itens, estamos ou não perante um embuste,
político e eleitoral? Qual o documento que esteve "presente" nas
eleições legislativas de Junho de 2011 e alegadamente foi sufragado pelos
eleitores? A versão original negociada pelos socialistas e que ditou a derrota
de Sócrates ou a versão constantemente alterada pelo governo de coligação? O
que diz o Presidente da República a isto? Não há um tremendo défice
comunicacional que nem ministros recentes promovidos a pseudo-especialistas
desta aérea resolvem?
3 -
Jornal
britânico ironizou recentemente com o facto de os portugueses receberem 14
salários anuais em vez de 12, sem contudo identificar que temos dos sal´´arios
mais baixos da zona euro. O «Financial Times» criticou contundentemente a
decisão do Tribunal Constitucional, ao chumbar algumas medidas de austeridade
previstas no Orçamento do Estado e foi mais longe ao referir que “está na hora
de Portugal começar a viver dentro das suas possibilidades”. O artigo ironizou
logo na primeira linha: “Há partes do Sul da Europa que existem mesmo numa
dimensão diferente. Por exemplo, o ano em Portugal tem dois meses extra. A
maioria dos trabalhadores recebe 14 meses de salário em vez de 12. O Governo
queria cortar um destes dois pagamentos extra como parte das medidas de
austeridade para cumprir o acordo de resgate de 78 mil milhões de euros
assinado em 2011. Mas o tribunal constitucional chumbou a medida”. Diz o FT que
se o “Governo for esperto, vai usar este revés para levar ainda mais a sério as
reformas estruturais”. O jornal admite que “Portugal pode ser a vítima
esquecida da crise da Zona Euro” e Passos Coelho e`` descrito como “um dos
poucos entusiastas da austeridade na Zona Euro”. “A Zona Euro pode ajudar,
aliviando os termos do resgate. Mas o povo português não deve ser cego aos seus
problemas estruturais, dos quais um sector público sobre-dimensionado e
insustentável talvez seja o maior», refere o jornal que acusa Portugal de ter
“desperdiçado a primeira década no euro, crescendo ao ritmo mais baixo de todos
os países membros. Existe o perigo de o padrão se repetir, se o país não
começar a viver dentro das suas possibilidades” (JM/LFM)