quarta-feira, junho 19, 2013

Opinião pessoal: "TRÊS NOTAS”

1 - O ministro das finanças afirmou recentemente na Assembleia da República que "a crise que Portugal enfrenta é uma crise financeira. Estas crises são felizmente raras. Ocorrem tipicamente no fim de um período longo de expansão de despesa financiado a crédito. As recessões económicas são mais profundas e as recuperações económicas são mais demoradas do que em condições cíclicas normais. Estes padrões são acentuados no caso de crises financeiras internacionais. Quem nega estes factos básicos engana e ilude os portugueses". A que se junta a habitual dramatização de um ministro falhado: "Se abandonarmos o rumo traçado para chegar a bom porto ficaremos inevitavelmente à deriva, numa tempestade de perigos e sem perspectiva de auxílio". Lembro que por iniciativa do próprio governo, que não quer mais tempo ou mais dinheiro - mas não sabe se isso vai ou não acontecer - este programa de ajustamento financeiro terminará na data prevista, Junho de 2014 e com o envelope financeiro acordado de 78 mil milhões de euros. Até aqui nada de novo.
Estamos perante mais uma descarada hipocrisia, estas declarações de Gaspar, sobretudo quando tenta "justificar" o pedido de mais tempo para que o país cumpra o défice orçamental. Uma dessas "justificações" apresentadas pelo ministro tem a ver com o apartado e exigente calendário de amortizações (pagamentos) da nossa dívida, tentando Gaspar, mais uma vez, distrair as pessoas, tomando-as a todas por tontos, como disse Marques Mendes. Afinal, esse calendário de pagamentos da nossa dívida até 2042 estava ou não há muito definido e constava ou não do memorando de entendimento de 2011 tão elogiado pelo cobrador de impostos? O que é que mudou, a este nível, entre o que estava previsto em Maio de 2011, quando foi assinado o memorando de entendimento, e Março de 2013 quando Portugal pediu mais tempo? Rigorosamente nada. Os problemas são outros, têm a ver com o falhanço das previsões, das opções e com a criminosa da ideologia política subjacente à austeridade.
A tese governamental, que provavelmente constará de rasurados manuais da propaganda, ao que consta também distribuídos a outras personagens da maioria, tem sido esta: tínhamos que ganhar credibilidade (?) externa, pouco importa se apertando o pescoço aos cidadãos e ao país, nem que fosse à custa de mais desempregados, mais exclusão social, mais pobreza, mais emigração, etc, porque só depois disso teríamos condições para irmos de mão estendida pedir mais tolerância aos nossos credores.
Pergunta-se: mas porque é que isso não foi feito mais cedo? Os nossos credores querem ou não receber o que lhes devemos? E têm garantias de que receberão o que lhes devemos se nos transformarem (como está a acontecer) num país deprimido e em recessão? Ou não receberão mais facilmente o que lhes devemos se formos um país com uma austeridade mais moderada, economicamente capaz de crescer, mesmo que lentamente, e com uma população mobilizada, confiante e que tenha poder de compra para movimentar a economia interna?
2 - Há uma questão que me faz alguma "confusão": afinal, qual foi o memorando de entendimento que "foi a eleições" em Junho de 2011? O memorando original, negociado pelos socialistas, ou a versão desse memorando sucessivamente alterada e agravada na sua austeridade, ao longo de sete avaliações já realizadas? Este governo abusivamente fala do memorando de entendimento como se ele tivesse sido sufragado. Não foi sufragado coisa nenhuma e quem disser o contrário é um escroque mentiroso e desonesto. O governo devia explicar ao povo o que é que a tróica e o memorando de entendimento de Maio de 2011 tem a ver os anunciados cortes da despesa pública em pelo menos 4 mil milhões de euros, mas que todos percebemos que deverão ultrapassar os 10 mil milhões de euros até 2015? Onde é que desse memorando de entendimento negociado e assinado pelos socialistas e por Sócrates mas que contou com a conivência e a cumplicidade do PSD e do CDS, consta qualquer referência a esses cortes no chamado estado social (educação, saúde, segurança e segurança social)? Não há explicações a dar às pessoas? Se se trata de uma opção política do governo de coligação (continuo a achar que esta matéria devia ser amplamente divulgada e discutida) o que é que a tróica tem a ver com o assunto para ser ela a fazer exigências?
Quem sabe se nas desesperadas negociações que o cobrador de impostos do governo de coligação teve com a tróica, Portugal assumiu compromissos – que sendo secretos são escondidos dos cidadãos - que apressadamente pretende corporizar sob pena do Gaspar deixar de enfrentar uma tróica "mansa"?!
Ora se passamos a ter uma nova versão do memorando de entendimento, que no essencial pouco ou nada tem a ver com a versão original em muitos dos seus itens, estamos ou não perante um embuste, político e eleitoral? Qual o documento que esteve "presente" nas eleições legislativas de Junho de 2011 e alegadamente foi sufragado pelos eleitores? A versão original negociada pelos socialistas e que ditou a derrota de Sócrates ou a versão constantemente alterada pelo governo de coligação? O que diz o Presidente da República a isto? Não há um tremendo défice comunicacional que nem ministros recentes promovidos a pseudo-especialistas desta aérea resolvem?
3 - Jornal britânico ironizou recentemente com o facto de os portugueses receberem 14 salários anuais em vez de 12, sem contudo identificar que temos dos sal´´arios mais baixos da zona euro. O «Financial Times» criticou contundentemente a decisão do Tribunal Constitucional, ao chumbar algumas medidas de austeridade previstas no Orçamento do Estado e foi mais longe ao referir que “está na hora de Portugal começar a viver dentro das suas possibilidades”. O artigo ironizou logo na primeira linha: “Há partes do Sul da Europa que existem mesmo numa dimensão diferente. Por exemplo, o ano em Portugal tem dois meses extra. A maioria dos trabalhadores recebe 14 meses de salário em vez de 12. O Governo queria cortar um destes dois pagamentos extra como parte das medidas de austeridade para cumprir o acordo de resgate de 78 mil milhões de euros assinado em 2011. Mas o tribunal constitucional chumbou a medida”. Diz o FT que se o “Governo for esperto, vai usar este revés para levar ainda mais a sério as reformas estruturais”. O jornal admite que “Portugal pode ser a vítima esquecida da crise da Zona Euro” e Passos Coelho e`` descrito como “um dos poucos entusiastas da austeridade na Zona Euro”. “A Zona Euro pode ajudar, aliviando os termos do resgate. Mas o povo português não deve ser cego aos seus problemas estruturais, dos quais um sector público sobre-dimensionado e insustentável talvez seja o maior», refere o jornal que acusa Portugal de ter “desperdiçado a primeira década no euro, crescendo ao ritmo mais baixo de todos os países membros. Existe o perigo de o padrão se repetir, se o país não começar a viver dentro das suas possibilidades” (JM/LFM)