quarta-feira, junho 19, 2013

Opinião pessoal: "SINDICALISMO E REALISMO”

O governo de coligação já percebeu, tal como os sindicatos do sector o perceberam, no fundo tal como a opinião pública em geral já entendeu, que a função pública se transformou inevitavelmente no palco privilegiado de uma confrontação que terá custos sociais elevados. Ontem os médicos, os trabalhadores dos impostos ou os enfermeiros, hoje os professores ou os guarda prisionais, os trabalhadores dos transportes ou os estivadores, amanhã os funcionários públicos dos demais sectores, etc. Ontem a redução do horários ou o corte no pagamento de horas extraordinárias, hoje a mobilidade ou os despedimentos, amanhã a dispensa dos contratados ou a redução de salários, etc. Enfim, um manancial de questões que demonstram por um lado a complexidade do momento, por outro a patética "virilidade" protofascista deste governo de coligação, que transforma as negociações numa farsa, numa necessidade forçada e propagandística e, finalmente, a impotência das estruturas sindicais que falam muito, falam mesmo muito, mas pouco ou nada de assinalável conseguem de concreto.
Basicamente é sabido que as decisões já estão tomadas e que não há qualquer intenção do governo de coligação de ceder seja o que for. Há compromissos secretos mantidos com organismos estrangeiros, há cedências ao capitalismo selvagem que vive à custa da desgraça alheia, há uma visão da austeridade “versus” crescimento que tem sido contestada e começa a ser combatida de forma galopante, estranhamente galopante. Parece-me ter sido uma vez mais evidente, a impotência crescente de sindicatos da função pública que não conseguem travar a escalada governativa visando a concretização de uma autêntica revolução no sector, ideológica e exigida pelos nossos credores externos, que implicará o esmagamento de direitos que deixaram de ser adquiridos, a redução de rendimentos por mera imposição legislativa, despedimentos, o fim da ideia do emprego seguro, só porque é do estado. O que os sindicatos da função pública precisam urgentemente - face ao que tem vindo a acontecer nos últimos dois anos e atendendo às medidas já anunciadas que não vão conseguir travar - mais do que insistir numa retórica falhada e desenquadrada, mais do que a exigência de pragmatismo que estas conjunturas exigem, mais do que algum realismo que tem andado arredado porque substituído pela demagogia facilitista e por muito lirismo idiota, é de gente nova e melhor preparada, que saiba falar consistência, de pessoas partidariamente descomprometidas e que transmitam uma visão de um sindicalismo ao serviço, de facto, das pessoas, e não ao serviço partilhado de uma contestação classista com um serviço partidário aos respectivos partidos de que fazem parte.
Esta coisa do PCP andar a manipular as estruturas sindicais ligadas ao funcionalismo público, colocando na respectiva liderança quadros do partido, nalguns casos mesmo dirigentes nacionais comunistas - no fundo tal como o PS tem feito na UGT, e continua a fazer em vários outros sindicatos afectos a esta segunda estrutura sindical - na expectativa de conseguir em 2013 o que inegavelmente conseguiu conquistar, em pleno período revolucionário, entre 1974 e 1978, ou acaba por contribuir, pela ineficácia para a desmobilização do movimento sindical.
Lembro-me bem, e vou fazer esta confissão pela primeira vez, que nos conturbados períodos que se seguiram ao 25 de Abril, fui sempre eleitor, nas eleições para o Sindicato dos Jornalistas, da lista que sabia afecta ao PCP. Porquê? Porque era a que sabia negociar melhor, a que conseguia melhores resultados, a que mais mobilizava os trabalhadores do sector. Mais do que qualquer opção ideológica ou partidária, tínhamos de apostar então em que garantia a apresentação de resultados, sem mediatismo, sem declarações tontas para os meios de comunicação social, sem discurso que revelam a ignorância de muitos sindicalistas impreparados que não conseguem um sucesso que seja a favor dos que dizem representar. Os tempos eram outros, sei perfeitamente disso, a realidade laboral no sector da comunicação social hoje não tem nada a ver com esses tempos, a volatilidade dos empregos é óbvia, a insegurança laboral é hoje mais acentuada, mais do que nunca, as condições de trabalho e a instabilidade empresarial perfeitamente perceptível, enfim, o mundo mudou muito, a sociedade alterou-se profundamente, o movimento sindical perdeu espaço de manobra e capacidade de persuasão, abrindo terreno ao aproveitamento político partidário ainda mais acentuado e ao pulo de alguns oportunistas que se assumem como dirigentes sindicais mas que não têm capacidade para o exercício dessa função. Por exemplo, acredito que foi por faltar essa acuidade e essa mobilização que, por exemplo, a Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, que era uma estrutura da classe, acaba nos termos em que aconteceu, às mãos do anterior governo socialista de Sócrates. Os jornalistas deixaram de defender o que era deles e que foi construído por eles, porque as prioridades profissionais passaram a ser outras, quiçá o mesmo acontecendo com as ameaças laborais. No fundo houve uma inversão de logicas e de prioridades que nos conduziu ao estado de coisas em que nos encontramos.
E quando se fala da partidarização da estrutura dirigente dos sindicatos, no caso concreto da Madeira, e apenas como exemplo, basta que um meio de comunicação social mais atento seja capaz de estabelecer uma ligação efectiva entre os dirigentes sindicais em funções com os partidos políticos, podendo mesmo alargar essa pesquisa a alguns movimentos sectoriais - utentes disto ou daquilo, ou mesmo associações, de reformados ou outras - para se perceber o alcance da influência partidária, sobretudo do PCP, no movimento sindical e que em meu entender pode ser a causa de alguma perda de capacidade de intervenção e de pressão.
Frequentemente vemos os partidos políticos da oposição colados a greves convocadas por sindicatos. Não sei se desse oportunismo partidário resultam quaisquer mais-valias para os trabalhadores abrangidos pela contestação. Estamos a falar de greves convocadas em nome da defesa dos interesses de uma determinada classe profissional, e que nada têm a ver com partidos políticos. Aconteceu, no caso do presente movimento grevista dos professores, com o PS, mas sobretudo com o PCP e o Bloco de Esquerda, a procurarem colar-se aos docentes e ao seu movimento legítimo de contestação e de defesa da sua dignidade colectiva.
É natural que estes partidos da esquerda, por razões oportunistas que tem a ver apenas com objectivos eleitorais, se colem a tudo o que seja contestação ao governo de coligação no poder e que a esquerda contesta e combate sem qualquer sucesso até este momento. É natural que estes partidos de esquerda, que tem apenas 98 em 230 deputados na Assembleia da República, e que não conseguem qualquer sucesso legislativo enquanto esta maioria PSD-CDS se mantiver unida pelo desejo de continuar no poder e de não se submeter no imediato a um cenário de eleições - das quais sairia perdedora - pretendam apoiar todas as iniciativas de contestação pública.

Estamos a falar de iniciativas sindicais, não partidárias, que acabam por servir os interesses e os discursos políticos da oposição, ainda por cima apostada claramente em veicular uma ideia de pretenda instabilidade social, de distanciamento entre os cidadãos e o governo, para que o Presidente da República se sinta "obrigado" eventualmente fazer o que eles desejam, demitir o governo e convocar eleições, mas que todos percebemos poder não passar de um sonho longínquo. Pelo menos até ver... (JM/LFM)