O governo de coligação já percebeu, tal
como os sindicatos do sector o perceberam, no fundo tal como a opinião pública
em geral já entendeu, que a função pública se transformou inevitavelmente no
palco privilegiado de uma confrontação que terá custos sociais elevados. Ontem
os médicos, os trabalhadores dos impostos ou os enfermeiros, hoje os
professores ou os guarda prisionais, os trabalhadores dos transportes ou os
estivadores, amanhã os funcionários públicos dos demais sectores, etc. Ontem a
redução do horários ou o corte no pagamento de horas extraordinárias, hoje a
mobilidade ou os despedimentos, amanhã a dispensa dos contratados ou a redução
de salários, etc. Enfim, um manancial de questões que demonstram por um lado a
complexidade do momento, por outro a patética "virilidade"
protofascista deste governo de coligação, que transforma as negociações numa
farsa, numa necessidade forçada e propagandística e, finalmente, a impotência
das estruturas sindicais que falam muito, falam mesmo muito, mas pouco ou nada
de assinalável conseguem de concreto.
Basicamente é sabido que as decisões já
estão tomadas e que não há qualquer intenção do governo de coligação de ceder
seja o que for. Há compromissos secretos mantidos com organismos estrangeiros,
há cedências ao capitalismo selvagem que vive à custa da desgraça alheia, há
uma visão da austeridade “versus” crescimento que tem sido contestada e começa
a ser combatida de forma galopante, estranhamente galopante. Parece-me ter sido
uma vez mais evidente, a impotência crescente de sindicatos da função pública
que não conseguem travar a escalada governativa visando a concretização de uma
autêntica revolução no sector, ideológica e exigida pelos nossos credores
externos, que implicará o esmagamento de direitos que deixaram de ser
adquiridos, a redução de rendimentos por mera imposição legislativa,
despedimentos, o fim da ideia do emprego seguro, só porque é do estado. O que
os sindicatos da função pública precisam urgentemente - face ao que tem vindo a
acontecer nos últimos dois anos e atendendo às medidas já anunciadas que não
vão conseguir travar - mais do que insistir numa retórica falhada e
desenquadrada, mais do que a exigência de pragmatismo que estas conjunturas
exigem, mais do que algum realismo que tem andado arredado porque substituído
pela demagogia facilitista e por muito lirismo idiota, é de gente nova e melhor
preparada, que saiba falar consistência, de pessoas partidariamente
descomprometidas e que transmitam uma visão de um sindicalismo ao serviço, de
facto, das pessoas, e não ao serviço partilhado de uma contestação classista
com um serviço partidário aos respectivos partidos de que fazem parte.
Esta coisa do PCP andar a manipular as
estruturas sindicais ligadas ao funcionalismo público, colocando na respectiva
liderança quadros do partido, nalguns casos mesmo dirigentes nacionais
comunistas - no fundo tal como o PS tem feito na UGT, e continua a fazer em
vários outros sindicatos afectos a esta segunda estrutura sindical - na expectativa
de conseguir em 2013 o que inegavelmente conseguiu conquistar, em pleno período
revolucionário, entre 1974 e 1978, ou acaba por contribuir, pela ineficácia
para a desmobilização do movimento sindical.
Lembro-me bem, e vou fazer esta confissão
pela primeira vez, que nos conturbados períodos que se seguiram ao 25 de Abril,
fui sempre eleitor, nas eleições para o Sindicato dos Jornalistas, da lista que
sabia afecta ao PCP. Porquê? Porque era a que sabia negociar melhor, a que
conseguia melhores resultados, a que mais mobilizava os trabalhadores do
sector. Mais do que qualquer opção ideológica ou partidária, tínhamos de
apostar então em que garantia a apresentação de resultados, sem mediatismo, sem
declarações tontas para os meios de comunicação social, sem discurso que
revelam a ignorância de muitos sindicalistas impreparados que não conseguem um
sucesso que seja a favor dos que dizem representar. Os tempos eram outros, sei
perfeitamente disso, a realidade laboral no sector da comunicação social hoje
não tem nada a ver com esses tempos, a volatilidade dos empregos é óbvia, a
insegurança laboral é hoje mais acentuada, mais do que nunca, as condições de
trabalho e a instabilidade empresarial perfeitamente perceptível, enfim, o
mundo mudou muito, a sociedade alterou-se profundamente, o movimento sindical
perdeu espaço de manobra e capacidade de persuasão, abrindo terreno ao
aproveitamento político partidário ainda mais acentuado e ao pulo de alguns
oportunistas que se assumem como dirigentes sindicais mas que não têm
capacidade para o exercício dessa função. Por exemplo, acredito que foi por
faltar essa acuidade e essa mobilização que, por exemplo, a Caixa de
Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, que era uma estrutura da
classe, acaba nos termos em que aconteceu, às mãos do anterior governo
socialista de Sócrates. Os jornalistas deixaram de defender o que era deles e
que foi construído por eles, porque as prioridades profissionais passaram a ser
outras, quiçá o mesmo acontecendo com as ameaças laborais. No fundo houve uma
inversão de logicas e de prioridades que nos conduziu ao estado de coisas em
que nos encontramos.
E quando se fala da partidarização da
estrutura dirigente dos sindicatos, no caso concreto da Madeira, e apenas como
exemplo, basta que um meio de comunicação social mais atento seja capaz de
estabelecer uma ligação efectiva entre os dirigentes sindicais em funções com
os partidos políticos, podendo mesmo alargar essa pesquisa a alguns movimentos
sectoriais - utentes disto ou daquilo, ou mesmo associações, de reformados ou
outras - para se perceber o alcance da influência partidária, sobretudo do PCP,
no movimento sindical e que em meu entender pode ser a causa de alguma perda de
capacidade de intervenção e de pressão.
Frequentemente vemos os partidos políticos
da oposição colados a greves convocadas por sindicatos. Não sei se desse
oportunismo partidário resultam quaisquer mais-valias para os trabalhadores
abrangidos pela contestação. Estamos a falar de greves convocadas em nome da
defesa dos interesses de uma determinada classe profissional, e que nada têm a
ver com partidos políticos. Aconteceu, no caso do presente movimento grevista
dos professores, com o PS, mas sobretudo com o PCP e o Bloco de Esquerda, a
procurarem colar-se aos docentes e ao seu movimento legítimo de contestação e
de defesa da sua dignidade colectiva.
É natural que estes partidos da esquerda,
por razões oportunistas que tem a ver apenas com objectivos eleitorais, se
colem a tudo o que seja contestação ao governo de coligação no poder e que a
esquerda contesta e combate sem qualquer sucesso até este momento. É natural
que estes partidos de esquerda, que tem apenas 98 em 230 deputados na
Assembleia da República, e que não conseguem qualquer sucesso legislativo
enquanto esta maioria PSD-CDS se mantiver unida pelo desejo de continuar no
poder e de não se submeter no imediato a um cenário de eleições - das quais
sairia perdedora - pretendam apoiar todas as iniciativas de contestação
pública.
Estamos a falar de iniciativas sindicais,
não partidárias, que acabam por servir os interesses e os discursos políticos
da oposição, ainda por cima apostada claramente em veicular uma ideia de
pretenda instabilidade social, de distanciamento entre os cidadãos e o governo,
para que o Presidente da República se sinta "obrigado" eventualmente
fazer o que eles desejam, demitir o governo e convocar eleições, mas que todos
percebemos poder não passar de um sonho longínquo. Pelo menos até ver... (JM/LFM)