segunda-feira, janeiro 21, 2013

Opinião: "Propaganda"

“Aparentemente, a ideia do governo era envolver todos os portugueses num debate nacional sobre a reforma do Estado. Uma tarefa algo difícil, já que, por enquanto, ainda não floresceu uma única proposta sobre tão grandiosa matéria. Por junto, o governo, escondido atrás do FMI, elaborou uma espécie de relatório, recheado de erros e de inexactidões, que deixou, como previsto, o país em estado de choque. Mas desde então teve o elementar cuidado de não se pronunciar sobre nenhuma das propostas que ele próprio encomendou. A três ou quatro semanas de acordar com a troika o corte de 4 mil milhões de euros, não se conhece nem uma medida nem qualquer opção do governo. É natural que os cortes estejam a ser cozinhados algures entre o Ministério das Finanças e os representantes da troika de forma a serem apresentados, em Fevereiro, como um facto consumado que os portugueses serão obrigados a engolir, sob pena de não regressarem aos mercados e outras ameaças afins.
Até lá, enquanto as escolhas estão em aberto, para além das banalidades do costume, constantemente debitadas pelo primeiro-ministro, o silêncio impera.
É assim neste absoluto vazio que uma senhora do PSD, “impulsionada” pelo primeiro-ministro, decidiu organizar uma conferência com a sociedade civil para debater a reforma do Estado. A sociedade civil, como se compreende, foi escolhida a dedo pelo governo, que forneceu as instalações e os meios técnicos necessários para juntar este ilustre grupinho. Para bem enquadrar o debate, o intróito foi entregue a um secretário de Estado e a sessão de encerramento foi devidamente atribuída ao primeiro-ministro. Curiosamente, estes dois empolgantes momentos foram os únicos abertos à comunicação social, o que dá uma leve ideia dos propósitos desta iniciativa. Os restantes oradores, para falarem sem constrangimentos, só podiam ser citados pelos jornalistas se, na sua imensa generosidade, dessem autorização para o efeito. Pelo que se percebeu, a organização desta coisa não queria ler ou ver afirmações retiradas do contexto – ou seja, não queria que o critério jornalístico se impusesse aos objectivos desta encenação. Assim sendo, talvez tivesse sido melhor realizar este alegre convívio à porta fechada, sem jornalistas a fazer de verbo de encher, como, aliás, acontece em muitas iniciativas deste tipo.
Para o primeiro-ministro, obviamente, este confirmado fiasco foi um grande sucesso e um excelente ponto de partida para um debate que ele sabe não vai haver. A verdade é que o governo conseguiu transformar um debate da sociedade civil num puro exercício de propaganda, onde o primeiro-ministro se deu ao luxo de criticar o Presidente da República, garantindo que a espiral recessiva – em que nos encontramos – não passa de uma miragem de Belém. Infelizmente, um local onde não se descortina o futuro radioso que o Dr. Passos Coelho nos apresentou” (texto da jornalista Constança Cunha e Sá, no Jornal I, com a devida vénia)