quinta-feira, janeiro 31, 2013

Opinião: "O que escreve no Facebook pode pô-lo na rua"

"Nos dias que correm, quase só os infoexcluídos não têm uma página no Facebook, uma conta no Twitter e outra no Instagram e meia dúzia de blogues que seguem e com os quais colaboram com eloquentes dissertações sobre aquilo que lhes vai na mente. Do prato do dia no restaurante da esquina à crítica social e política, corre de tudo nas redes sociais e é fácil colher opiniões que rapidamente se generalizam sem muita reflexão. Basta ver como o vídeo da Pépa para a Samsung se tornou viral em menos de nada, com comentários cáusticos de Portugal inteiro.
Mas esta crónica não é sobre a Pépa, por isso, adiante. No mesmo dia em que uma nova Pipoca nascia, passava-se uma coisa bem mais grave no Facebook: um gestor da página da Sumol aconselhava um consumidor que, revoltado com os despedimentos na empresa, dizia que nunca mais beberia Sumol laranja, a provar outros sabores – ananás ou limão. O comentário desapareceu poucos minutos depois e a marca pediu desculpa pelo sucedido. E a coisa ficou mais ou menos por ali – embora provavelmente a Sumol tenha perdido alguns clientes. O que aconteceu ao gestor da página da marca, não se sabe. Mas se amanhã ele fosse bater-lhe à porta a oferecer-se para gerir a sua página no Facebook, contratava-o?
Provavelmente a maioria de nós não pensa duas vezes antes de escrever no Facebook o que lhe vai na alma. Mas a verdade é que as suas palavras podem ser associadas ao seu empregador, por vezes com efeitos desastrosos.
Até que ponto pode a sua actividade nas redes sociais prejudicar a empresa onde trabalha – e, mesmo que ainda não seja claro para si, a sua carreira?
Vejamos: à primeira vista, um comentário no Facebook a dizer mal das músicas do Tony Carreira é perfeitamente inócuo – nem o próprio deve incomodar-se com isso, já que tem uma profusão de discos de platina e sucesso mais que suficiente para provar ao mundo que a sua fórmula não pode estar errada. Mas se pusermos esse comentário na boca (neste caso, na ponta dos dedos) de alguém que quer chegar longe numa rádio, numa produtora de música, numa editora discográfica, a coisa toma outros contornos.
OK, mas decerto toda a gente vai adorar ver aquela fotografia que partilhou de um conhecido empresário, bêbado, a lambuzar-se com uma brasileira com metade da sua idade. Talvez todos menos o seu chefe, que acaba de ver ir pelos ares o contrato importantíssimo que estava prestes a assinar com esse mesmo empresário – esqueceu-se que, na sua página, partilha com o mundo que trabalha na empresa X?
Certo, mas o blog que alimenta com fotografias e relatos da sua vida pessoal não pode causar danos à sua carreira, pois não? Pode. Se está a pensar pôr por escrito todos os seus sentimentos, pensamentos e experiências, talvez o melhor seja mesmo arranjar um diário tradicional e dar uso às canetas que tem lá em casa. Ou quer que o seu potencial futuro empregador saiba facilmente que esteve duas semanas internado com uma depressão ou que já rodou o escritório inteiro ou ainda que está farto do seu emprego da treta e do panhonha do seu patrão?
Mas os tweets que escreve são perfeitamente inofensivos... Bem, talvez, desde que não os escreva enquanto devia estar a trabalhar. Uma coisa é um comentário ocasional, outra é a sua actividade nas redes sociais começar às 9h, interromper-se entre as 13h e as 14h e voltar em grande até às 19h – que é, na verdade, o que acontece na maioria dos casos. O que vai responder quando o seu cliente se recusar a pagar mais do que um terço das suas horas de trabalho porque durante a semana inteira acompanhou os seus estados de alma nas redes sociais?
Então qual é a solução? Cortar todo e qualquer contacto com o mundo retirando-se do Facebook, do Twitter, do Instagram...? Não há necessidade. Basta que separe as águas: se quer sentir-se livre para escrever o que bem lhe apetece, restrinja a um grupo seguro aqueles que podem seguir os seus posts e comentários. Se for preciso, crie uma página pessoal e outra profissional e gira-as com inteligência. Lembre-se que o seu nome está necessariamente associado a uma carreira, a uma empresa, a uma família, a grupos diversificados de pessoas. E a partir daí aos grupos de cada uma das pessoas que estão ligadas a si. Nem todos eles podem reagir de ânimo leve àquilo que acredita ser apenas mais uma piada num tsunami de comentários diários.
Se ainda acha que tudo isto é um exagero, lembre-se da Pépa. Ou melhor ainda, lembre-se da campeã grega de triplo salto Paraskevi "Voula" Papachristouafter. Não conhece? A superatleta de 23 anos escreveu uma piada no Twitter: “Com tantos africanos na Grécia, ao menos os mosquitos do Nilo Oeste podem deliciar-se com comida caseira.” O comentário racista foi suficiente para ser expulsa da equipa olímpica e afastada dos Jogos, a dias de embarcar para Londres" (texto da jornalista e Chefe de redacção adjunta do Dinheiro Vivo, Joana Petiz, com a devida vénia)