quinta-feira, janeiro 31, 2013

Islândia vence caso Icesave: “Para nós foi um enorme alívio colectivo, pode escrever isso”

Escreve o jornalista do Jornal I, Bruno Faria Lopes, que "a Islândia não pagará uma multa à Holanda e ao Reino Unido pelo incumprimento de um banco privado em 2008. A decisão limpa um obstáculo à recuperação do pequeno país e poderá ter impacto europeu. “As pessoas celebraram ruidosamente como se tivesse sido uma grande vitória num evento desportivo”, conta ao i Anna Sorensen, que edita um jornal em inglês na capital islandesa Reiquiavique. Karl Blöndal, editor do diário de referência “Morgunbladid”, resume o sentimento na capital do pequeno país nórdico: “Foi um enorme alívio colectivo para nós, pode escrever isso.” A Islândia conseguiu uma vitória completa no processo judicial sobre as responsabilidades do país para com os depositantes estrangeiros do banco islandês Landsbanki, que colapsou em 2008 juntamente com todo o sistema financeiro do país. O tribunal da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) deliberou no início da semana que a Islândia não violou as directivas europeias sobre garantias de depósitos bancários, quando em 2008 deixou cair os depositantes holandeses e britânicos que tinham contas online – conhecidas como contas Icesave, com juros invulgarmente altos – nas subsidiárias do Landsbanki. O caso foi aberto pelo braço de vigilância da EFTA (a ESA). Apesar de estar fora da União Europeia, a Islândia faz parte do espaço económico europeu e o facto de ter discriminado entre os depositantes islandeses e os estrangeiros (350 mil holandeses e britânicos) foi visto pela ESA como uma violação das directivas. O governo islandês segurou os depósitos locais em novos bancos recapitalizados – um passo vital para salvar o seu sistema financeiro – e deixou cair as subsidiárias e respectivos depositantes, não vitais em tempo de colapso.
Uma derrota no caso Icesave abriria o caminho para os governos da Holanda e do Reino Unido exigirem nos tribunais islandeses compensações até 1,9 mil milhões de euros entre multas e juros, cerca de 20% do PIB islandês. Depois da decisão islandesa de 2008 o governo britânico e o holandês cobriram com dinheiro público as responsabilidades do banco islandês (o correspondente ao fundo de garantia de depósitos). Há cerca de um ano, governantes, académicos e cidadãos islandeses admitiam ao i o receio de que o pagamento de multas e juros seria não só um entrave à recuperação económica do país, mas também uma reabertura da ferida social infligida pela crise. Apesar da retoma económica, os islandeses pagaram um preço alto – uma contracção superior a 10% em três anos e queda do poder de compra acima de 20% – por uma bolha bancária promovida pelo poder político e financeiro, esferas especialmente próximas num país de 320 mil pessoas, onde todos se conhecem. “Uma sentença que estabelece que os contribuintes de um país não têm de ser forçados a assumir os erros dos seus bancos privados deixa-nos aliviados e felizes”, diz ao i Gudrun Ingvarsdóttir, arquitecta em Reiquiavique. “De qualquer forma, o nosso país já está a pagar aos governos da Holanda e do Reino Unido”, junta.~
Os islandeses decidiram em dois referendos não pagar os fundos de garantia aos depositantes estrangeiros, mas as autoridades do país (receosas face à pena da EFTA) foram pagando progressiva e discretamente a dívida, sobretudo com a liquidação dos bens do falido Landsbanki. O governo islandês reiterou na passada segunda-feira que já pagou 50% do dinheiro avançado pelos governos da Holanda e do Reino Unido aos seus depositantes e garantiu que pagará o restante. Sem qualquer resgate ficaram os detentores de obrigações dos bancos falidos, cujo montante investido era sete vezes maior do que o PIB do país.
O caso Icesave incidia apenas sobre o incumprimento face aos depositantes estrangeiros e atraiu grande atenção internacional, uma vez que toca num assunto em discussão na crise da zona euro: a união bancária, um mecanismo de estabilização em caso de crises que implica a partilha de risco (com fundos de garantia de depósitos) entre contribuintes no caso de crises bancárias além fronteiras. O tribunal da EFTA deliberou que a directiva europeia não obriga a Islândia a pagar imediatamente aos depositantes estrangeiros no meio de uma crise sistémica tão profunda – o fundo de garantia de depósitos está preparado em todo o lado para enfrentar incumprimentos pontuais de bancos e não de todo o sistema. Entre estados-membros da UE o regime de garantia actual cobre até 100 mil euros"