Escreve o Dinheiro Vivo que "sem financiamento não há investimento. E os números provam-no: o indicador que mede o investimento (a Formação Bruta de Capital Fixo, FBCF) caiu, em 2011, para 17,9% do produto interno bruto (PIB). No ano passado, o cenário agravou-se e, com este indicador a cair novamente, o investimento não ultrapassou os 15,8% do PIB. Este número, que junta o público e o privado, é histórico: desde 1960 que em Portugal não se investia tão pouco.
Os motivos são fundamentalmente três: falta de financiamento bancário às pequenas e médias empresas (PME) - 98% do tecido empresarial -, contração acentuada do consumo interno (recuou 5,5% em 2012 e pesa 66,5% no PIB) e erosão progressiva do papel da indústria na criação de riqueza. O investimento total no país é de cerca de 30 mil milhões de euros por ano (um quinto do PIB), mas em 2008 era de 38,6 mil milhões de euros (22,5% do PIB). O país perdeu o equivalente ao défice público de 2012 (8,3 mil milhões), revelado na quarta-feira pela Direção-Geral do Orçamento. Ou seja, se não tivéssemos perdido, em cinco anos, esse volume de investimento e, por outro lado, fosse hipoteticamente possível ao Estado usar esse dinheiro, teríamos défice zero em 2012.
Mas é precisamente o Estado que tem um papel diminuto na dinamização da economia por via da FBCF. O travão às obras públicas, com grande influência na formação bruta de capital, é uma das explicações mais óbvias. No bolo de 30 mil milhões de euros, 26 mil milhões são da responsabilidade dos privados e chegaram a ser 33,5 mil milhões em 2008. Estando o Estado a cortar temporária ou definitivamente despesa, o ónus recai totalmente sobre as empresas. Mas o Banco de Portugal afirma no Boletim de inverno que a FBCF exclusivamente empresarial deverá cair 7,4% em 2013, "o que perfaz uma queda acumulada de quase 36% no período 2009-2013".
"A austeridade está a abafar o consumo interno. As exportações têm um peso de apenas 35,8% e o consumo privado de 66,5% no PIB [dados do Banco de Portugal para 2011]. As empresas exportadoras são ainda uma minoria. Ou seja, a maioria das PME trabalha para um mercado interno que consome cada vez menos. A consequência é a baixa do investimento do lado das empresas. E até as que exportam estão a ter dificuldades de financiamento", afirma Basílio Horta, ex-presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) e atual deputado pelo PS. O sucesso registado no regresso aos mercados da dívida, com a emissão de médio prazo (5 anos) ocorrida na última quarta-feira, não veio resolver todos os problemas. A confiança no Estado português poderá facilitar a obtenção de financiamento externo mais barato por parte da banca e das grandes empresas, contribuindo nomeadamente para o sucesso de emissões obrigacionistas. Mas as PME estão fora desse "campeonato" e só encontram uma alavanca para o investimento se os bancos lhes emprestarem. No entanto, o efeito em cadeia, que poderá ser desencadeado pelo sucesso da emissão de dívida pública, só poderá vir a beneficiar as PME mais à frente no tempo. Ou seja, só quando eventualmente a banca vier a conseguir dinheiro mais barato no estrangeiro, por via da confiança acrescida dos mercados na República Portuguesa. "O problema é simples. A economia nacional teve um grande volume de investimento após a adesão ao euro [1999], mas aplicou-o em bens não transacionáveis, sobretudo em construção civil. Veio a crise, os mercados externos de financiamento fecharam-se e não havia poupança interna para sustentar o investimento", afirma Mira Amaral, ex-ministro da Indústria e presidente do banco BIC.
"Como o risco não é partilhado com a banca, o empresário não investe, até porque tem dificuldade em escoar a produção no mercado interno, onde a maioria vende os seus produtos", afirma Alves da Silva, presidente da PME Portugal. Segundo Basílio Horta, mesmo aquelas que exportam ou tentam fazê-lo, para evitar o mercado interno, estão a encontrar dificuldades de financiamento. "Por um lado, temos o malparado das exportadoras a disparar para 700 milhões de euros e, por outro, seria necessário fomentar os seguros de crédito para diluir o risco de vender lá fora", sublinha o ex-presidente da AICEP. Mira Amaral contesta a visão da PME Portugal. "Todas as boas empresas têm financiamento na banca. Só aquelas que têm défice de capitais próprios é que não conseguem. O sistema financeiro já não tem um problema de liquidez e está desalavancado, nomeadamente devido à ajuda do BCE", afirma o presidente do BIC.
A luz ao fundo do túnel estará no banco de fomento que está a ser esboçado com a ajuda da Alemanha? Os ministérios da Economia e das Finanças parecem estar a acertar o modelo. A forma de capitalização da instituição e a possibilidade de alavancar financiamento às PME com fundos comunitários ainda são incógnitas. "Bastava copiar o modelo do Banco de Fomento Nacional que existia antes de 1974. Acho que o investimento ainda vai baixar mais enquanto a banca não partilhar o risco dos empresários", diz Alves da Silva.
"É um disparate completo. Nem sei por que razão está o governo a perder tempo com a criação de uma nova instituição financeira quando já tem a Caixa Geral de Depósitos", considera, por oposição, Mira Amaral. "O investimento bruto tem tido tendência a diminuir, cerca de 0,15%/ano, devido à desindustrialização. As economias evoluídas que apostam no trabalho muito escolarizado (e menos máquinas) têm tendência a apresentar menores investimentos em capital físico", explica Pedro Cosme Costa Vieira, professor da Faculdade de Economia do Porto. Segundo o Banco Mundial, o valor acrescentado bruto da indústria portuguesa representava 30% do PIB em 1980, mas em 2010 era de apenas 23%”.