sábado, abril 02, 2011

Opinião: "O que será mais importante, o PIB ou o emprego?" (Paul Krugman)

"Em geral é necessário um crescimento de 2% para reduzir 1% o desemprego. Oxalá os frágeis índices económicos positivos não sejam usados como desculpa para deixarmos de nos esforçar. Se há máxima económica que espero que as pessoas venham a absorver este ano, é que, embora possamos já ter parado de cavar, continuamos muito perto do fundo de um poço muito fundo. E por que razão vale a pena chamar a atenção para isto? Porque tenho reparado que as pessoas estão a reagir com entusiasmo excessivo às recentes boas notícias económicas. Aquilo que mais me preocupa é o risco de um optimismo cego - isto é, preocupa-me que os responsáveis pela política económica considerem meia dúzia de indicadores económicos positivos, cheguem à conclusão de que não precisam de continuar a investir na recuperação e tomem medidas que nos façam deslizar por aí abaixo até ao fundo. Vejamos então o que diz respeito às boas notícias. Vários indicadores económicos, que vão das relativamente boas vendas de Natal aos pedidos de subsídio de desemprego (que por fim desceram abaixo dos 400 mil semanais), sugerem que a retracção pós-rebentamento da bolha pode estar a chegar ao fim. No entanto, a construção civil não dá sinais de querer voltar aos níveis anteriores à bolha, nem há indicações de que as famílias sobreendividadas estejam a regressar ao velho hábito de gastar tudo o que ganham. Porém, tudo o que fazia falta para uma recuperação mesmo modesta era que a construção parasse de cair e a poupança de subir - e isso parece estar a acontecer. As previsões de 4% de crescimento para este ano começam a parecer ao nosso alcance. Hurra! Só que, mais uma vez, nem por isso. O que interessa às famílias americanas é o emprego, não o PIB. Quando partimos de uma taxa de desemprego de 10%, a aritmética da criação de emprego - a taxa de crescimento necessária para voltarmos a um panorama de emprego aceitável - é assustadora. Em primeiro lugar, temos de crescer cerca de 2,5% ao ano só para acompanhar o aumento de produtividade e da população, e assim impedir que o desemprego aumente. Foi por isso que os últimos 18 meses tecnicamente podem ter sido de recuperação mas foram sentidos como recessão: o PIB cresceu, mas não o suficiente para fazer baixar o desemprego. Com o tempo, uma taxa de crescimento acima de 2,5% acabará por fazer descer o desemprego, mas os ganhos não são ela por ela. Por uma série de razões, historicamente têm sido necessários dois pontos percentuais de crescimento extra ao longo de um ano para baixar um ponto a taxa de desemprego. Agora é só fazer as contas. Suponhamos que a economia norte- -americana cresce 4% ao ano a começar agora e ao longo de vários anos. A maior parte das pessoas consideraria isto um desempenho excelente, quase um boom económico, e sem dúvida que seria acima da maior parte das previsões de que tenho conhecimento. No entanto, as contas dizem- -nos que, mesmo com um crescimento destes, a taxa de desemprego continuaria nos 9% no fim deste ano e nos 8% no fim de 2012. Não teríamos nada que se parecesse com pleno emprego antes do fim do primeiro mandato presidencial de Sarah Palin. Falando com seriedade, aquilo com que podemos contar para os próximos anos, mesmo com um bom nível de crescimento, são taxas de desemprego que ainda há pouco tempo teriam sido consideradas catastróficas - porque na realidade o são. Por trás destes números crus encontra-se uma ampla paisagem de sofrimento e sonhos destroçados. E as contas mostram que o sofrimento se estende a perder de vista. Sendo assim, que podemos fazer para acelerar este processo demasiado lento de recuperação? Um sistema político racional há muito teria criado uma versão para o século xxi da Works Progress Administration, do New Deal - estaríamos a dar aos de- sempregados os trabalhos que há para fazer, de reparação e melhoramento das nossas infra--estruturas. Contudo, no nosso sistema político, o senador republicano Kelly Ayotte, no seu discurso de Ano Novo, assegurou que a sua prioridade é "travar os desperdícios de Washington". Se formos realistas, o melhor que ainda podemos esperar da política fiscal é que Washington não boicote activamente a recuperação. Atenção em particular aos Idos de Março: por essa altura, o governo federal vai provavelmente atingir o limite de endividamento e o Partido Republicano vai tentar forçar o presidente Obama a fazer cortes prejudiciais para a economia. A política monetária é outra das minhas preocupações. Há dois meses, a Reserva Federal anunciou um novo plano para estimular a criação de emprego adquirindo obrigações de longo prazo. Na altura muitos observadores estavam convencidos de que a compra inicial de 600 mil milhões era apenas o começo. No entanto, agora parece ter sido o fim, em parte porque os republicanos estão a tentar fazer a Reserva Federal recuar, mas também porque meia dúzia de boas notícias económicas bastam como desculpa para não se fazer mais nada. Há até uma probabilidade significativa de a Reserva Federal aumentar as taxas de juro este ano - ou pelo menos é o que o mercado de futuros parece pensar. A medida seria tresloucada, dada a actual taxa de desemprego e o nível mínimo de inflação, mas isso não significa que não possa acontecer. Volto então à minha ideia inicial. Independentemente das últimas notícias económicas, continuamos perto do fundo do poço. Só espero que os responsáveis pela política económica o percebam (por Paul Krugman, Economista e Prémio Nobel em 2008, do Jornal I com a devida vénia)

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