sábado, novembro 19, 2022

Contra as aldrabices dos do costume: Tribunal de Contas arrasa medidas “inúteis” do Ministério da Economia durante a pandemia

 

O Tribunal de Contas chumbou o anterior Ministério da Economia e da Transição Digital (METD) no exame à eficácia das medidas tomadas em reação ao impacto adverso da pandemia de covid-19 na economia em 2020. No período analisado, o ministro da Economia do governo liderado por António Costa era Pedro Siza Vieira. Segundo os resultados da auditoria que o Tribunal de Contas revelou esta quinta-feira, 15 das 24 medidas extraordinárias tomadas pelo METD não “tiveram execução financeira até 31/12/2021, não obstante 16 das 24 medidas constarem do Programa de Estabilização Económica e Social vigente até ao final de 2020”. “Verifica-se que para nove dessas medidas não foram reportados orçamento, execução financeira, meta e resultado até 31/12/2021, e para as outras quinze o respetivo indicador mede a sua execução financeira e não o cumprimento do seu objetivo, não sendo apropriado para avaliação direta da sua eficácia. Além disso, para seis das 15 medidas com orçamento não foi reportada execução financeira até 31/12/2021”, critica o Tribunal de Contas. “As deficiências detetadas”, diz este órgão fiscalizador, “evidenciam que, até 31/12/2021, a reação ao impacto adverso da pandemia não estava a ser adequada para assegurar a recuperação da economia e confirmam como principais riscos das medidas indicadas: incompletude e insuficiência da informação reportada; insuficiente grau de execução das medidas; ineficácia das medidas”.

Até 31/12/2021, foram reportados 11 mil milhões de euros gastos com nove das 24 medidas de reação ao impacto adverso da pandemia na economia, com destaque para 9,1 mil milhões de euros com responsabilidades contingentes com crédito atribuído pelo sistema financeiro, com garantia pública.

A execução ficou-se pelos 84% do montante previsto. “Além da insuficiente execução financeira das medidas” - critica o Tribunal de Contas - “só 7 tiveram meta definida e só uma a atingiu, 15 não apresentaram resultados e não foi demonstrada a eficácia das medidas em alcançar os seus objetivos”.

Eis as medidas a cargo do METD – seja Banco de Fomento, IAPMEI, Turismo de Portugal, do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização ou sem entidade definida – que ficaram por executar na pandemia de 2020/21:

1. Banco Português de Fomento

O METD alegou que “a medida foi implementada por ter sido operacionalizada juridicamente, nos termos do decreto-lei 63/2020" e "integrada na parte da componente para a Capitalização e Inovação Empresarial do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”. Para o Tribunal de Contas, “não foram reportados indicador, meta, resultado, orçamento e execução para o efeito, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021”.

2. Fundo de Capitalização de Empresas

O METD alegou ter constituído o Fundo de Capitalização e Resiliência com a aprovação do decreto-lei 63/2021, de 28/07, e uma dotação de 1.300 milhões de euros, mas sem execução orçamental até 31/12/2021. “Ora, a medida tinha por objetivo o apoio à recapitalização de empresas viáveis, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021”, diz o Tribunal de Contas.

3. Financiamento de Pequenas e Médias Empresas (PME) no Mercado de Capitais

Esta medida visava criar um veículo especial para aquisição de dívida emitida por PME e a colocação dessa dívida no mercado de capitais, através da emissão de obrigações, com a possibilidade de associar Garantia Mútua. Em 27/07/2021, o METD reportava apenas: “medida por executar”. Também alegou ter sido revisto o regime jurídico das sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia. Para o Tribunal de Contas, “a medida tinha por objetivo o reforço dos mecanismos de financiamento das empresas, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021”.

4. Programa de Aceleração de Pequenas e Médias Empresas — PME Crescer+

O Ministério da Economia alegou que esta medida viria a decorrer por via do Programa de Recapitalização Estratégica do Fundo de Capitalização e Resiliência do PRR. Para o Tribunal de Contas, “a medida tinha por objetivo acelerar o crescimento de PME, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021”.

5. Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE)

O METD alegou que a medida foi operacionalizada juridicamente, nos termos da Lei 75/2020, sem implicação orçamental. “Ora, a medida tinha por objetivo simplificar e agilizar a atuação da Administração Pública e dos tribunais para debelar os efeitos da pandemia e acelerar a retoma económica (através de um processo extraordinário de viabilização de empresa, de caráter excecional e temporário), mas não foram reportados indicador, meta, resultado, orçamento e execução para o efeito, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumpriro seu objetivo, até 31/12/2021”, diz o Tribunal de Contas.

6. Comércio digital

O objetivo era a criação de incentivos à transição digital do modelo de negócio das PME. O Ministério da Economia redirecionou a sua dotação para os programas da “família Apoiar” e passou a contemplar verbas na componente “Transição Digital das Empresas” do PRR. Segundo o Tribunal de Contas, “a medida tinha por objetivo acelerar o crescimento de PME, mas não foram reportados indicador, meta, resultado, orçamento e execução para o efeito, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021”.

7. Mobilização do Fundo de Modernização do Comércio

Outra medida não executada que visava acelerar o crescimento de PME. O METD alegou que a sua dotação foi redirecionada para os programas da “família Apoiar”. O Tribunal de Contas diz não terem sido reportados indicador, meta, resultado, orçamento e execução para o efeito, pelo que “se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021”.

8. Turismo: IVA dos congressos

Devido às restrições impostas, a medida que previa a devolução aos organizadores de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares do montante equivalente ao IVA deduzido junto da Autoridade Tributária e Aduaneira não foi executada na pandemia. Segundo o Tribunal de Contas, “sem execução, esta medida revelou-se inútil para cumprir o seu objetivo, a dinamização económica do emprego, até ao final de 2021”.

9. Plano de Retoma da Operação Aérea do Turismo de Portugal

Sobre a medida que visava o desenvolvimento de rotas aéreas de interesse turístico para Portugal, o METD alegou que a mesma foi executada através do Programa VIP, de apoio a campanhas promocionais associadas ao lançamento de rotas aéreas. Para o Tribunal de Contas os resultados foram indevidamente reportados.

10. Apoio à Organização de Eventos

O METD alegou que a medida estava a ser concretizada com a aprovação do Programa de Apoio à Organização de Eventos de Interesse Turístico denominado Portugal Events, por despacho vigente desde outubro de 2021. Mas não prestou informação sobre a sua execução. “Ora, sem execução, também esta medida se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, a dinamização económica do emprego, até ao final de 2021”, diz o Tribunal de Contas.

11. Adaptação e Modernização de Estabelecimentos Comerciais — Programa ADAPTAR 2.0

O Ministério da Economia justificou que a medida para adaptar os estabelecimentos ao contexto pandémico não foi implementada em 2020 porque “a medida precedente (ADAPTAR) não esgotou a dotação inicialmente orçamentada". Entretanto, "foram lançados os programas da família Apoiar, com capacidade financeira, para atribuição de subvenções não-reembolsáveis, amplamente superior”. Para o Tribunal de Contas, “a medida tinha por objetivo acelerar o crescimento de PME, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021”.

12. Reforçar a Capacidade de Produção Local de Equipamentos Inovadores e Estratégicos

A medida tinha por objetivo promover a inovação e o empreendedorismo, através do apoio a projetos empresariais, de redes de empresas e centros tecnológicos e de I&D, de inserção do tecido produtivo nacional em cadeias de valor, nomeadamente em redes europeias de produtos e serviços de maior valor acrescentado. O Tribunal de Contas não reconheceu a execução desta medida. “O lapso reiterado deste reporte é mais um exemplo de informação deficiente prestada à auditoria”, disse sobre a informação prestada pelo METD.

13. Eleger para Reembolso Despesas com Iniciativas e Ações Canceladas ou Adiadas

Sobre esta medida para projetos aprovados pelo Portugal 2020, o Ministério da Economia alegou que “a mesma foi encerrada por falta de procura dos beneficiários do Portugal 2020, confirmando que não existia necessidade desta medida”.

14. Isentar de Penalização Não Concretizar Objetivos Contratualizados

Foi outra medida para projetos aprovados no Portugal 2020 sem execução financeira em 2020. O METD alegou não ter implicação orçamental por se tratar de renegociação de prazos de execução de projetos sem penalizações às empresas, contribuindo para as desonerar em caso de incumprimento. “Ora, além desta alegação ser inconsistente nos seus termos (pois desonerar as empresas do pagamento dessas penalizações teria implicação no orçamento da entidade que as isenta), também esta medida não era necessária pois não foi reportada qualquer desoneração”, diz o Tribunal de Contas.

15. Alterar o Conceito de Ano de Cruzeiro

Outra medida destinada a flexibilizar o prazo de execução dos projetos do Portugal 2020 que não teve resultado, nem execução financeira em 2020. O METD alegou que a mesma não tinha implicação orçamental. “Ora, além desta alegação ser inconsistente nos seus termos (pois flexibilizar o prazo de execução dos projetos teria implicação no orçamento da entidade que o fizer), também esta medida não era necessária pois não foi reportada qualquer execução”, diz o Tribunal de Contas (Expresso, texto da jornalista Joana Nunes Mateus)

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