sábado, novembro 19, 2022

Com o inverno à porta, contestação à inflação na Europa ameaça causar instabilidade política



Greves e protestos por salários equiparados a uma inflação sem precedentes devido à guerra russa na Ucrânia, que aumentou os preços da energia e dos alimentos, ameaçam intensificar-se no inverno e causar instabilidade política na Europa. A cerca de um mês do início da estação mais fria no continente europeu, a onda de contestação já começou em vários países, com milhares a protestar na Plaza Mayor em Madrid; uma greve geral em França, onde 100.000 pessoas também saíram à rua esta semana em várias cidades exigindo aumentos salariais que acompanhem o ritmo da inflação; milhares numa marcha em Berlim; manifestantes na Roménia a tocarem buzinas para expressar revolta contra o aumento do custo de vida; e, no Reino Unido, uma greve sem precedentes dos enfermeiros e outra no setor ferroviário. Isto, depois de os primeiros protestos terem ocorrido em setembro, por exemplo com uma concentração de 70.000 pessoas na República Checa a contestar a forma como o Governo estava a lidar com a crise energética, e manifestações em cidades alemãs como Colónia e Leipzig. Apesar de os preços do gás natural terem caído em relação aos recordes registados no verão e de os Governos terem investido, desde setembro de 2021, 576 mil milhões de euros em iniciativas para aliviar as despesas com a energia das famílias e empresas, segundo o ‘think tank’ Bruegel, de Bruxelas, tal não se revelou suficiente para muitos manifestantes. Os preços da energia elevaram a inflação nos 19 países da Zona Euro para um recorde de 9,9% em setembro, tornando mais difícil para as pessoas a compra dos bens de que necessitam. Muitas não veem outra alternativa a não ser ir para a rua protestar. Embora a estabilização dos preços da energia e um outono ameno tenham representado para os europeus um bem-vindo intervalo, uma nova sondagem sugere que a crise para a qual a Europa está a preparar-se neste inverno já chegou. Uma em cada quatro pessoas diz estar em situação precária, ao passo que a maioria dos europeus já passaram mal por causa de dificuldades financeiras, revelou o mais recente estudo de opinião da organização não-governamental (ONG) francesa Secours Populaire, citado pela Euractiv (rede de meios de comunicação pan-europeia independente). A Secours Populaire, o instituto de investigação IPSOS e os seus parceiros europeus entrevistaram 6.000 cidadãos europeus sobre a questão da precariedade em seis países: França, Itália, Grécia, Alemanha, Polónia e Reino Unido. “Há um aumento muito acentuado da precariedade na Europa”, declarou a secretária-geral da Secours Popular, Henriette Steinberg. Os números finais mostram que 51% dos inquiridos na Grécia dizem que uma despesa inesperada pode deitá-los abaixo. Este número é de 18% na Alemanha e de entre 20% e 25% em França, Itália, Polónia e Reino Unido. “Existe uma preocupação crescente entre os europeus de que cada vez mais pessoas não conseguem encontrar soluções viáveis para se sustentarem e às suas famílias”, indicou Steinberg. A maioria dos europeus já se confrontou com escolhas complicadas devido a uma situação financeira difícil: alguns tiveram de diminuir as deslocações, reduzir o aquecimento, comprar menos alimentos para conseguir pagar a prestação do empréstimo da casa, pedir ajuda a familiares e arranjar empregos adicionais para sobreviver. “Apercebemo-nos de que todos os europeus têm as mesmas preocupações: alimentação, cuidados de saúde, habitação e condições para criar os filhos. Esta é a vida quotidiana de dezenas de milhões de pessoas”, observou a responsável da ONG. Em outubro, a inflação anual na Zona Euro — que já tinha registado um recorde de 9,9% em setembro — subiu para 10,6%, segundo o Eurostat, gabinete de estatística da União Europeia. Mas, para alguns europeus, poupar dinheiro não é suficiente: 42% dos inquiridos já pediram a familiares para lhes emprestarem ou darem dinheiro para conseguirem sobreviver. Este número é “um sinal de alarme”, segundo Steinberg, porque significa que “estas pessoas já não têm como sobreviver”. A taxa de endividamento é mais elevada na Grécia (63%), seguida do Reino Unido, Itália e Polónia (entre 40% e 41%), França (36%) e Alemanha (35%). Mas pedir empréstimos não é sustentável a longo prazo, porque, argumentou a deputada francesa Aurélie Trouvé, citada pela Euractiv, por um lado, “as pessoas não se atrevem a pedir dinheiro aos seus familiares, ou estes simplesmente não podem ajudá-las”, e, por outro lado, “é provável que as famílias contraiam empréstimos ao consumo, mas essa solução de emergência pode ser arriscada, perante o aumento das taxas de juro”. “O risco mais grave seria o surgimento de uma crise financeira e bancária, como durante a crise do ‘subprime’ em 2007, nos Estados Unidos, se as famílias já não tiverem solvência”, declarou Trouvé, que defende a reposição do poder de compra das famílias mais pobres para relançar o crescimento económico. “Se as famílias já não tiverem poder de compra, então a procura ficará a meio-gás e entrará em queda. Se a procura colapsar, a produção também colapsa e, com ela, os empregos”, alertou, acrescentando: “É um círculo vicioso, estamos a caminhar para uma catástrofe social”. A empresa de consultoria de risco Verisk Maplecroft, citada pela agência de notícias norte-americana Associated Press (AP), também partilha a opinião de que as consequências da guerra na Ucrânia – invadida pela Rússia a 24 de fevereiro deste ano — “aumentaram drasticamente o risco de agitação civil na Europa”. Os líderes europeus apoiaram fortemente a Ucrânia, enviando armas para o país, impondo sanções políticas e económicas à Rússia e “comprometendo-se ou vendo-se obrigados a abdicar do petróleo e do gás natural russos baratos, mas a transição não está a ser fácil e ameaça minar o apoio público” aos Governos europeus. “Não há uma solução rápida para a crise energética”, sustentou Torbjorn Soltvedt, analista da Verisk Maplecroft, acrescentando que “o mais provável é que a inflação seja pior no próximo ano do que tem sido este ano”. Tal significa que a relação entre a pressão económica e a opinião popular sobre a guerra na Ucrânia “será realmente testada”, comentou (Sapo)

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