sábado, novembro 19, 2022

Mundial 2022: Os números da vergonha que o Qatar não quer ver nem mostrar



Entre trabalhadores mortos ou feridos, direitos humanos desrespeitados e milhões de dólares gastos são muitos os valores que ajudam a perceber as vozes críticas contra a realização do campeonato naquele país. À medida que se aproxima o início do Mundial de Futebol, no próximo domingo, 20, mais e novos factos vão sendo revelados sobre a preparação desta competição, a maior e mais importante a nível futebolístico. Com as equipas de jornalistas de todo a mundo já no terreno, mais notícias serão publicadas sobre os direitos humanos e dos trabalhadores da construção dos estádios de futebol desrespeitados pelas autoridades daquele país do Médio Oriente. Estes números, que ficarão na História do desporto, não abonam em nada a favor da competição. E, por mais que Gianni Infantino, presidente da FIFA, peça para que o foco seja apenas o futebol, é impossível.

0 - Número de cláusulas ou condições de direitos humanos referentes à proteção dos trabalhadores solicitadas pela FIFA às autoridades do Qatar, ao conceder os direitos de ser o país anfitrião da prova mundial.

200 mil milhões de dólares - quantia gasta pelo Qatar na preparação do Mundial de Futebol, mais 189 mil milhões de dólares do que os 11 mil milhões gastos pela Rússia em 2018.

3 - Número oficial de mortes de trabalhadores durante os preparativos para o Mundial2022, segundo os responsáveis do Qatar e Gianni Infantino. Nicholas McGeehan, da organização de direitos humanos Fair Square, apelida esse número de “tentativa deliberada de enganar”, pois concentra-se em projetos que representam apenas 1% da construção no Qatar. O Comité Supremo diz que outros 36 trabalhadores dos canteiros de estádios também morreram, mas por motivos “não laborais” – ou seja, morreram após um dia de trabalho de “causas naturais”.

Número indefinido

É desconhecido o número certo de trabalhadores migrantes que morreram por negligência em projetos ligados ao Mundial, que na verdade nunca será conhecido. Segundo a Organização Não Governamental Human Rights Watch (HRW), “as autoridades do Qatar falharam na investigação das causas das mortes de milhares de trabalhadores migrantes, muitas das quais são atribuídas a ‘causas naturais’”. A HRW também descobriu que, nesses casos, as famílias raramente recebem indemnização por morte porque, de acordo com a lei do trabalho daquele país, as mortes não são consideradas relacionadas com a profissão, ficando sem direito a indemnização.

6 500 - Trabalhadores migrantes da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka que morreram no Qatar desde que, há dez anos, ganhou o direito de ser o país anfitrião do Mundial de futebol. Uma média de 12 trabalhadores migrantes morreram a cada semana. Dados desses cinco países revelaram que houve 5 927 mortes de trabalhadores migrantes no período 2011-2020. Em separado, informações da embaixada do Paquistão no Qatar relataram mais 824 mortes de trabalhadores paquistaneses, entre 2010 e 2020. Mortes de trabalhadores nepaleses devido ao calor no Qatar, de acordo com um estudo feito em 2019 e publicado na revista Cardiology. Foi encontrada uma correlação, concluindo que “até 200 das 571 mortes cardiovasculares [de trabalhadores nepaleses] durante 2009-2017 poderiam ter sido evitadas” com medidas eficazes de proteção contra as altas temperaturas. “Sabemos que os trabalhadores estão a fazer avaliações médicas antes de deixar os seus países de origem e na chegada”, diz Isobel Archer, do Business & Human Rights Resource Centre. “Os homens são considerados aptos e saudáveis, mas sabemos que houve muitas, muitas mortes entre jovens previamente aptos e saudáveis numa escala que seria surpreendente em qualquer outro contexto.”

100 mil - Número mínimo de trabalhadores migrantes que a Amnistia Internacional considera terem sido explorados e sofrido abusos por causa das leis do trabalho e o acesso insuficiente à justiça no Qatar, nos últimos 12 anos.

14-18 - Horas de trabalho diário para muitos dos trabalhadores migrantes no Qatar, principalmente nos setores doméstico e de segurança, de acordo com a Amnistia Internacional. Um relatório recente da Equidem, empresa de consultoria especialista em direitos humanos e direitos do trabalho para empresas, governos e setores sem fins lucrativos, encontrou vários relatos, como o de um trabalhador queniano que descreveu trabalhar 14 horas por dia no Lusail Stadium sem lhe serem pagas horas extras durante mais de dois anos.

264 Euros - Salário mínimo legal por mês no Qatar (1 000 rial), com fornecimento de alimentação e alojamento. Nos últimos anos, as autoridades procederam a uma série de alterações à lei do trabalho, incluindo a introdução de um salário mínimo e a abolição do kafala (“sistema de patrocínio”).

1 300-3 000 - Variação em dólares pagos como taxa de recrutamento por alguns trabalhadores migrantes da Índia, Bangladesh, Nepal, entre outros países. Embora isso agora seja ilegal, muitos trabalhadores ainda estão a lutar para pagar as suas taxas de recrutamento, as dívidas associadas e mesmo assim conseguir enviar dinheiro para as famílias.

119 - Classificação do Qatar, entre 180 países, no índice de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras.

7 - Anos de prisão que homens e mulheres, que mantêm relações sexuais fora do casamento, podem enfrentar, de acordo com o artigo 281 do código penal. Segundo a HRW, esse pena afeta de forma desproporcional as mulheres que forem processadas se denunciarem terem sido vítimas de violação.

11 - Casos de maus-tratos na detenção de lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgéneros entre 2019 e 2022, de acordo com um relatório da HRW, de outubro deste ano. As forças do Departamento de Segurança Preventiva do Qatar prenderam, de forma arbitrária, pessoas LGBT, submetendo-as a maus-tratos na prisão, incluindo seis casos de espancamentos graves e repetidos e cinco casos de assédio sexual sob custódia policial, entre 2019 e 2022. Como requisito para a sua libertação, as autoridades determinaram que as mulheres transgénero detidas participassem em sessões de terapia de conversão, em instalações do governo, até então desconhecidas.

5 - Possível número de anos de prisão, sob o artigo 296 do código penal do Qatar, por “conduzir, instigar ou seduzir um homem de qualquer forma a cometer sodomia ou dissipação” e “induzir ou seduzir um homem de qualquer forma a cometer atos ilegais ou imorais”.

400 milhões de dólares - Valor que a Amnistia Internacional e outras organizações humanitárias acreditam que a FIFA deveria disponibilizar para ajudar a compensar os trabalhadores migrantes que morreram ou sofreram ferimentos no Qatar. Isso equivale ao prémio em dinheiro da competição mundial de futebol. Contudo, o ministro do Trabalho do Qatar rejeitou tais propostas, alegando que as críticas ao governo são consideradas “racistas”. Ali bin Samikh al-Marri disse à Agence France-Presse que “não há critérios para estabelecer esses fundos” e perguntou: “Onde estão as vítimas? Têm os nomes das vítimas? Como obtiveram esses números?” (Visão)

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