Advogados do empresário citam nova avaliação feita pelo galerista norte-americano Gary Nader. Ministério da Cultura lembra que as avaliações posteriores a 2006 “foram feitas sem acesso à colecção”. A Associação Colecção Berardo entregou esta quarta-feira, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, um requerimento pedindo a revogação da acção de arresto judicial que em Julho de 2019 visou a colecção de arte contemporânea do empresário José Berardo, depositada no Centro Cultural de Belém (CCB) desde 2006. O argumento que os advogados do empresário invocam para esta nova diligência, revelada esta manhã pelo Diário de Notícias, é uma avaliação que terá sido realizada no passado mês de Setembro pelo galerista e coleccionador norte-americano Gary Nader. O conjunto das 862 peças que constituem o fundo da Colecção Berardo sediada no CCB atinge, de acordo com esta nova avaliação, um valor próximo de 1,5 mil milhões de euros, soma que cobre com grande vantagem os 962 milhões de euros das reclamadas dívidas do empresário à Caixa Geral de Depósitos, ao BCP e ao Novo Banco. “Não tendo havido manifestamente desvalorização da garantia [dada em 2008, quando a Colecção Berardo foi avaliada pela Christie’s em 316 milhões de euros], antes tendo havido a valorização [agora] verificada, esta acção [o arresto] não pode proceder”, defendem os advogados Henrique Abecasis e Carlos Costa Caldeira num documento a que o PÚBLICO teve acesso.
Recorde-se que em 2006, quando
o Estado e o coleccionador madeirense assinaram o acordo que deu origem à
instalação do Museu Berardo no CCB, a avaliação da Christie’s incidiu apenas
sobre o designado “Volume I” do seu acervo, que no total reúne 862 peças de 505
artistas. E foi esse montante de 316 milhões de euros que serviu, em 2008, de
garantia nos negócios de Berardo com os bancos referidos, nota a Associação
Colecção Berardo.
Ao valor de mercado desse
“Volume I” – que, segundo a avaliação invocada pelos representantes do
empresário, ascende a 1454 milhões de euros –, Gary Nader acrescenta agora duas
novas parcelas: os 68,35 milhões que diz valer o “Volume II” da colecção de
Berardo (572 obras de 149 artistas), e os 9,545 milhões que calcula para o
“Volume III” (895 obras de 59 artistas).
Segundo a Associação Colecção
Berardo, a colecção (com 2339 obras de arte) “pode valer 1,8 mil milhões de
euros, se for adquirida na sua totalidade”.
Apoiando-se nestes números, os
advogados do empresário defendem agora que para os bancos que reclamam a
“cobrança dos seus alegados créditos, a situação está até melhorada”. “Não
houve qualquer desvalorização dos títulos empenhados e do respectivo penhor”,
argumenta fonte ligada ao processo, “pelo que a acção não deverá proceder”.
Um “próximo” de José Berardo
A nova avaliação que agora faz
a sua entrada em cena neste processo foi pedida a Gary Nader, galerista,
negociante e coleccionador norte-americano sediado em Miami, muito focado na promoção
da arte latino-americana, e com quem José Berardo mantém desde há anos relações
comerciais e artísticas.
Já em Abril de 2009, a pedido
do empresário, Nader tinha avaliado o conjunto da Colecção Berardo em 571
milhões de euros.
Entre Dezembro de 2012 e Março
de 2013, o coleccionador português levou à galeria de Nader em Miami a
exposição Master pieces from the Berardo Collection, que contou com cerca de
120 mil visitantes; em Outubro de 2013, uma outra selecção de obras adquiridas
através do galerista norte-americano, com destaque para artistas brasileiros e
cubanos, mas também para o colombiano Fernando Botero, de que Gary Nader é um
dos maiores coleccionadores, fez a inauguração do Centro de Cultura
Contemporânea de Castelo Branco.
Se o tribunal considerar
procedente a argumentação da Associação Colecção Berardo em tempo útil (o que
será pouco provável), a anunciada decisão do Ministério da Cultura (MC) de
criar no CCB um novo Museu Nacional de Arte Contemporânea, contando para o efeito
com o acervo que está à sua guarda, poderá ver-se afectada.
Confrontado com esta
possibilidade, o gabinete de Pedro Adão e Silva reafirmou ao PÚBLICO que “o
Estado não é parte no referido processo” que opõe Berardo ao consórcio de três
bancos, sublinhando que esta nova acção “é apenas um requerimento no processo
no qual foi determinado o arresto”.
De acordo com os termos do
arresto, o CCB é o fiel depositário da colecção e o Estado deve assegurar a sua
fruição pública enquanto o acervo se mantiver arrestado. Isto independentemente
de, por decisão de Pedro Adão e Silva, o acordo de comodato com o empresário
cessar no próximo dia 31 de Dezembro.
“É nossa intenção que o Estado
recupere a gestão do módulo 3 do CCB, o que permitirá revigorar a actividade
desse espaço e articular os seus três núcleos: o centro de artes performativas;
o centro de arquitectura; e o museu de arte contemporânea, que potencie várias
colecções”, notou ainda, por email, o gabinete do ministro, acrescentando que
assim que haja uma decisão dos tribunais sobre o processo “o MC estará
disponível para negociar com quem os tribunais determinarem como proprietário
da colecção”
Sobre a avaliação agora apresentada, o ministério de Pedro Adão e Silva nota que, “desde o início do protocolo, apenas existiu uma avaliação formal, em 2006, pela Christie’s”. “Em 2011, o então secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, foi impedido, por uma providência cautelar interposta pelo senhor José Berardo, de proceder a uma nova avaliação”, recorda o gabinete, frisando que as avaliações informais entretanto ocorridas se fizeram “sem acesso à colecção propriamente dita” (Publico, texto do jornalista Sérgio C. Andrade)
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