Tribunal Eleitoral abriu investigação, a pedido do PT, contra os filhos do presidente e outros influenciadores por liderarem "um complexo e elaborado ecossistema de desinformação". O DN teve acesso à ação. Carlos Bolsonaro, como os irmãos, alguns ex-ministros, deputados e influenciadores, num total de 27 líderes, são chamados na queixa do PT de spin doctors, aqueles que ditam as fake news. Se Lula da Silva for eleito, será graças ao financiamento do narcotráfico, espalha um dos 27 apoiantes de elevado perfil mediático de Jair Bolsonaro, entre os quais se incluem os seus três filhos políticos. A informação é então organizada num dos canais afetos ao presidente no YouTube e depois disseminada já como conteúdo escrito, áudio ou vídeo no Twitter. Alguns conteúdos chegam a 20 milhões de visualizações. Este é, em traços gerais, o roteiro das fake news criadas e difundidas pelo bolsonarismo, sob investigação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde quinta-feira. O plenário do TSE acolheu ação do departamento jurídico do PT a que o DN teve acesso. Na sequência, mandou investigar o segundo dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, considerado o estratega do "ecossistema de desinformação" - uma expressão usada no texto aprovado em plenário - desenvolvido pelo campo de Bolsonaro nas eleições de 2022, além de outros perfis bolsonaristas nas redes, entre os quais os dos seus irmãos Flávio, o primogénito, e Eduardo, o terceiro filho, e do próprio Jair.
Para o relator do processo, Benedito Gonçalves, "o esquema de divulgação de forma coordenada e orquestrada de disseminação de informações falsas identificado na campanha de 2018 ganhou mais complexidade e uma forma elaborada de financiamento". O que "pode configurar abuso de poder político, poder económico e uso indevido dos meios de comunicação". O TSE decidiu ainda bloquear o documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?, da produtora de conteúdo de extrema-direita Brasil Paralelo, cujo lançamento estava previsto para as vésperas da segunda volta, no dia 30.
Leandro Ruschel, fundador da produtora, reagiu: "Acabaram de
censurar um documentário, sem saber qual é o conteúdo. Censura prévia, simples
assim. Como ocorre em Cuba, Venezuela, Coreia do Norte". E Carlos
Bolsonaro também: "Mesmo que a censura esteja a todo o vapor, sabemos como
pode piorar neste e em todos os sentidos".
O gabinete jurídico do PT acompanhou a ação de Carlos nas redes sociais
em dois períodos, de 1 a 21 de maio e de 15 de agosto a 30 de setembro.
"Desta forma, foi possível mapear uma rede de interação em torno de
Carlos, na qual circulam um conjunto de fake news coordenadas entre si",
diz o texto.
Carlos, como os irmãos, alguns ex-ministros, deputados e
influenciadores, num total de 27 líderes, são chamados na queixa do PT de spin
doctors, aqueles que ditam as fake news e que, pelo alto número de seguidores,
fazem a desinformação circular rapidamente, um de cada vez, jamais todos
juntos, mas sempre com o segundo dos filhos do presidente como ponto comum.
Depois há os "produtores de conteúdo", cuja função é organizar
as notícias falsas em programas, por exemplo, no YouTube, como Kim Paim,
bolsonarista radicado na Austrália. Finalmente, os "promotores de
conteúdo" que transformam a informação errada em meme, em áudio ou em
vídeo.
O objetivo da divulgação de fake news é criminalizar o PT e Lula, ora
espalhando a ideia de que o partido é uma organização criminosa que manda matar
opositores, ora que o antigo presidente tem um projeto de poder totalitário
para a América Latina e para implantá-lo teria o apoio do Supremo Tribunal Federal
(STF) e do citado TSE. Nessa linha narrativa, o STF permitiu a Lula recuperar
os direitos políticos para se candidatar e vencer com base numa fraude no
sistema eleitoral controlado pelo TSE. À imprensa dos meios de comunicação
tradicionais cabe o papel de "militância de redação".
Outro ponto da ação do PT destaca que nalgumas das redes sociais em que
o "ecossistema da desinformação" atua, Twitter, Facebook, TikTok,
Instagram, Kway, Gettr e outras, os difusores de notícias falsas que atinjam
mais pessoas podem rentabilizar financeiramente essa difusão.
As fake news são ainda divididas na ação entre as de
"rastilho", mais localizadas, como um áudio falso de Lula a
supostamente mandar matar Antonio Palocci, seu ex-aliado, e as de "cauda
longa", mais espaçadas, como a de que o candidato, se eleito, acabará com
a propriedade privada, liberalizará o aborto e fechará igrejas.
O fecho de igrejas, segundo um dos autores da peça do PT, tornou-se,
aliás, a "fake símbolo" de 2022, depois de em 2018, esse título ter
ido para a notícia de que o então candidato à presidência Fernando Haddad
obrigaria as crianças a usar biberões em forma de pénis para combater a
homofobia.
Lula vem, por isso, acusando Bolsonaro de pautar a campanha com base em
mentiras e de utilizar a religião, o poder económico e a máquina pública na busca
de votos. E em ato no Rio de Janeiro foi obrigado, mesmo, a desmentir a ligação
do PT ao narcotráfico e atirar a bola para o outro campo. "Quem está tendo
acesso a arma não são as pessoas honestas, quem está a ter acesso a armas é o
narcotráfico e o crime organizado, que vão livremente comprá-las graças aos
decretos de Bolsonaro que liberaram armas para todo o mundo".
Três perguntas ao advogado Angelo Ferraro.
Em que consiste a ação do PT acolhida pelo Tribunal Eleitoral?
A ação demonstra a concertação entre perfis para a criação, produção e
difusão de notícias falsas dentro de um ecossistema de desinformação que
promove uma "desordem informacional" que perturba o processo
eleitoral. E demonstra na prática que materiais já reputados de ilícitos seguem
armazenados para ser acessados a qualquer tempo e novamente partilhados, numa
escala impressionante, criando-se um ciclo de perpetuação de fake news que
desafia as ordens judiciais de remoção de conteúdo e tem efeitos nefastos sobre
a normalidade eleitoral.
Qual o papel de Carlos Bolsonaro no processo?
Dividimos os atores do ecossistema de desinformação em spin doctors,
produtores de conteúdos e promotores de conteúdos, Carlos é o eixo central.
Em que esta ação se destaca de outras no mesmo sentido?
Construímos uma inovadora tese jurídica que vai marcar o debate em democracias no resto do mundo: as discussões sobre fake news estavam sempre no campo da denúncia individual, agora há um conjunto probatório organizado juridicamente para enfrentar a desinformação (DN-Lisboa, texto do jornalista João Almeida Moreira, São Paulo)
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