Paracetamol, ibuprofeno,
pílula anticoncecional ou Viagra podem ter efeitos secundários tão graves
quanto os coágulos já considerados, pela Agência Europeia do Medicamento,
consequência da vacina da AstraZeneca. Avaliar o benefício/ risco enquanto não
se descobre a causa é o conselho dos especialistas
“Todos os medicamentos têm efeitos adversos graves. Não há medicamento que seja eficaz e não os tenha”, afirma, de forma veemente, Francisco Batel Marques, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. E, referindo-se à frequência com que surgiram relatos de casos de tromboses com redução acentuada do número de plaquetas em pessoas que tomaram a vacina da Astrazeneca, o especialista comenta mesmo, “uma prevalência de um em 100 mil nem existe”.
Mais cauteloso é o
investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM), Miguel Prudêncio, que,
apesar de admitir que “um em 100 mil é objetivamente uma probabilidade muito
baixa”, sublinha que, neste caso, “o problema é estarmos a falar de um efeito
adverso, potencialmente, bastante grave”.
Mas será que outros medicamentos, usados frequentemente pela população, não apresentam, até com maior probabilidade, perigos semelhantes? “As pessoas, e bem, confiam nos medicamentos que estão aprovados por peritos de entidades de saúde credíveis, mas a verdade é que todos eles envolvem grandes riscos”, explica o primeiro presidente do Infarmed e ex Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, José Aranda da Silva. Segundo o especialista em Registo e Regulamentação Farmacêutica é um erro banalizar a ideia que, a partir do momento em que são aprovados, os medicamentos não têm riscos.
As pessoas, e bem,
confiam nos medicamentos que estão aprovados, mas a verdade é que todos eles
envolvem grandes riscos
JOSÉ ARANDA DA SILVA – EX
BASTONÁRIO DA ORDEM DOS FARMACÊUTICOS
De facto, a probabilidade
de ocorrência de efeitos secundários, causados por medicamentos, obedece a uma
norma estabelecida pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) e hierarquiza-se
em muito raro (<1/10.000) , raro (≥1/10.000, <1/1.000), pouco frequente (≥1/1.000, <1/100), frequente (≥1/100, <1/10) e muito frequente (muito frequentes (≥1/10). Mesmo os
anti-inflamatórios ou analgésicos, extremamente seguros e com décadas de
exposição populacional, não estão livres de efeitos secundários.
Fazendo uma rápida
pesquisa no Infomed, a base de dados de medicamentos de uso humano do Infarmed,
é possível perceber que, por exemplo, entre os efeitos secundários muito raros
(<1/10.000) do ibuprofeno encontram-se, entre outros, palpitações,
insuficiência cardíaca, enfarte do miocárdio e edema pulmonar agudo. Quanto ao
paracetamol, os efeitos secundários muito raros vão da asma analgésica à
trombocitopenia (redução de plaquetas no sangue), passando pela dispneia,
acessos de sudação, náuseas, queda da tensão arterial e até mesmo choque.
O Viagra, por seu lado,
apresenta entre vários efeitos secundários raros (≥1/10.000, <1/1.000), morte súbita, enfarte do
miocárdio e arritmia ventricular. No que respeita os anticoncecionais, a
pílula, entre outros efeitos secundários, pode provocar, raramente (≥1/10.000, <1/1.000),
tromboembolismo venoso ou tromboembolismo arterial. José Aranda da Silva
defende mesmo que o risco tromboembólico deste tipo de contracetivo “é muito
maior do que este da vacina”. No caso da Astrazeneca, explica o farmacêutico,
estamos perante “pessoas que não sabiam que tinham uma doença rara, que se
desencadeou na altura em que tomaram a vacina”.
“Temos de perceber que
estas situações não são generalizáveis”, alerta Francisco Batel Marques,
referindo-se aos efeitos secundários de muitos medicamentos. “Não sabemos se os
doentes onde aconteceram estes efeitos tinham outras doenças ou algum aspeto
particular de saúde nunca antes diagnosticado”, explica. O professor faz o
paralelo com a vacina da Astrazeneca, defendendo que é importante perceber bem
se existem sub-grupos populacionais que têm, por alguma razão ainda a
identificar, um risco acrescido de complicações.
· Efeito secundário muito
raro (<1/100.000) da vacina da Astrazeneca: coágulos no sangue
· Efeitos secundários muito
raros (<1/10.000) do ibuprofeno: palpitações, insuficiência cardíaca,
enfarte do miocárdio e edema pulmonar agudo.
· Efeitos secundários muito
raros (<1/10.000) do paracetamol: asma analgésica, trombocitopenia (redução
de plaquetas no sangue), dispneia, acessos de sudação, náuseas, queda da tensão
arterial, choque
· Efeitos secundários raros
(≥1/10.000, <1/1.000) do
Viagra: morte súbita, enfarte do miocárdio e arritmia ventricular.
· Efeitos secundários raros
(≥1/10.000, <1/1.000) da
pílula contracetiva: tromboembolismo venoso e tromboembolismo arterial.
Avaliar a relação
benefício-risco
Quando temos em mãos
situações semelhantes à que assistimos com a vacina da Astrazeneca, os
especialistas defendem a necessidade de uma boa avaliação do benefício-risco.
Francisco Batel Marques explica que esta depende, em primeiro lugar, da
indicação terapêutica e da gravidade da patologia, em segundo lugar, da
existência de alternativas terapêuticas e, em terceiro, da monitorização dos
efeitos adversos.
Por exemplo, no caso do
cancro, tanto Francisco Batel Marques como José Aranda da Silva referem que os
medicamentos causam efeitos secundários muito graves, mas estes são aceitáveis,
pois trata-se da última opção terapêutica possível para salvar os doentes.
É certo que, no caso da
vacina contra a Covid-19, existem outras opções, mas, como sublinha Francisco
Batel Marques, “estamos perante uma pandemia que ameaça a humanidade e sem
vacinas não conseguimos ser eficazes. Esta vacina pode estar a levantar
problemas, mas é preciso estudar mais”.
Esta vacina pode estar a
levantar problemas, mas é preciso estudar mais
FRANCISCO BATEL MARQUES –
FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
José Aranda da Silva dá o
exemplo da talidomida, atualmente usada no tratamento da lepra e do mieloma
múltiplo (cancro do sangue), mas que, nos anos 50, por ter sido dada a
grávidas, provocou deformações em muitas crianças recém nascidas. “Afinal,
descobriu-se que é extremamente importante no tratamento destas doenças, basta
que não seja dada a grávidas”.
De acordo com as últimas declarações, a EMA, apesar de admitir que os casos de tromboses com redução acentuada do número de plaquetas devem ser considerados efeitos secundários da vacina, não conseguiu ainda descobrir nenhum fator de risco que explique o fenómeno. Os especialistas acreditam que, se tal acontecer, é provável que se determinem sub-grupos populacionais, com características específicas, aos quais será recomendada a evicção da vacina (Visão)
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