A tendência para encontrar explicações que se encaixem naquilo que já pensamos sobre o mundo, mesmo contra a evidência factual, é um elemento essencial. Outro é a construção da identidade pessoal a partir de certas posições que tomamos As vacinas contra a covid-19 são uma forma de implementar chips minúsculos a partir das quais as pessoas passam a estar controladas à distância. Ou são uma forma de esterilizar negros (ou muçulmanos, nos países muçulmanos). Também poderão ser simplesmente uma forma de a indústria farmacêutica ganhar dinheiro, após ter inventado uma pandemia falsa que convenceu o mundo inteiro de que as vacinas eram necessárias, com a cumplicidade dos governos e de muitos cientistas que estão dentro do negócio
Esta breve amostra das teorias da conspiração antivacina não é novidade, e há outras atualmente a correr. Vem a propósito lembrar que esse tipo de pensamento, frequentemente associado a momentos de angústia coletiva, se insere numa tradição longa de séculos, que tem normalmente os seus momentos de apogeu em fases de angústia coletiva. Há vinte anos, as teorias eram sobre o 11 de Setembro (foi obra dos judeus ou nunca existiu, conforme as teorias. A primeira era provada pelo facto de nenhum judeu ter ido trabalhar para o World Trade Center naquele dia fatal; a segunda, pela óbvia implausibilidade de as torres caírem daquela maneira, ou de aviões abrirem buracos como aqueles que vimos na televisão...).
Pouco antes, tinha
havido as teorias sobre a morte da princesa Diana (obra de poderes ocultos que
quiseram impedir que ela apoiasse os palestinianos; ou talvez do agora falecido
príncipe Filipe, segundo garantia Mohamed al-Fayed, pai do namorado da
princesa, Dodi al-Fayed, que morrera juntamente com ela no suposto acidente em
Paris).
Entre o fim da
Segunda Guerra Mundial e as décadas de 70/80, com a Guerra Fria, a guerra do
Vietname e as sucessivas convulsões sociais que abalaram muitos países, não
tinham faltado conspirações para todos os gostos: da CIA, da China e da Rússia,
para só citar alguns atores habituais. Muitas delas apareceram em filmes com
titulos como "Os Três Dias do Condor" e "O Candidato da
Manchúria". Os inimigos estavam em todo o lado, e cada pessoa tinha o seu
predileto.
Além da CIA, da
China e da Rússia, havia outros que eram de sempre, entre eles a maçonaria e os
judeus. Estes gozam a trágica distinção de serem uma vítima ancestral de
teorias da conspiração, desde os velhos mitos que os acusavam de matar crianças
cristãs para usar o sangue delas em rituais até aos Protocolos de Sião, um
documento que presumia confirmar um plano secreto de judeus dele para dominar o
mundo.
Esse texto, na
verdade, foi obra da polícia czarista russa, o que mostra que às vezes a Rússia
e outros países estão mesmo por trás de conspirações bem reais. Podem é não ser
aquelas que se julga.
UM FENÓMENO DA
MODERNIDADE
Embora as teorias
da conspiração sejam muito antigas, é a partir do Iluminismo, paradoxalmente,
que elas começam realmente a florescer, como consequência de se ter passado a
pensar que é o Homem, e não Deus, o principal responsável pelo que acontece no
mundo - e que existe uma racionalidade essencial nas coisas que é tarefa do
Homem descobrir.
"É a própria
condição da modernidade que as torna (às teorias da conspiração)
particularmente atraentes", escreveu Max Read na New York Magazine o ano
passado. "Há séculos que vivemos num mundo cada vez mais conectado e interdependente,
governado por arranjos instáveis e em mutação de instituições burocráticas e
mercados livres. Em teoria, este mundo, é dirigido pela agência humana; na
prática, a agência particular de cada indivíduo é fortemente limitada e com
frequência irrelevante.
"Para pessoas
a atravessar uma crise financeira ruinosa ou alterações climáticas devastadoras
- ou mesmo mudanças sociais rápidas que não têm efeito material nas suas
vidas", continua Read, "pode ser difícil entender uma cascata de
eventos que parecem não ter nenhuma cadeia causal evidente, ou mesmo autores
humanos identificáveis. Como se justifica um mundo que somos supostos dominar,
mas é tão complexo que o seu funcionamento parece essencialmente opaco? Aí
entra a teoria da conspiração".
Alguém disse que o
que caracteriza as teorias da conspiração é a atribuição de intencionalidade,
de um ato humano deliberado, a algo que muito provavelmente foi produto do
acaso ou até da negligência. Também desempenha um papel a ideia intuitiva de um
evento muito importante ter uma causa à sua medida, não podendo dever-se a um
qualquer acaso ridículo.
O PRECONCEITO DE
CONFIRMAÇÃO E OUTRAS DISTORÇÕES
O preconceito mais
comum em jogo nas teorias da conspiração, segundo autores, porém, é aquilo a
que em inglês se chama 'confirmation bias' (preconceito de confirmação, numa
tradução à letra). A expressão refere- se à nossa tendência para encontrar
explicações que se encaixam naquilo que já pensamos. Se achamos, por exemplo,
que o mundo é dominado por uma determinada classe de pessoas, a nossa tendência
será para lhe atribuirmos uma grande variedade de males sem explicação aparente.
Ainda que a evidência factual contradiga essa explicação, muitas pessoas não se
deixarão demover. O próprio desmentido factual, paradoxalmente, será tomado
como confirmação da teoria que desmente literalmente.
Quanto mais
profundas forem as nossas convicções, maior será a nossa resistência a versões
opostas da realidade. A fé religiosa, as posições políticas de base e os
estereótipos sociais são das áreas em que parece ser mais difícil que alguém
mude de opinião sobre um assunto. Não é por acaso que uma boa parte dos
apoiantes de Trump, por exemplo, continuam a achar que ele na realidade venceu
a eleição presidencial de 2020, não obstante todas as evidências em contrário.
Outro fator em
jogo, segundo cientistas políticos como Brendan Nyhan, parece ser a forma como
as opiniões pessoais jogam com a autoimagem de uma pessoa. E não é só em
matéria de política. Se a pessoa se tornou conhecida no seu meio como alguém
que tem uma determinada posição, por exemplo, em relação ao valor protetor das
máscaras ou o do distanciamento social contra a pandemia, dificilmente essa
pessoa mudará de opinião ao fim de muitos meses, independentemente do consenso
científico consensual que possa existir na matéria. As convicções em causa
tornaram-se um elemento de identidade pessoal, e um laço entre as pessoas que
defendem a mesma posição.
UM MECANISMO
SEMELHANTE, VÍTIMAS REAIS
Segundo Seth
Mnokin, autor de "The Panic Virus", "é difícil demonstrar a
alguém que a sua leitura inicial de uma situação - o seu instinto, a sua reação
visceral, o seu sentimento - está, de facto, errado (...). Duas pessoas
inteligentes e razoáveis que discordam podem estar igualmente certas de que as
provas apoiam a sua compreensão dos 'factos'. É neste momento que o
'confirmation bias', o avô de todos os preconceitos cognitivos, entra em jogo -
quer dizer, é nesse preciso momento, quando devíamos procurar razões que
expliquem podermos estar errados, que começamos a sobrevalorizar qualquer
indicação que aponte para estarmos certos".
Mnokin acrescenta:
"Isso é a parte da razão por que nos pode ser tão difícil compreender o
método científico e aderir a ele. Vai contra a nossa natureza tentar descobrir maneiras
de encontrar buracos nos nossos argumentos". O seu livro, que examina como
os ativistas antivacina chegam às suas conclusões 'factuais', situa esse
fenómeno no contexto de outros tipos de teorias da conspiração. Muitas das
quais, tal como o movimento antivacina, acabam por fazer vítimas bastante reais
(Expresso, texto do jornalista Luís M. Faria)
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