A culpa não é da
pandemia, que aparentemente nem melhorou nem piorou a avaliação que os
portugueses fazem do estado da nossa democracia, mas para uma esmagadora
maioria dos inquiridos de uma sondagem ISC/ISCTE para o Expresso e para a SIC
nos 47 anos do 25 de Abril, a democracia portuguesa tem defeito. Não está em
causa a natureza do regime — apenas 4% consideram que Portugal nem é um regime
democrático. Mas está em causa a consistência e a plenitude da democraticidade
vivida e só 10% sentem que a nossa democracia é “plena”.
O carácter mais ou
menos defeituoso do regime divide dois grupos e o balanço, do mal o menos, não
cai para o pior prato da balança. Se 36% dos inquiridos dizem que Portugal é
uma democracia “com muitos defeitos” (fazendo 40%, se juntarmos os que não a
veem como tal), há 47% que apenas lhe apontam “pequenos defeitos”. A soma é que
estraga tudo: se excluirmos o grau, 83% de portugueses acham a vida democrática
à portuguesa defeituosa.
Não é difícil imaginar onde estão os mais queixosos. Encontram-se entre os eleitores que mais sentem na pele as desigualdades e que dizem ser “difícil” ou “muito difícil” viver com o seu rendimento. E também há quem se mobilize para esta avaliação menos positiva por razões políticas, como se vê se compararmos os 50% de eleitores que consideram a nossa democracia plena ou com pequenos defeitos e que assumem ser de direita ou simpatizantes do PSD, com os 71% que mostram simpatia pelo PS ou os 62% que dizem ser de esquerda e que congregam a maioria das opiniões mais favoráveis ao funcionamento do nosso regime democrático.
Na distribuição
por idades, quem melhor avalia a democracia portuguesa está entre os que
viveram ou têm memória do antes e do depois do 25 de Abril de 74. Eis os
números: 62% dos que consideram a nossa democracia apenas levemente defeituosa
estão entre os 45 e os 64 anos — ou nasceram com a revolução ou foram marcados
por ela. E 59% integram a geração dos filhos da faixa anterior, que já nasceram
e cresceram em democracia. Os que têm mais de 65 anos são menos otimistas,
apenas 55% aplaudem o estado do regime, talvez por terem sonhado com um pós-25
de Abril diferente. E a faixa mais magra de avaliações positivas (52%) está
entre os 25 e os 44 anos, no fundo os que já sentiram na pele sucessivas crises
económicas e sociais bem como as desigualdades que também afetam as
democracias.
POLÍTICOS LONGE
DAS PESSOAS
Globalmente, a
avaliação, não sendo catastrófica para o regime, expõe o fosso que para o
eleitorado existe entre quem vota e quem governa. O que se vê bem quando,
questionados sobre se a maior parte dos políticos se preocupa com aquilo que as
pessoas pensam, uma esmagadora maioria dos inquiridos diz claramente que “não”.
Apenas 21%
concordam totalmente (3%) ou em parte (18%) com a ideia de proximidade, atenção
e identificação entre a classe política e o que mais conta para a maioria das
pessoas. Enquanto 29% discordam em parte e 45% (a opção mais escolhida)
discordam “totalmente”. Ou seja, para 74% dos inquiridos o fosso é grande e
quando as pessoas pensam em alhos, os políticos preocupam-se com bugalhos.
Talvez a boa notícia seja que os eleitores não parecem tão fáceis de enganar
como às vezes se julga, porque se muitos agentes políticos são acusados de
estar sempre a dizer o que o povo quer ouvir, a sondagem mostra que o
desencontro é grande entre o que mensageiro diz e o que o destinatário esperava
escutar
FILHOS E ENTEADOS
Apesar disto, ou
por causa disto, a crença na utilidade do voto — pilar central de uma
democracia — continua a não ser maioritariamente posta em causa mas quase
divide ao meio os inquiridos. Confrontados com a frase “Votar dá a pessoas como
eu uma palavra sobre a maneira como se governa”, 36% (a fatia maior) concordam
“em parte” e 14% concordam “totalmente”, mas 22% discordam em parte e 23%
discordam totalmente. Ou seja, 50% tendem a acreditar que o seu voto não só
conta como influencia, e 45% tendem a discordar. Eis o fosso, outra vez.
Mas onde o
descrédito é mais gritante é na avaliação da forma mais ou menos equitativa
como o Estado gere a comunidade. A frase sugerida aos eleitores — “em geral, o
Estado é gerido de forma a beneficiar todas as pessoas” — é rejeitada por uma
expressiva maioria. Apenas 24% dos inquiridos concordam (5% totalmente e 19% em
parte) com a ideia, mas 72% discordam (31% em parte e 41% totalmente), ou seja,
acham que na forma como o Estado encara os cidadãos a quem,
constitucionalmente, é suposto garantir uma série de direitos, há mesmo filhos
e enteados.
O retrato da
democracia portuguesa não parece ter mudado com o ano anormal que o país viveu
sob os efeitos da pandemia covid. Dos portugueses inquiridos 68% dizem que em
comparação com o que se passava antes, a democracia em Portugal está “igual” e
apenas 20% consideram que piorou. Nas margens, surgem 4% que veem a nossa vida
democrática a funcionar melhor e 3% para quem está “muito pior”. Também aqui a
origem das avaliações mais negativas não surpreende — é predominante entre os
que dizem ser difícil viver com o seu rendimento atual.
Com o ano de
confinamento a agravar as condições económicas e sociais de muitas empresas e
famílias, 30% dos que consideram que a democracia passou a funcionar pior ou
muito pior estão entre os que viram os seus rendimentos sofrerem um abalo,
contra 19% que dizem que apesar de tudo “dá para viver”. Poucochinho?
45 ANOS, 45
CONCEITOS, 45 PERSONALIDADES
A Constituição
Portuguesa faz 45 anos no domingo e 45 personalidades das mais diversas áreas
foram convidadas a explicar em que é que conceitos basilares da Lei Fundamental
do país interferem nas nossas vidas. A iniciativa é da Plataforma de Cidadania
Nossa Europa, fundada e presidida pelo ex-eurodeputado PSD, Carlos Coelho, que
desafiou Marcelo Rebelo de Sousa a dar o pontapé de saída e o Presidente da
República aceitou. No dia 25 de abril, será publicado o vídeo onde Marcelo
explicará “O que é uma Constituição?”. Ao longo de um ano, semanalmente, será
publicado um vídeo no site e nas redes sociais da plataforma, com a explicação
de diferentes conceitos constitucionais e da lista de convidados constam, entre
outros, António Costa, Francisco Pinto Balsemão, Carlos Carreiras, Carlos Silva
(UGT), Miguel Poiares Maduro, Luís Marques Mendes, Raquel Vaz Pinto, Viriato
Soromenho Marques e António José Seguro. O ex-líder do Partido Socialista é
cofundador da Plataforma com Carlos Coelho. Convictos de que “o entusiasmo de
1976 desvaneceu-se ao longo destas quatro décadas e meia e um dos principais
motivos é a falta de informação e de uma comunicação mais clara sobre o que
está em causa com cada decisão política”, a Plataforma pretende combater esse
défice de informação e “preparar os portugueses para uma participação cívica
mais empenhada, sobretudo os mais jovens, que têm de conhecer o texto da
Constituição e os mecanismos que ela prevê para a defesa dos seus direitos”. A
Nossa Europa é uma associação que pretende promover o debate sobre a integração
europeia e o papel de Portugal na União. (Expresso, texto da jornalista ÂNGELA
SILVA)
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