sábado, abril 24, 2021

Sondagem: Democracia, sim. Mas com defeito

 


A culpa não é da pandemia, que aparentemente nem melhorou nem piorou a avaliação que os portugueses fazem do estado da nossa democracia, mas para uma esmagadora maioria dos inquiridos de uma sondagem ISC/ISCTE para o Expresso e para a SIC nos 47 anos do 25 de Abril, a democracia portuguesa tem defeito. Não está em causa a natureza do regime — apenas 4% consideram que Portugal nem é um regime democrático. Mas está em causa a consistência e a plenitude da democraticidade vivida e só 10% sentem que a nossa democracia é “plena”.

O carácter mais ou menos defeituo­so do regime divide dois grupos e o balanço, do mal o menos, não cai para o pior prato da balança. Se 36% dos inquiridos dizem que Portugal é uma democracia “com muitos defeitos” (fazendo 40%, se juntarmos os que não a veem como tal), há 47% que apenas lhe apontam “pequenos defeitos”. A soma é que estraga tudo: se excluirmos o grau, 83% de portugueses acham a vida democrática à portuguesa defeituosa.

Não é difícil imaginar onde estão os mais queixosos. Encontram-se entre os eleitores que mais sentem na pele as desigualdades e que dizem ser “difícil” ou “muito difícil” viver com o seu rendimento. E também há quem se mobilize para esta avaliação menos positiva por razões políticas, como se vê se compararmos os 50% de eleitores que consideram a nossa democracia plena ou com pequenos defeitos e que assumem ser de direita ou simpatizantes do PSD, com os 71% que mostram simpatia pelo PS ou os 62% que dizem ser de esquerda e que congregam a maioria das opiniões mais favoráveis ao funcionamento do nosso regime democrático.

Na distribuição por idades, quem melhor avalia a democracia portuguesa está entre os que viveram ou têm memória do antes e do depois do 25 de Abril de 74. Eis os números: 62% dos que consideram a nossa democracia apenas levemente defeituosa estão entre os 45 e os 64 anos — ou nasceram com a revolução ou foram marcados por ela. E 59% integram a geração dos filhos da faixa anterior, que já nasceram e cresceram em democracia. Os que têm mais de 65 anos são menos otimistas, apenas 55% aplaudem o estado do regime, talvez por terem sonhado com um pós-25 de Abril diferente. E a faixa mais magra de avaliações positivas (52%) está entre os 25 e os 44 anos, no fundo os que já sentiram na pele sucessivas crises económicas e sociais bem como as desigualdades que também afetam as democracias.

POLÍTICOS LONGE DAS PESSOAS

Globalmente, a avaliação, não sendo catastrófica para o regime, expõe o fosso que para o eleitorado existe entre quem vota e quem governa. O que se vê bem quando, questionados sobre se a maior parte dos políticos se preocupa com aquilo que as pessoas pensam, uma esmagadora maioria dos inquiridos diz claramente que “não”.

Apenas 21% concordam totalmente (3%) ou em parte (18%) com a ideia de proximidade, atenção e identificação entre a classe política e o que mais conta para a maioria das pessoas. Enquanto 29% discordam em parte e 45% (a opção mais escolhida) discordam “totalmente”. Ou seja, para 74% dos inquiridos o fosso é grande e quando as pessoas pensam em alhos, os políticos preocupam-se com bugalhos. Talvez a boa notícia seja que os eleitores não parecem tão fáceis de enganar como às vezes se julga, porque se muitos agentes políticos são acusados de estar sempre a dizer o que o povo quer ouvir, a sondagem mostra que o desencontro é grande entre o que mensageiro diz e o que o destinatário esperava escutar

FILHOS E ENTEADOS

Apesar disto, ou por causa disto, a crença na utilidade do voto — pilar central de uma democracia — continua a não ser maioritariamente posta em causa mas quase divide ao meio os inquiridos. Confrontados com a frase “Votar dá a pessoas como eu uma palavra sobre a maneira como se governa”, 36% (a fatia maior) concordam “em parte” e 14% concordam “totalmente”, mas 22% discordam em parte e 23% discordam totalmente. Ou seja, 50% tendem a acreditar que o seu voto não só conta como influencia, e 45% tendem a discordar. Eis o fosso, outra vez.

Mas onde o descrédito é mais gritante é na avaliação da forma mais ou menos equitativa como o Estado gere a comunidade. A frase sugerida aos eleitores — “em geral, o Estado é gerido de forma a beneficiar todas as pessoas” — é rejeitada por uma expressiva maioria. Apenas 24% dos inquiridos concordam (5% totalmente e 19% em parte) com a ideia, mas 72% discordam (31% em parte e 41% totalmente), ou seja, acham que na forma como o Estado encara os cidadãos a quem, constitucionalmente, é suposto garantir uma série de direitos, há mesmo filhos e enteados.

O retrato da democracia portuguesa não parece ter mudado com o ano anormal que o país viveu sob os efeitos da pandemia covid. Dos portugueses inquiridos 68% dizem que em comparação com o que se passava antes, a democracia em Portugal está “igual” e apenas 20% consideram que piorou. Nas margens, surgem 4% que veem a nossa vida democrática a funcionar melhor e 3% para quem está “muito pior”. Também aqui a origem das avaliações mais negativas não surpreende — é predominante entre os que dizem ser difícil viver com o seu rendimento atual.

Com o ano de confinamento a agravar as condições económicas e sociais de muitas empresas e famílias, 30% dos que consideram que a democracia passou a funcionar pior ou muito pior estão entre os que viram os seus rendimentos sofrerem um abalo, contra 19% que dizem que apesar de tudo “dá para viver”. Poucochinho?

45 ANOS, 45 CONCEITOS, 45 PERSONALIDADES

A Constituição Portuguesa faz 45 anos no domingo e 45 personalidades das mais diversas áreas foram convidadas a explicar em que é que conceitos basilares da Lei Fundamental do país interferem nas nossas vidas. A iniciativa é da Plataforma de Cidadania Nossa Europa, fundada e presidida pelo ex-eurodeputado PSD, Carlos Coelho, que desafiou Marcelo Rebelo de Sousa a dar o pontapé de saída e o Presidente da República aceitou. No dia 25 de abril, será publicado o vídeo onde Marcelo explicará “O que é uma Constituição?”. Ao longo de um ano, semanalmente, será publicado um vídeo no site e nas redes sociais da plataforma, com a explicação de diferentes conceitos constitucionais e da lista de convidados constam, entre outros, António Costa, Francisco Pinto Balsemão, Carlos Carreiras, Carlos Silva (UGT), Miguel Poiares Maduro, Luís Marques Mendes, Raquel Vaz Pinto, Viriato Soromenho Marques e António José Seguro. O ex-líder do Partido Socialista é cofundador da Plataforma com Carlos Coelho. Convictos de que “o entusiasmo de 1976 desvaneceu-se ao longo destas quatro décadas e meia e um dos principais motivos é a falta de informação e de uma comunicação mais clara sobre o que está em causa com cada decisão política”, a Plataforma pretende combater esse défice de informação e “preparar os portugueses para uma participação cívica mais empenhada, sobretudo os mais jovens, que têm de conhecer o texto da Constituição e os mecanismos que ela prevê para a defesa dos seus direitos”. A Nossa Europa é uma associação que pretende promover o debate sobre a integração europeia e o papel de Portugal na União. (Expresso, texto da jornalista ÂNGELA SILVA)

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