sábado, abril 03, 2021

Trabalhadores da RTP elegem vogal para a administração e enviam carta ao Governo


Comissão de Trabalhadores notifica ministérios das Finanças e da Cultura e partidos com assento parlamentar da eleição, pelos trabalhadores, de Alexandre Leandro para o cargo de vogal não-executivo. Conselho Geral Independente diz que não há base legal para o fazer, mas trabalhadores ameaçam avançar para tribunal. A Comissão de Trabalhadores (CT) da RTP enviou uma carta aos ministérios das Finanças e da Cultura, ao Conselho Geral Independente (CGI) da estação pública e aos partidos com assento parlamentar (à exceção do Chega e da Iniciativa Liberal) para lhes dar conhecimento da eleição de Alexandre Leandro, no dia 24, para o cargo de vogal não-executivo do conselho de administração da RTP. As eleições contaram com a participação de 55% dos trabalhadores.

“A Comissão de Trabalhadores da RTP vem por este meio dar conhecimento aos dois Ministérios que tutelam a empresa da eleição do trabalhador Alexandre Manuel Parreira Leandro, por sufrágio direto e secreto, no dia 24 de fevereiro passado, para o cargo de vogal não-executivo, em representação dos trabalhadores no próximo Conselho de Administração”, lê-se na missiva, a que o Expresso teve acesso.

O secretariado da CT diz assim que Leandro, antigo editor de imagem e diretor de Paulo Dentinho, e atual responsável pela formação de jornalistas e delegações da RTP, “aguarda a convocatória para tomar posse desse cargo, no cumprimento das disposições legais e constitucionais em vigor”.

Recorde-se que, na semana passada, o CGI escolheu a dupla Nicolau Santos (jornalista e atual presidente da agência Lusa) e Hugo Figueiredo (atual administrador da RTP) para a administração da estação pública de rádio e televisão, faltando ainda a nomeação de um vogal com o pelouro financeiro, por parte do ministério das Finanças. Um processo que foi, aliás, alvo de críticas por parte da CT da RTP, que “condena a falta de transparência de todo este processo”, considerando “inaceitável que um conselho de administração cessante pague a uma empresa externa para esta escolher, afinal, um membro desse conselho e provavelmente dois para o conselho seguinte”, realçou em comunicado, referindo-se a Hugo Figueiredo e a Ana Dias, atual vogal responsável pela área financeira.

A CT pretende que o conselho de administração da RTP integre ainda um representante dos trabalhadores – neste caso, Alexandre Leandro. Os trabalhadores invocam a Constituição, que prevê que a CT possa “promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei”.

Ao Expresso, Leandro recorda que, embora esta seja uma situação “pouco comum em Portugal”, não é estranha noutros países. “Todas as grandes empresas na Alemanha têm um administrador eleito pelos trabalhadores”, afirma.

Já o CGI, presidido por José Vieira de Andrade, professor catedrático de Direito na Universidade de Coimbra, tem um entendimento diferente. Recentemente, o organismo declarou que, embora a Constituição e o Código do Trabalho prevejam a presença de trabalhadores nas empresas do Estado, os estatutos da RTP – aprovados pela Lei nº 39/2014 – não preveem esse cenário.

De acordo com o CGI, a RTP não é “uma entidade pública empresarial”, mas uma “sociedade anónima de capitais públicos” e, nesse caso, são os estatutos “que determinam qual é o órgão social em que consubstancia a representação dos trabalhadores e o respetivo número de representantes”.

Concretamente, os estatutos preveem que o conselho de administração da RTP deve ser composto por três membros indigitados pelo CGI, incluindo “apenas administradores executivos”, e reservam a representação de trabalhadores não para a gestão da empresa, mas para outros órgãos sociais como o Conselho de Opinião, acrescenta. Organismo que, aliás, contará com Augusta Henriques, jornalista e apresentadora dos noticiários da tarde da Antena 1, também eleita no passado dia 24.

Já os trabalhadores contestam a visão do CGI, defendendo a presença de um quarto membro – e atribuindo ao novo presidente da RTP, Nicolau Santos, ‘voto de campeão’, para desempate – na administração da empresa alegando que, embora este vogal não-executivo não esteja previsto nos estatutos, a Constituição abre-lhe a porta. Recordando que “ao CGI não cabe aprovar o membro eleito pelos trabalhadores”, estão dispostos a avançar para tribunal para que os trabalhadores estejam representados na gestão da empresa.

“Estamos dispostos a avançar para que isto seja resolvido em tribunal. Não esperamos que vá à barra do tribunal, mas que o juiz tome uma decisão com base na jurisprudência”, adianta Alexandre Leandro, alegando que o que se passa agora na RTP não é caso único em Portugal (Expresso, texto da jornalista Maria João Bourbon)

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