Antigo ministro das Finanças conta como foi difícil contrariar primeiro-ministro sobre pedido de ajuda financeira. E destaca diferenças substanciais entre a crise da dívida e a crise da pandemia. Há exatamente 10 anos, José Sócrates anunciava nas televisões nacionais que Portugal ia pedir assistência financeira internacional. O antigo primeiro-ministro falou ao país pouco depois das 20h30, num anúncio que fora precipitado por declarações “à sua revelia” do então ministro das Finanças durante a tarde desse dia 6 de abril de 2011. “Não foi fácil ter de publicamente emitir a minha opinião quanto ao pedido de ajuda, sabendo da resistência do primeiro-ministro”, recorda Teixeira dos Santos.
A troika tinha acabado de aterrar na Irlanda e na Grécia e, em 2011, foi
Portugal a ser “cercado” pelos investidores internacionais, depois de a taxa de
juro das obrigações a 10 anos ter ultrapassado a “linha vermelha” dos 7% no
mercado secundário. Foi o que fez soar os alarmes no Terreiro do Paço, apesar
de José Sócrates ter sempre defendido que o país não iria precisar de um
resgate internacional.
“De facto, entendi que seria um elevado risco para o país se esse tal pedido não viesse a acontecer e daí que, ao fim e ao cabo, com sentido de dever e obrigação com o país, ter de emitir a minha opinião à revelia daquilo que era o entendimento do primeiro-ministro. Não foi fácil fazer isso”, conta o antigo ministro das Finanças.
Entendi que seria um elevado risco para o país se esse tal pedido não
viesse a acontecer e daí que, ao fim e ao cabo, com sentido de dever e
obrigação com o país, ter de emitir a minha opinião à revelia daquilo que era o
entendimento do primeiro-ministro. Não foi fácil fazer isso.
A notícia do Jornal de Negócios acabou por ser publicada às 18h02, com
Teixeira dos Santos a abrir a porta à troika ao defender que “é necessário
recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu”. José
Sócrates compareceu diante dos portugueses cerca de duas horas e meia depois,
pelas 20h38. “Julgo que chegámos ao momento em que não tomar essa decisão
acarretaria riscos que o país não pode correr”, declarou o ex-chefe do Governo,
apesar de contrariado.
O pacote de ajuda chegou nos meses (anos) seguintes, em várias tranches,
num total de 78 mil milhões de euros, e com um caderno de encargos que trouxe
sérias implicações económicas e sociais para o país suportar.
Teixeira dos Santos elogia resposta à crise pandémica
Volvidos 10 anos, Portugal e o resto do mundo são atingidos por nova
crise de dimensões globais, provocada pela pandemia do novo coronavírus. Mas há
semelhanças face à anterior crise?
“Estamos a viver uma situação muito diversa daquela que vivemos na crise
financeira global de há 10 anos. Nessa altura, os mercados revelaram grande
nervosismo e até, como alguns autores têm afirmado, um certo alarmismo perante
o agravar das dívidas públicas e da forma como penalizaram os países em que
esse agravamento foi significativo”, diz Teixeira dos Santos.
“Agora, vemos que os mercados estão tranquilos e, apesar dos níveis de
dívida pública em termos de peso no PIB serem mais elevados do que aqueles que
se registavam na crise anterior, os mercados continuam a aceitar emissões de
dívida a taxas muito baixas, senão mesmo negativas”, acrescenta.
Para essa diferença muito contribuiu a resposta europeia. “A Europa não
estava preparada e não tinha os instrumentos para fazer face a uma crise como
aquela que se viveu. Neste momento, já tem instrumentos. Diria que não está
inteiramente capacitada, mas foi percorrido um grande caminho e esses
instrumentos agora existem”, sublinha, destacando o papel do Banco Central
Europeu (através do programa de compra de dívida de larga escala) e de Bruxelas
(com a aprovação do plano de recuperação europeu).
"Vemos que os mercados estão tranquilos e, apesar dos níveis de
dívida pública em termos de peso no PIB serem mais elevados do que aqueles que
se registavam na crise anterior, os mercados continuam a aceitar emissões de
dívida a taxas muito baixas.”
Banca está preparada para o fim das moratórias
Outro elemento diferenciador em relação à crise de 2011: a banca. Para
Teixeira dos Santos, a situação do sistema bancário afigura-se agora mais
sólida do que se na anterior crise, em que os bancos ficaram muito debilitados
com a crise do subprime e enfrentavam problemas sérios com os ativos tóxicos e
cujo grau de exposição não se conhecia bem. “Havia até um ambiente de incerteza
maior quanto à real situação dos bancos, coisa que contrasta com a situação
atual”, frisa.
Os próprios bancos nacionais acabaram por ser arrastados pelo soberano
quando começaram a substituir-se aos mercados comprando dívida do governo.
Quando os títulos de dívida foram considerados ativos de risco elevado, o rating
das instituições foi ao fundo com o rating da República.
“A crise da dívida pública também teve a ver com a perceção que o
mercado financeiro tinha de que os Estados iam ter de socorrer os seus bancos.
Isso iria ser um elemento adicional a agravar o peso da dívida”.
Hoje o desafio para a banca é outro: o fim das moratórias. Mas Teixeira
dos Santos acredita que os bancos já se precaveram: “Os bancos tiveram de
apresentar e constituir reservas e ter uma solidez financeira que, em
princípio, os terá preparado para enfrentar um desafio deste género. Não vai
ser um período fácil para a banca, mas de qualquer modo será de esperar que a
banca tenha capacidade de acomodar os efeitos da crise no cumprimento das
obrigações dos devedores” (ECO digital, texto do jornalista Alberto Teixeira)
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