Segundo o jornalista Luis Reis Ribeiro do Dinheiro Vivo, "Kenneth Rogoff, o economista que juntamente com Carmen Reinhart fixou, em 2010, a hoje famosa “correlação” entre dívida elevada e baixo crescimento económico, pisou a linha que separa a ciência da política. Nada disto teria sido tão amplificado se o artigo seminal “Growth in a Time of Debt” [Crescimento em tempo de dívida] não estivesse inquinado com um erro de cálculo no Excel e por escolhas metodológicas duvidosas. O estudo que o tornou guru das atuais políticas da austeridade em voga.
Defendem os autores (a dupla R-R, para simplificar) que o trabalho apenas “associa” dívida a recessão, mas também é verdade que Rogoff alavancou esta relação ao máximo e demasiadas vezes - a título pessoal, em conferências e editoriais de jornais - acabando por conseguir vender a justaposição como uma relação de causa-efeito. “Descobrimos que níveis de dívida muito elevados de 90% do PIB são um entrave secular de longo prazo ao crescimento económico”, escreveu em junho do ano passado. Muitos dos seus pares na academia estão desconfortáveis com tudo isto.
A análise histórica de R-R diz que as economias com mais de 90% de dívida pública em relação ao PIB tendem para uma recessão média de 0,1%.
No artigo “Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff”, Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, da Universidade de Massachusetts Amherst, refizeram pela primeira vez os cálculos da dupla Reinhart-Rogoff, com recurso às mesmas séries longas dos autores, e concluíram que corrigindo vários erros e omissões não existe recessão, mas sim um crescimento médio de 2,2%.
Pior. Estes economistas descobriram três problemas no artigo. O primeiro, que os visados já reconheceram ser “uma escorregadela lamentável”, foi um erro de cálculo numa coluna de Excel que não apanhou todos os dados que era suposto. Depois, detetaram “exclusões seletivas” de observações (R-R usaram apenas 96 anos de dados para países com mais de 90% de dívida quando na realidade dispunham de 110 anos de observações). E perceberam que os dados foram “ponderados de forma não convencional”, o que acabou por favorecer a correlação entre mais dívida e menos crescimento.
R-R refutam estas últimas críticas e reafirmam que continua a existir uma associação negativa entre dívida e crescimento
Além da ligeireza que pode ter existido no processo de produção científica, há quem questione até onde pode ir o cientista nas areias movediças que separam a economia (no sentido de ciência, disciplina objetiva) e a política (na aceção de aplicação prática e decisão à luz dessa ciência). Gustavo Cardoso, professor do ISCTE-IUL, que passou por Harvard (a escola de Rogoff), foi dos primeiros portugueses a notar essa “perturbação”. “Em dezembro de 2010 enviei um e-mail com perguntas ao professor Rogoff”, disse ao Dinheiro Vivo. “Fi-lo depois de ter lido um artigo do professor no El País, que falava de Portugal e em que, de repente, relaciona a questão histórica da dívida em vários países do mundo com o problema concreto do desemprego em Portugal. E em que antecipa algo que não estava concretamente estudado nas suas análises, ao que percebi: que Portugal teria de ‘pedir ajuda externa’ rapidamente”. “Nunca tive resposta, mas continuo a ter uma certeza. Ou se faz ciência, ou se faz política. As duas ao mesmo tempo é que não.”
Defendem os autores (a dupla R-R, para simplificar) que o trabalho apenas “associa” dívida a recessão, mas também é verdade que Rogoff alavancou esta relação ao máximo e demasiadas vezes - a título pessoal, em conferências e editoriais de jornais - acabando por conseguir vender a justaposição como uma relação de causa-efeito. “Descobrimos que níveis de dívida muito elevados de 90% do PIB são um entrave secular de longo prazo ao crescimento económico”, escreveu em junho do ano passado. Muitos dos seus pares na academia estão desconfortáveis com tudo isto.
A análise histórica de R-R diz que as economias com mais de 90% de dívida pública em relação ao PIB tendem para uma recessão média de 0,1%.
No artigo “Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff”, Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, da Universidade de Massachusetts Amherst, refizeram pela primeira vez os cálculos da dupla Reinhart-Rogoff, com recurso às mesmas séries longas dos autores, e concluíram que corrigindo vários erros e omissões não existe recessão, mas sim um crescimento médio de 2,2%.
Pior. Estes economistas descobriram três problemas no artigo. O primeiro, que os visados já reconheceram ser “uma escorregadela lamentável”, foi um erro de cálculo numa coluna de Excel que não apanhou todos os dados que era suposto. Depois, detetaram “exclusões seletivas” de observações (R-R usaram apenas 96 anos de dados para países com mais de 90% de dívida quando na realidade dispunham de 110 anos de observações). E perceberam que os dados foram “ponderados de forma não convencional”, o que acabou por favorecer a correlação entre mais dívida e menos crescimento.
R-R refutam estas últimas críticas e reafirmam que continua a existir uma associação negativa entre dívida e crescimento
Além da ligeireza que pode ter existido no processo de produção científica, há quem questione até onde pode ir o cientista nas areias movediças que separam a economia (no sentido de ciência, disciplina objetiva) e a política (na aceção de aplicação prática e decisão à luz dessa ciência). Gustavo Cardoso, professor do ISCTE-IUL, que passou por Harvard (a escola de Rogoff), foi dos primeiros portugueses a notar essa “perturbação”. “Em dezembro de 2010 enviei um e-mail com perguntas ao professor Rogoff”, disse ao Dinheiro Vivo. “Fi-lo depois de ter lido um artigo do professor no El País, que falava de Portugal e em que, de repente, relaciona a questão histórica da dívida em vários países do mundo com o problema concreto do desemprego em Portugal. E em que antecipa algo que não estava concretamente estudado nas suas análises, ao que percebi: que Portugal teria de ‘pedir ajuda externa’ rapidamente”. “Nunca tive resposta, mas continuo a ter uma certeza. Ou se faz ciência, ou se faz política. As duas ao mesmo tempo é que não.”