Escreve a jornalista do Publico, Romana Borja-Santos que "a imagem de salas de espera completamente repletas da parte da manhã e quase abandonadas depois do almoço continua a ser uma realidade nos hospitais públicos portugueses. Um outro relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), a que o PÚBLICO teve acesso, constatou que cerca de 80% dos médicos continuam a estar afectos ao horário da manhã, apesar das insistências por parte da tutela para que as instituições de saúde organizem o trabalho de maneira a estarem abertas até às 20h e reduzam o peso das horas extraordinárias. "A análise da média do período de funcionamento das entidades, por grupo/carreira, revela que, em média, o período de funcionamento das entidades predominantemente utilizado pelos profissionais é o das 8h-15h. Constata-se, deste modo, uma grande assimetria da distribuição dos dois períodos de funcionamento, com forte prevalência dos profissionais no período da manhã, apesar do horário normal de funcionamento das entidades ser das 8h-20h", lê-se no mesmo relatório, que é o resultado de uma acção "enquadrada numa perspectiva de controlo da despesa" e que foi "direccionada para a sustentabilidade, racionalidade e rentabilização dos recursos disponíveis no SNS", abrangendo as cinco administrações regionais de saúde, 41 estabelecimentos hospitalares e sete unidades locais de saúde. O relatório surge poucos meses depois de o ministro da Saúde, Paulo Macedo, ter anunciado a intenção de estudar um projecto para obrigar os médicos a optar pelo sistema público ou pelo privado, para evitar promiscuidades entre os dois sectores e devolver a transparência ao SNS. A ideia não é nova - surgiu pela primeira vez em 1989, pelas mãos da então ministra da Saúde, Leonor Beleza, e foi sendo repescada por vários ministros - mas, até agora, ninguém a conseguiu implementar. Um trabalho do PÚBLICO publicado a 17 de Fevereiro, no qual foram ouvidos médicos, economistas, sindicatos e outros especialistas do sector, demonstrou que, apesar de quase todos concordarem com a ideia, poucos acreditam que tenha condições para avançar.
Por grupo, e de acordo com o documento da IGAS, os profissionais que mais "exercem as suas funções no período da manhã são os administradores hospitalares, os especialistas de informática, médicos e os técnicos superiores, com médias superiores a 80%". Aliás, a IGAS detectou o caso de uma unidade local de saúde onde todos os médicos estão afectos ao horário da manhã - por oposição a uma outra que se conseguiu reorganizar de forma a ter cerca de 50% dos médicos em cada um dos turnos. Mas tanto para Sérgio Esperança, da Federação Nacional dos Médicos, como para Jorge Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos, o problema está na falta de força das administrações. O Ministério da Saúde remeteu eventuais explicações para mais tarde.
Muitas das unidades justificaram que não têm recursos humanos suficientes para conseguirem ocupar todo o horário previsto. O que se traduz num outro problema detectado: foram também encontrados casos de trabalhadores com horário de trabalho de jornada contínua que realizavam trabalho extraordinário suplementar.
No mesmo documento, foi feita também uma análise às despesas das unidades de saúde com horas extraordinárias, verificando-se que os hospitais estão a seguir vários esquemas e que, apesar de os gastos terem efectivamente baixado, persistem situações pouco claras. As alterações legislativas introduzidas em 2012 determinaram que o trabalho extraordinário passasse a ser pago no valor de "25% da remuneração na primeira hora, prestado em dia normal de trabalho; 37,5% da remuneração nas horas ou fracção subsequente, prestado em dia normal de trabalho; e de 50% da remuneração por cada hora de trabalho prestado em dia de descanso semanal ou complementar, e em dia feriado". Só que a IGAS verificou que há diferentes modalidades de hospital para hospital e, mesmo dentro da mesma unidade, há profissionais a receber remunerações distintas. Alguns chegam mesmo a receber as horas extras a 100% em fins-de-semana e feriados".