Li no Dinheiro Vivo que "o primeiro-ministro dramatizou ao máximo os danos provocados pelo Tribunal
Constitucional (TC) na execução orçamental e na credibilidade do país na sua
tentativa de regressar aos mercados, mas a verdade é que, uma semana antes da
deliberação dos juízes, já era evidente que a política seguida pelo Governo nas
Finanças Públicas e na economia iria conduzir a um fracasso no cumprimento das
novas metas orçamentais (um défice de 5,5% este ano em vez de 4,5%). No final de
março, essa folga de quase 1.500 milhões de euros no défice nominal atribuída
pela troika na sétima avaliação já tinha sido totalmente violada. Claro que a
decisão do TC veio agudizar a situação, tendo o Governo aproveitado para
ensaiar um discurso do tudo ou nada em relação à urgência de cortar mais na
despesa pública, algo que iria fazer mais tarde ou mais cedo este ano por causa
do agravamento da recessão. Com base em dados do próprio Governo e do Instituto
Nacional de Estatística (INE), a 28 de março último ficou provado que o défice
real (o ponto de partida verdadeiro para a consolidação orçamental deste ano) é
de 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) – é o valor oficial que foi enviado pelo
INE ao Eurostat - e não os 6% apresentados pelo ministro das Finanças a 15 de
março, na apresentação das conclusões da sétima avaliação da troika. Ou seja,
logo aqui existe um efeito de arrastamento na ordem dos 0,4 pontos percentuais
do PIB. O valor em causa (que diz respeito a uma derrapagem gerada nas contas
de 2012) rondará, a preços do ano passado, 661,6 milhões de euros, o desvio
detetado que começa a comer a folga de 1.481 milhões de euros concedida pela
missão externa por considerar que o país tem cumprido com o calendário das
medidas de austeridade e das reformas e porque há uma parte da derrapagem que
deve-se à envolvente externa – não é atribuível a um mau desempenho do Governo ou
das Finanças. Na altura o INE explicou que o ajustamento no valor final
deveu-se à não consideração da venda dos aeroportos (ANA) como receita
verdadeira, mas também a outros gastos que o Governo estimava não ter de
assumir, pretensão que chumbou com nas regras do Eurostat. Assim, na fatura do
contribuinte acabaram por entrar os aumentos da capital da CGD, do universo
Parpública e mais uma parte do buraco do BPN - estas três operações somadas
pesaram mais 1.500 milhões de euros.
Mas,
no final de março, era possível perceber outro rombo ainda maior. É que o
Governo reviu substancialmente em alta a recessão projetada para este ano e fez
o mesmo em relação à taxa de desemprego. Ora, de acordo com o próprio modelo de
sensibilidade apresentado no OE/2013, “o aumento da taxa de desemprego em 1
ponto percentual [p.p.] tem como efeito a diminuição do saldo das administrações
públicas em 0,3 p.p.”
Como
a revisão em alta do desemprego previsto para este ano foi de quase o dobro
(subiu 1,8 pontos, de 16,4% da população ativa para 18,2%, é fácil perceber que
o rombo nas contas públicas ascenderá a cerca de 887 milhões de euros mais, só
por causa da recessão. As Finanças até explicam porquê. “Para este efeito
concorre, em primeiro lugar, o impacto direto de um maior desemprego (e menor
emprego) em termos de menores contribuições sociais e coleta de IRS e maior
despesa em prestações sociais (em particular, subsídio de desemprego). Acresce
o efeito que o aumento do desemprego tem na diminuição do consumo privado, e,
desta forma, na menor coleta dos impostos indiretos.” Por exemplo, dados da
execução orçamental dos dois primeiros meses deste ano já indiciam uma
derrapagem de 300 milhões no orçamento do subsídio de desemprego.
Tudo
somado – os 661,6 milhões herdados do erro de cálculo relativo ao ponto de
partida em 2012, mais aqueles 887 milhões que derivam do impacto da austeridade
na economia e no mercado de trabalho e sua transmissão imediata às contas
públicas – dá 1.549 milhões de euros de desvio, uma derrapagem que consome a
totalidade do bónus dado pela troika ao défice deste ano. Oito dias depois da
deliberação do INE/Eurostat e quase um mês depois de se saber que o desemprego
iria ser de 18,2%, o TC viria a chumbar 1.300 milhões de euros em medidas
(valores líquidos). Ironicamente, os erros de cálculo (e em parte de gestão
orçamental) imputados ao Governo valem bastante mais do que o buraco aberto
pela decisão do palácio Ratton".