"Ao responder ao Paulo Dá Mesquita sobre as oscilações que ele identifica na jurisprudência constitucional acabei por escrever quase um post sobre aquela que considero a questão de base subjacente ao acórdão do TC e que explica, para mim, alguns problemas da nossa (mas também de outros) jurisprudência constitucional: a não articulação de uma teoria de justiça constitucional que auto-vincule os juízes a uma certa compreensão da sua função judicial, em particular num domínio como o da interpretação constitucional em que a fronteira entre o poder judicial e o poder político é ela mesmo um dos aspectos fundamentais dessa interpretação.
Por exemplo, sendo a concretização do princípio da igualdade (como reconhece o próprio TC) difícil e indeterminada (ainda mais nas condições deste caso) será que uma questão prévia fundamental a decidir não seria o quando e em que condições é que o tribunal deve sobrepor o seu juízo ao do processo político? Não basta dizer que apenas o deve fazer em certas circunstâncias, é necessário articular quais são essas e porquê. Ora isto está totalmente ausente deste acórdão, como em geral da nossa jurisprudência constitucional (não sendo, diga-se, apenas um problema do nosso TC).
Quero ser claro: isto não é um argumento a favor de uma deferência geral dos tribunais face ao processo político. Aqueles que conhecem o meu trabalho academico (e, durante algum tempo, judicial) sabem bem que não é essa a minha opinião. A minha opinião é que não existe precisamente uma presunção de supremacia do sistema judicial (como dizem alguns) ou do sistema político (como dizem outros) na concretização da constituição. A interpretação da constituição é produto de um processo simultaneamente concorrencial e cooperativo entre diferentes actores, em particular os tribunais e o sistema político. É precisamente por esta razão que qualquer interpretação da constituição (eu digo mesmo do direito em geral) inclui sempre uma escolha institucional (para usar a expressão do meu amigo Neil Komesar!), neste caso entre o sistema judicial e o processo político. Esta escolha tem de ser justificada e deve ser o produto de uma análise institucional comparada. O facto de o TC, como diz o Paulo Dá Mesquita, demonstrar uma grande oscilação na sua jurisprudência, frequentemente correspondendo a diferentes graus de escrutínio judicial, apenas demonstra que o TC está constantemente a fazer escolhas destas: na aplicação do mesmo princípio (como a igualdade) por vezes é muito deferente para com o processo político, outras vezes nada. Tratando-se da mesma norma ou princípio é obvio que essa variação do escrutínio empregue não é produto da norma em causa mas de outra coisa: variações na sua intervenção judicial face ao sistema político. O que devia acontecer e não é o caso é que elas deviam ser justificadas... No caso presente, uma das minhas críticas é que a natureza dos interesses afectados (predominantemente maioritários) justificariam mais, e não menos, deferência em relação ao sistema político (que se pode presumir, neste caso, oferecer a esses interesses uma representação adequada). Na mesma linha, a complexidade de articulação de um principio da igualdade, com inúmeras consequências difíceis de prever e gerir, aconselharia cautela a uma intervenção judicial deste tipo. Se levássemos a sério os pressupostos desta decisão o potencial de contencioso que poderia agora chegar ao TC é enorme: será, por ex., que não há uma violação do princípio da igualdade nos diferentes regimes laborais e de despedimento que o Estado impõe ou autoriza nos regimes públicos e privados?....
Claro que tudo isto está ausente quando a narrativa assume que a constituição tem um qualquer significado historicamente determinado que o TC se limita a revelar... Mas não deixa de ser irônico que os "progressistas" portugueses partilhem da mesma filosofia constitucional que os conservadores americanos..." (pagina pessoal do Facebook, 6 de Abril)
Por exemplo, sendo a concretização do princípio da igualdade (como reconhece o próprio TC) difícil e indeterminada (ainda mais nas condições deste caso) será que uma questão prévia fundamental a decidir não seria o quando e em que condições é que o tribunal deve sobrepor o seu juízo ao do processo político? Não basta dizer que apenas o deve fazer em certas circunstâncias, é necessário articular quais são essas e porquê. Ora isto está totalmente ausente deste acórdão, como em geral da nossa jurisprudência constitucional (não sendo, diga-se, apenas um problema do nosso TC).
Quero ser claro: isto não é um argumento a favor de uma deferência geral dos tribunais face ao processo político. Aqueles que conhecem o meu trabalho academico (e, durante algum tempo, judicial) sabem bem que não é essa a minha opinião. A minha opinião é que não existe precisamente uma presunção de supremacia do sistema judicial (como dizem alguns) ou do sistema político (como dizem outros) na concretização da constituição. A interpretação da constituição é produto de um processo simultaneamente concorrencial e cooperativo entre diferentes actores, em particular os tribunais e o sistema político. É precisamente por esta razão que qualquer interpretação da constituição (eu digo mesmo do direito em geral) inclui sempre uma escolha institucional (para usar a expressão do meu amigo Neil Komesar!), neste caso entre o sistema judicial e o processo político. Esta escolha tem de ser justificada e deve ser o produto de uma análise institucional comparada. O facto de o TC, como diz o Paulo Dá Mesquita, demonstrar uma grande oscilação na sua jurisprudência, frequentemente correspondendo a diferentes graus de escrutínio judicial, apenas demonstra que o TC está constantemente a fazer escolhas destas: na aplicação do mesmo princípio (como a igualdade) por vezes é muito deferente para com o processo político, outras vezes nada. Tratando-se da mesma norma ou princípio é obvio que essa variação do escrutínio empregue não é produto da norma em causa mas de outra coisa: variações na sua intervenção judicial face ao sistema político. O que devia acontecer e não é o caso é que elas deviam ser justificadas... No caso presente, uma das minhas críticas é que a natureza dos interesses afectados (predominantemente maioritários) justificariam mais, e não menos, deferência em relação ao sistema político (que se pode presumir, neste caso, oferecer a esses interesses uma representação adequada). Na mesma linha, a complexidade de articulação de um principio da igualdade, com inúmeras consequências difíceis de prever e gerir, aconselharia cautela a uma intervenção judicial deste tipo. Se levássemos a sério os pressupostos desta decisão o potencial de contencioso que poderia agora chegar ao TC é enorme: será, por ex., que não há uma violação do princípio da igualdade nos diferentes regimes laborais e de despedimento que o Estado impõe ou autoriza nos regimes públicos e privados?....
Claro que tudo isto está ausente quando a narrativa assume que a constituição tem um qualquer significado historicamente determinado que o TC se limita a revelar... Mas não deixa de ser irônico que os "progressistas" portugueses partilhem da mesma filosofia constitucional que os conservadores americanos..." (pagina pessoal do Facebook, 6 de Abril)
***
"Primeira reacção à decisão do TC, sem conhecer os detalhes da sua fundamentação e como tal sem entrar nos detalhes jurídicos da questão: ao declarar inconstitucional a eliminação do subsidio de férias por violação do principio da igualdade e da justa distribuição dos encargos o TC vem, no fundo, afirmar que os encargos do ajustamento apenas podem ser constitucionalmente distribuídos, respeitando o principio da igualdade, por via dos impostos. Atendendo a que os encargos com as pensões e salários são mais de 70% do OE a consequência é que o ajustamento tem de ser feito pelo lado da receita e não pelo lado da despesa.
Parece-me que resultam daqui as seguintes alternativas:
1 - o Governo aceita (e o país também?), e a Troika também, um ainda maior esforço fiscal... O ajustamento é feito por via de um enorme esforço de receita fiscal.
2 - o programa de ajustamento é renegociado de forma a reduzir o esforço de ajustamento. Isto será bastante complicado de negociar com os nosso parceiros e terá duas dificuldades adicionais. Este governo, por ter cumprido até agora, tem um maior capital para esta negociação perante a troika mas se for bem sucedido estará, ironicamente, a dar razão aos que diziam que já devia ter renegociado... Se não for este governo mas formos para eleições e for um outro governo socialista que o espirito dominante na Europa será o de não premiar o não cumprimento e de punição da "rebelião" e acabaremos com um programa ainda mais duro...
3 - um governo técnico de iniciativa presidencial com credibilidade quer interna quer externa. Penso que a renegociação internacional feita por um tal governo não será necessariamente mais favorável mas teria a vantagem de confrontar o país com as escolhas difíceis que terá de fazer (pelo menos até a UE mudar a sua abordagem geral da crise o que não é muito provável antes de Setembro na melhor das hipóteses).
4 - uma dessa escolhas pode envolver rever a constituição atendendo à interpretação que dela faz o TC (de que eu discordo mas sendo a do TC é aquela que conta!). Mas não me parece muito provável nem efectivo uma vez que os problemas mais importantes resultam da interpelação que o TC faz do princípio da igualdade.
5 - se a renegociação não for viável nos termos que o TC impõe e não se revendo a constituição nem tolerando o país um maior esforço fiscal só resta uma alternativa: incumprimento do memorando o que levaria em pouco tempo à saída do Euro com todas as consequências (temo que ainda mais desastrosas que a austeridade a que já estamos sujeitos).
Não é muito optimista mas a certa altura teremos de fazer as nossas escolhas em vez de pensar que podemos contar em impor aos outros (a UE) as escolhas que gostaríamos que fizessem (e que até seriam, em boa parte, justificadas, só que não dependem de nós...)" (pagina pessoal do Facebook, 9 de Abril)
Parece-me que resultam daqui as seguintes alternativas:
1 - o Governo aceita (e o país também?), e a Troika também, um ainda maior esforço fiscal... O ajustamento é feito por via de um enorme esforço de receita fiscal.
2 - o programa de ajustamento é renegociado de forma a reduzir o esforço de ajustamento. Isto será bastante complicado de negociar com os nosso parceiros e terá duas dificuldades adicionais. Este governo, por ter cumprido até agora, tem um maior capital para esta negociação perante a troika mas se for bem sucedido estará, ironicamente, a dar razão aos que diziam que já devia ter renegociado... Se não for este governo mas formos para eleições e for um outro governo socialista que o espirito dominante na Europa será o de não premiar o não cumprimento e de punição da "rebelião" e acabaremos com um programa ainda mais duro...
3 - um governo técnico de iniciativa presidencial com credibilidade quer interna quer externa. Penso que a renegociação internacional feita por um tal governo não será necessariamente mais favorável mas teria a vantagem de confrontar o país com as escolhas difíceis que terá de fazer (pelo menos até a UE mudar a sua abordagem geral da crise o que não é muito provável antes de Setembro na melhor das hipóteses).
4 - uma dessa escolhas pode envolver rever a constituição atendendo à interpretação que dela faz o TC (de que eu discordo mas sendo a do TC é aquela que conta!). Mas não me parece muito provável nem efectivo uma vez que os problemas mais importantes resultam da interpelação que o TC faz do princípio da igualdade.
5 - se a renegociação não for viável nos termos que o TC impõe e não se revendo a constituição nem tolerando o país um maior esforço fiscal só resta uma alternativa: incumprimento do memorando o que levaria em pouco tempo à saída do Euro com todas as consequências (temo que ainda mais desastrosas que a austeridade a que já estamos sujeitos).
Não é muito optimista mas a certa altura teremos de fazer as nossas escolhas em vez de pensar que podemos contar em impor aos outros (a UE) as escolhas que gostaríamos que fizessem (e que até seriam, em boa parte, justificadas, só que não dependem de nós...)" (pagina pessoal do Facebook, 9 de Abril)