Eu não sei qual será o desfecho deste complexo
processo de aprovação da resposta financeira da Europa aos efeitos devastadores
da pandemia nas economias europeias. Mas estou descrente, muito, acho até que
só um imenso milagre, quem sabe se juntando os santos todos que se espalham por
essa Europa fora, poderá determinar a aprovação de um programa ambicioso que
acredito esteja em cima da mesa.
Nos últimos anos perdi muito entusiasmo do meu
europeismo, que sempre acreditei ser inequívoco. Porque percebi que a Europa é
cada vez menos uma "casa comum" para se transformar numa
"empresa" gerida de forma egoísta pelos países mais poderosos e mais
influentes, como se de um negócio se tratasse. A Europa perdeu muito da sua componente
social, do humanismo que era um dos pilares essenciais da sua criação. O
egoísmo dos estados apoderou-se do processo de decisão europeu e hoje tudo gira
em função dos interesses específicos de dirigentes ou de países mais
influentes, nomeadamente por via da imposição do primado dos interesses de quem
quer vender tudo a todos e de quem quer comprar algo de apenas alguns. O
próprio processo de alargamento das Europa assentou nessa lógica de interesses
políticos associado a uma outra lógica que hoje predomina, a de que primeiro o
negócio e depois as pessoas.
Falamos de uma Europa de gatunos e de corruptos, do
lobbismo autorizado, das influências feitas antes das grandes decisões, uma
Europa privada de líderes fortes, privada de um discurso mobilizados, que traga
esperança aos europeus e que seja adaptado aos novos tempos, uma Europa refém
dos interesses capitalistas selvagens, da influência da banca e dos sistemas de
controlo que ela foi criando. Uma Europa onde tudo pode falir, as famílias, as
empresas, os estados, menos a banca. Isso é terreno sagrado, nem que seja à
custa da injecção de milhões roubados aos pobres e desempregados dessa Europa
fora.
A Europa padece de vários males terríveis que nada
têm a ver com ma falta de solidariedade entre estados-membros que devia ser,
nunca foi, um dos pilares essenciais à sua consolidação: a corrupção política
que faz com que até os cargos sejam negócios políticos demoradamente
conversados e acordados, a cedência fácil a lobbys de pressão mais fortes e
persuasivos, a falta de líderes fortes, carismáticos, pragmáticos e convictamente empenhados no projecto
europeu e a falta de um mecanismo interno de solidariedade que impeça que
alguns países - os agora chamados frugais - por teimosia e revanchismo, impeçam
ou tentem obstaculizar todos os entendimentos, porque olham para o sul -
Portugal incluído - como um conjunto de países labregos, habitados por chulos
que não trabalham, vadios que só querem farra, festas e bebidas enquanto são outros
os vícios, colectivos ou individuais, nesses países chamados de frugais e no
norte europeu mais radical.
Mas a Europa padece ainda de um discurso comum,
mobilizador, forte, que se impunha a tudo e a todos em momentos de crise aguda
onde a própria sobrevivência do projecto europeu está cada vez mais em causa.
Nos últimos anos comecei a aproximar-me
perigosamente dos euro-pessimistas, quiçá a rondar a fronteira quase extremista
dos antieuropeístas. Caso esta situação não se altere e a selvajaria da
injustiça acabe prevalecendo, provavelmente será esse o meu percurso, cada vez
mais contra uma Europa cada vez mais "merdosa" e de alguns, nunca de
todos e para todos.
E não, não são os milhões ou algumas bandeiras
emblemáticas hoje desvalorizadas e gastas, apenas agitadas por conveniência -
caso da insularidade e da ultraperiferia que até prova em contrário caminham
para não valerem mais que um rolo de papel higiénico - que me farão regressar
por convicção a um fundamentalismo europeísta que me caracterizava. Para muitos
europeus e Europa é hoje apenas dinheiro. Se ele faltar deixa de interessar a
Europa nas demais componentes civilizacionais, culturais ou outras.
Uma Europa que diz que apenas negoceia tendo como
interlocutores dos estados-membros, valorizando a estrutura de poder central
dos estados, apesar de jurar que defende o regionalismo e a centralização, é
uma Europa doente. Uma Europa que impede que regiões possam ter maior protecção
mas exige aos estados-membros, ameaçadoramente se for preciso, medidas para
salvar o sistema bancário por alegadamente não poder falir, é uma Europa
doente.
Alemanha e França continuam a ser os pólos de um
eixo que manda e que determina tudo o que é resolvido. Cada um arrastado
debaixo da saia alguns países submissos, vendidos, sem vontade própria, mas que
aceitam ser paus-mandados do tal eixo franco-germânico que parece estar,
finalmente, preocupado de facto não apenas com os efeitos da pandemia nas suas
economias e o que isso pode significar para o futuro da Europa, mas preocupados
sobretudo com o espectro ameaçador de novos "brexits", por razões e
motivações diferentes, sejam a norte, sejam a sul.
Li, entretanto, que esta
semana poderá ser decisiva nas negociações de bastidores e que a próxima cimeira
europeia (Conselho) não se realiza por videoconferência, mas sim em Bruxelas e
presencialmente, o que também acho que pode ser importante. Uma coisa é certa, dificilmente
os chamados países frugais - Áustria, Holanda,
Dinamarca e Suécia (França e Alemanha só não estão juntos porque as suas econiomias estão de rastos, num caos imenso) – abandonarão o radicalismo das suas teorias o
que implica a realização de difíceis negociações que não podem fracassar nem
desiludir os europeus, sob penas da Europa dar um passo para o abismo e para a
sua destruição, Vamos ver qual o desfecho de mais um processo, quiçá o mais complicado
de todos nas últimas décadas, mas que exige pragmatismo, seriedade, coerência,
coragem, solidariedade e unidade (LFM)
Sem comentários:
Enviar um comentário