domingo, maio 10, 2020

SNS Segunda onda tem de ficar abaixo de 1200 internados

Com o país a abrir portas, a possibilidade de uma segunda onda de contágio é real. E para fazer soar o alarme a tempo de não ultrapassar a capacidade do SNS, os peritos que apoiam o Governo estão a monitorizar seis indicadores e a simular novas ondas de tamanhos e durações diferentes para medir o seu impacto nos hospitais. Um total acumulado de 30 mil novos casos ao longo de dois meses poderá resultar, a meio dessa onda, num pico de cerca de 1200 internamentos em simultâneo e 300 doentes em cuidados intensivos: um cenário semelhante ao ponto mais alto registado em meados de abril. Apesar de ainda deixar alguma folga na taxa de ocupação, é esse o limite que os especialistas não querem que seja ultrapassado. Para o evitar é preciso saber com antecedência se o país está a entrar nesse caminho e é esse o trabalho que os peritos estão a preparar para apresentar ao Governo esta semana.
“Não é possível dizer quanto tempo durará a próxima onda. É por isso que fazemos simulações para uma gama de valores entre um e três meses. Dois aspetos serão diferentes em relação a março. Primeiro, estamos mais prevenidos, já temos noção do que fazer e o Governo pode retomar medidas para travar o ressurgimento da curva, encurtando-a e achatando-a”, explica Manuel Carmo Gomes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e colaborador da equipa de peritos da Direção-Geral da Saúde e do Instituto Dr. Ricardo Jorge. “Em segundo lugar, o Rt (número médio de contágios provocados por cada infetado) não será tão alto como no início de março porque as pessoas têm contactos de menor risco, devido ao uso de máscara e distanciamento, e o número de indivíduos que estiveram em contacto com o vírus já não é zero. Logo, o mais provável é que a subida de novos casos seja menos rápida do que foi em março.”
Nos últimos dias verificou-se uma ligeira aceleração no aumento de novos casos (ver gráficos), mas ainda é preciso perceber se é um crescimento sustentado e qual o efeito que tem noutros indicadores. O número de infetados numa segunda onda é, para já, apenas especulação, já que depende de “muitos fatores”, como a resposta das autoridades de saúde e as alterações comportamentais das pessoas. O que se sabe é que o impacto dessa onda na capacidade de resposta dos hospitais dependerá muito da sua duração. “Uma onda mais longa é menos perigosa do que uma onda muito inclinada e mais curta. E, no entanto, o número total de infetados e de hospitalizados pode ser o mesmo”, lembra.
O exercício de simulação apresentado pelos peritos na última reunião com o Governo baseou-se no padrão de sintomas, gravidade da doença e tempo de permanência dos doentes no hospital nos últimos dois meses. É assumido que a percentagem de internados oscila entre 14% e 17% do total de infetados sintomáticos num determinado momento e que 25% vão precisar de cuidados intensivos. Num dos cenários traçados, com 30 mil novos casos ao fim de dois meses, haveria 4200 internamentos ao longo desse tempo e cerca de mil doentes dariam entrada em unidades de cuidados intensivos (UCI). É a meio dessa onda que seria atingido o tal máximo que não deverá ser ultrapassado, com 1200 internados ao mesmo tempo e cerca de 300 doentes em UCI.
Só que vai ser preciso fazer soar o alarme muito antes de chegar a esses valores. “Para cada um destes cenários, podemos ver quantos doentes surgem na primeira semana, na segunda e até ao pico”, explica o especialista. Se a realidade começar a coincidir com essas estimativas, a luz de alerta acende-se. Ainda assim, não chega olhar só para estes indicadores, devido ao ‘atraso’ entre os primeiros sintomas e a hospitalização. “Temos de olhar para outros dados mais rápidos, como as estimativas do R e os novos casos.”
OS SEIS INDICADORES DE ALERTA
O crescimento diário de novos casos, a evolução do nível de transmissão do vírus, o número de consultas em cuidados primários com sintomas de doença respiratória, os internamentos, os óbitos e a distribuição etária dos doentes são os seis indicadores em monitorização. O estudo de imunidade nacional e a evolução da epidemia em países como Áustria, República Checa, Dinamarca ou Noruega, que desconfinaram no final de abril, são outros dados importantes. “Quando surgir indicação de que temos de mudar de rumo, essa decisão terá um fundamento”, assegura o epidemiologista.
A decisão de voltar atrás no desconfinamento já aconteceu na ilha japonesa de Hokkaido, que tem servido de exemplo ao que pode acontecer quando se abre portas demasiado cedo. Pressionados pelo comércio e levados ao engano com uma taxa de crescimento de novos casos a descer, o governo local decidiu libertar a população após três semanas em casa. O número de casos disparou e um mês depois tiveram de voltar a fechar a ilha. Situações semelhantes, com aumento dos casos, têm acontecido em Singapura, Hong Kong e em algumas zonas na Alemanha.
“Nunca se pode esperar 15 dias com os casos a aumentar muito. Se não travarmos logo, subimos ainda mais e as alterações levam 15 dias a atuar”, aponta Carla Nunes, diretora da Escola Nacional de Saúde Pública, lembrando que nesta nova fase vão ter de ser geridos recursos entre doentes covid e não-covid. “Não vamos ter toda a capacidade de internamento e cuidados intensivos dedicada à covid. Este equilíbrio é um dos maiores desafios, porque as infraestruturas até podem ser adaptadas para dar maior resposta, mas os recursos humanos não são ilimitados.” Por isso é preciso deixar margem na definição dos limites do SNS para dar resposta a uma segunda onda. Mesmo que no pico de internamentos em abril a taxa de ocupação fosse de 60%, desta vez vai ser preciso contar com alguma folga (Expresso, texto da jornalista RAQUEL ALBUQUERQUE)

Sem comentários: