sábado, maio 02, 2020

Sintomas raros de covid-19 pediátrico geram alarme

Unidade de Cuidados Intensivos de Santa Maria discorda da utilização de fármacos experimentais durante a pandemia. A manifestação da covid-19 nas crianças é genericamente benigna, mas o surgimento de alguns casos mais complexos tem levado pediatras de vários países, inclusive Portugal, a recorrerem à medicação experimental. Os Cuidados Intensivos do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no entanto, preferem não recorrer a fármacos sem indicações homologadas. “A Pediatria elaborou um protocolo com a participação de infecciologistas pediátricos, pneumologistas e intensivistas para definir a linha orientadora de abordagem destes doentes. As dúvidas são mais do que as certezas, e a recomendação passa muitas vezes por julgar caso a caso e ponderar terapêutica dirigida se houver fatores de risco e gravidade, mas se surgir um caso com necessidade de cuidados intensivos a nossa opção será por não utilizar fármacos experimentais”, garantiu ao Expresso Francisco Abecasis, intensivista pediá­trico do Santa Maria.

Intensivista pediátrico do Santa Maria defende utilização de fármacos só com evidência científica
A questão marcou esta semana com as notícias do surgimento de sintomas atípicos em crianças no Reino Unido, Espanha e Itália. Especialistas destes países estão a investigar a possível ligação entre a covid-19 e reações semelhantes às causadas pela síndrome de Kawasaki, como febre, dor abdominal, diarreia, erupções cutâneas, inchaço das glândulas e até inflamação das artérias do coração, que levam ao internamento em Cuidados Intensivos.
Na conferência de imprensa sobre a situação da pandemia, a diretora-geral da Saúde confirmou que já existe em Portugal um caso com estas características, que está a ser analisado. Questionado, Gonçalo Cordeiro Ferreira, diretor da Pediatria Médica no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, avançou ao Expresso já terem surgido crianças com erupções vermelhas na pele dos pés, das mãos e na língua, explicando que “estas são causadas pela intensa resposta imunológica de organismos jovens”. Quando submetidas a testes de diagnóstico, algumas destas crianças não evidenciam o novo coronavírus, e para confirmar a sua presença têm de ser realizados testes serológicos, adianta.
A OMS está a investigar ligações entre a covid-19 e graves sintomas inflamatórios em crianças europeias
No entanto, no Reino Unido, a preocupação é maior. “Tem sido observado um aumento evidente do número de crianças de todas as idades com um estado inflamatório multissistémico que requer cuidados intensivos”, afirmou a Associação de Pediatras de Cuidados Intensivos britânica, e o ministro da Saúde, Matthew Hancock, disse estar “muito preocupado”. A Organização Mundial da Saú­de (OMS) disse esta semana estar a investigar as possíveis ligações entre a covid-19 e esta doença inflamatória grave. “Há descrições recentes de casos de crianças em alguns países europeus com esta síndrome semelhante à doença de Kawasaki”, afirmou a responsável do programa de emergência sanitária da OMS.
“O tratamento de uma doen­ça nova é sempre um desafio. Se provocar uma pandemia com elevado número de infetados e mortalidade considerável, a pressão para se encontrar uma cura ou um medicamento eficaz é enorme. Os médicos são os primeiros a querer tratar os doentes. No entanto, esta vontade de ajudar pode ser inimiga da razão. É exatamente em tempos de incerteza e indefinição que se espera que os médicos sejam a voz da sensatez e ajam com ponderação, baseados em evidência científica sólida. Ao que se tem assistido um pouco por todo o mundo é precisamente o contrário, e o que me preocupa é a forma como um tratamento experimental passa a ser a norma, sem qualquer controlo e fora do contexto de ensaios clínicos”, alerta Francisco Abecasis (Expresso, texto da jornalista CHRISTIANA MARTINS)

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