Faz bem Carlos Costa em alertar para o risco de cairmos num “precipício” quando terminarem as moratórias dos créditos bancários. Já o tinha feito numa conferência (digital) no início da semana e volta a avisar hoje no Expresso (ver pág. 9). Pede o governador do Banco de Portugal que o prazo das moratórias seja estendido para lá de setembro e que, no caso das empresas, haja também um reescalonamento das dívidas durante um período de alguns anos. Um alerta semelhante ao de vários banqueiros que já perceberam que os atuais prazos são simplesmente incomportáveis para os clientes e, claro, também para os bancos. As moratórias são um balão de oxigénio para quem, nesta fase de quebra de rendimento (as famílias) ou receitas (as empresas), pode adiar o pagamento de um encargo importante com os créditos bancários. Mas protegem igualmente os bancos que, sem falhas do lado dos clientes, não terão perdas em empréstimos que, de outra forma, começariam rapidamente a dar problemas.
Setembro é já ao virar da esquina e, por mais que a situação melhore até lá, dificilmente muitas empresas e famílias estarão em melhores condições do que estão hoje. Ou seja, o risco de uma parte delas entrarem imediatamente em incumprimento é real e é uma ameaça aos bancos. No caso das moratórias, estão aprovadas pela Autoridade Bancária Europeia desde que entrem até 30 de junho e não há qualquer diferenciação entre moratórias públicas (ao abrigo do regime geral) e privadas (definidas pelos bancos para outros créditos). Desde que cumpram os requisitos formais, não serão considerados crédito em incumprimento ou reestruturação. Mas não deixa de ser importante, até para dar confiança ao processo, que exista uma extensão do prazo. Já para o reescalonamento das dívidas das empresas, é necessário que haja uma garantia pública, para evitar que os bancos tenham de classificar o crédito como estando em reestruturação e assumam as devidas consequências.
Achar que, em setembro, famílias e empresas vão conseguir pagar os créditos normalmente é quase o mesmo que acreditar no Pai Natal
Isto é a questão técnica financeira: saber com afinar as regras para que os bancos possam continuar sem cobrar os créditos sem que, com isso, comecem de imediato a sofrer perdas. Agora a parte económica mais simples: com o trambolhão gigante que a economia vai viver no segundo trimestre e com o verão mais morto em décadas, quando chegarmos a setembro uma grande parte destes devedores não conseguirá voltar a pagar os créditos. Nem em setembro, nem em dezembro, talvez nem daqui a um ano. Seis meses de prazo para moratórias foi, para dizer o mínimo, um otimismo brutalmente exagerado. Neste momento, a banca já recebeu 568,9 mil pedidos e deu luz verde a 90%: 345,6 mil são contratos abrangidos pela moratória pública (metade é crédito hipotecário de particulares e a outra metade são empresários em nome individual e empresas) e 169,2 mil são moratórias da banca. Acreditar que todas estas centenas de milhares de pessoas ou empresas estão perfeitamente capazes para voltar a cumprir integralmente as suas obrigações dentro de pouco mais de três meses é mais ou menos o mesmo que achar que é possível suster a respiração tempo suficiente para a onda de um tsunami passar. Até pode resultar, por milagre, mas não será, certamente, na maior parte dos casos.
Os cenários mais otimistas apontam para que o PIB só dentro de dois anos regresse ao que era em 2019. É a expectativa do ministro das Finanças e é, igualmente, a tendência das previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Comissão Europeia. E o PIB, como bem sublinha Luís Cabral (ver pág. 31), não é tudo. Para o bem e para o mal. Muitos negócios vão ficar pelo caminho e, inevitavelmente, os bancos perderão com eles. Com ou sem moratórias. Com ou sem reescalonamento. Da mesma maneira que muitas famílias irão demorar muito mais tempo a recuperar o rendimento que tinham. A sondagem ISCTE/ICS que o Expresso publicou na edição passada, indicava que 36% das famílias perderam, pelo menos, um terço dos rendimentos e que quase metade destas (16% do total) teve quebras acima de 50% do rendimento. Cruzem-se estes números com a taxa de esforço do crédito à habitação que, em alguns casos, ultrapassa 50% do rendimento (em Lisboa, nomeadamente), e torna-se clara a gravidade da situação. O desmame vai ser duro e demorado.
P.S.: Na semana passada, a propósito da polémica da injeção de capital no Novo Banco e da minicrise política, deixei várias questões sobre o sucedido. A respeito de uma delas — se a ida para governador do Banco de Portugal foi a contrapartida de António Costa para segurar Mário Centeno no Governo —, garantiu-me o ministro das Finanças que o tema não foi abordado na reunião em São Bento que selou a trégua entre ambos (texto de opiniáo do jornalista JOÃO SILVESTRE, Expresso)
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