Ontem
foi um dia surpreendente em termos do regresso da política pura e dura em plena
pandemia do covid19 que continua a matar em Portugal, sem que isso deva impedir
lo nosso esforço colectivo da retoma e do combate ao medo.
Primeiro
foi o primeiro-ministro socialista a anunciar que voltaria à AutoEuropa (onde
estava de visita oficial no âmbito da propaganda em torno da retoma da economia
portuguesa) no primeiro ano do novo mandato do social-democrata e Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa, que deste modo colou-se ao locatário de
Belém, criando um problema novo e inesperado a uma direita fragilizada e parte
dela a caminho da pulverização.
Em
segundo lugar foi a polémica sobre os 850 milhões de euros "dados"
pelo Estado ao ex-BES, operação prevista no OE-2020 (embora desde 2017 - quando
foi vendido aquele descalabro de corrupção, patifarias e aldrabices monumentais
de Salgado e seus pares - tais injeções financeiras anuais do Estado já estavam
previstas) mas que passou para a agenda
mediática e política, aproveitada politicamente pela oposição - com o Bloco à
cabeça - que tentou explorar divergências e contradições entre Costa e Centeno.
Depois,
foi a reunião surpresa, em São Bento,
entre Costa e Centeno, pelo mesmo motivo (quiçá as declarações de MRS
sobre o tema terão causado irritação a Centeno, especulo eu) da qual se
esperava uma demissão, mas que foi claramente neutralizada por Costa - um
verdadeiro animal político, com muita experiência na gestão destas crises - ao
ser garantida a continuidade de Centeno apesar de todos sabermos que cometeu um
erro político grave que o fragilizou. É fácil admitir que esse cenário mais
radical não aconteceu já para evitar problemas maiores num contexto interno e externo
(Europa) onde há muita cosia em cima da mesa em discussão. E há uma crise
orçamental ainda sem solução à vista, dada a morosidade destes processos
europeus de disponibilização de recursos financeiros ao abrigo de programas ou
decisões especiais, marcados por crónicos atrasos na formalização das
transferências de Bruxelas para os estados-membros beneficiários. E sem falar
de um orçamento suplementar que estará a ser ultimado e que dificilmente
deixará de conter medidas de austeridade, numa primeira fase disfarçadas, mas
que depois deixarão de poder ser escondidas por muito mais tempo (e não falo de
cortes nos salários ou nas pensões e reformas, falo de outras opções,
indirectas).
Globalmente
que conclusões retiramos deste dia sui-generis face a tudo o que se passou nos
dois meses anteriores?
-
MRS, o matreiro manhoso do costume, continua a gerir em seu proveito
(eleitoral) uma relação que é sobretudo pessoal e de amizade com Costa, atitude
essa que tem sido a almofada que o primeiro-ministro socialista mais precisou -
sobretudo neste mandato sem geringonça oficial... - mas que acaba por
constituir uma real ameaça ao centro-direita (área política de MRS) de Rio e o
CDS que dificilmente não deixarão de engolir elefantes vivos, assumindo
timidamente que ficaram incomodados e foram ultrapassados pela "novela
política na Autoeuropa" (digo eu). Isto quando tiverem que decidir se
apoiam ou não o candidato presidencial... de António Costa!
Em
segundo lugar a confirmação do primeiro-ministro como outro matreiro-mor da
política nacional, sabendo gerir as crises, desde as desculpas públicas e
estrategicamente pensadas (Costa desviou para Centeno as críticas bloquistas,
ficando a assistir de bancada...) ao Bloco de Esquerda até a forma como segurou
Centeno que dificilmente não chegou a São Bento com uma decisão pessoal tomada
e disposto a bater com a porta. Centeno terá sido convencido - digo eu - a dar
mais algum tempo a Costa, suspeito que apenas isso.
Finalmente,
a queda abrupta, tudo por causa da
banca e de algum convencimento e vaidade pessoal, de um ministro das finanças
vedeta e poderoso, que chegou a presidente do Eurogrupo por influência de Costa
junto dos socialistas europeus, mas que quer o lugar de governador do Banco de
Portugal - onde duvido que chegue, porque suspeito que a oposição deverá abrir
uma nova frente de guerra sobre isso. Um poderoso ministro em queda, que poderá
ter deitado tudo a perder, em termos de mais-valia da sua imagem pessoal,
incluindo a continuidade na presidência do Eurogrupo que nunca estará
interessado em ser liderado por um ministro das finanças fragilizado e a prazo
num dos mais pequenos e mais endividados estados-membros da UE.
Foi
um dia diferente de tudo, excitante, com muitas incertezas, histórias mal
contadas, outras inventadas, um dia que nos fez até esquecer a pandemia e matar
as saudades que já tínhamos da chamada política pura e dura num país que ainda
não sabe como vai (financeiramente falando) superar esta crise inesperada e
demolidora (LFM)
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